Desapegar do que temos é um desafio e tanto. Mas pode nos dar mais liberdade e abrir espaço e tempo para o que de fato importa
Todos começamos o ano cheios de expectativas para dias melhores. Sim, dias melhores virão, mas isso depende um bocado de como os cultivamos hoje. No fim do ano, tive uma experiência especial, a qual acredito me ajudará na minha colheita em 2013. Passei dez dias enfurnada em casa fazendo aquela faxina. Não qualquer limpeza tradicional, que inclua a doação de roupas ou apenas jogar a papelada fora.
Também fiz isso, mas o mais importante, para mim, foi realmente entrar em cada cômodo da casa e separar tudo aquilo que estava demais ou que não tem mais o mesmo significado que teve para mim até hoje, ou melhor, até ontem.
Tirar peças de decoração da casa em que vivemos nos faz honrar nossa história, reconhecer que mudamos, e perceber o que somos nesta fase da vida. Comprados, ou recebidos de presente, em um tempo distante, os objetos podem conversar conosco durante anos. Até que deixam de dialogar com a pessoa na qual nos transformamos. O problema é que acabamos criando apegos desnecessários com eles.
A sorte é que podemos olhá-los, como se não mais nos pertencessem, como se estivessem pedindo para voar de nossas mãos para outras nas quais tenham melhor uso. Podemos aproveitar para entender melhor o apego que criamos, o que está por trás dele, e nos conhecer melhor. Bem, com maior ou menor facilidade, separei todo tipo de objeto em caixas já endereçadas para amigos ou alguém da família, para instituições, para bibliotecas e para a coleta seletiva.
Viver com menos é desafiador e se desapegar do que temos, mais ainda. Esvaziar o copo ou fazer a “dieta da casa”, em que tudo fica enxuto, clean, cheio de espaço, porém, não é o suficiente, se o recipiente voltar a se encher ao longo do ano, fazendo com que o ciclo seja rigorosamente igual. É possível quebrar essa rotina anual, se quisermos realmente viver com mais qualidade, o que para mim significa ser, cada vez mais, mais simples.
Como alguns já sabem, um dos mais importantes dos 7 “Rs” do consumo responsável é justamente o “reduzir” (os demais são respeitar, responsabilizar, repensar, recusar, reutilizar e reciclar). Pedir para fazer menos e ter menos em nossa sociedade adoecida pela ânsia de ter mais incomoda, pois o reduzir é visto como ganhar menos, ter menos, ser menos valorizado. Reduzir, porém, pode ser mais!
Uma ideia interessante é mirar-se no exemplo dos movimentos “Slow” que começaram nos anos 80 na Europa. Inicialmente forjados como uma proposta em oposição ao fast-food – daí o Slow Food – hoje eles se desdobram em iniciativas como Slow Movies, Slow Cities… Tudo pensado para que as pessoas parem, admirem o alimento que comem, o filme a que assistem, a cidade que visitam, e, principalmente, percebam as pessoas à volta. Um movimento que prega a contemplação, a ausência de ansiedade, a atividade prazerosa e em contato consciente consigo e com o outro.
Proponho, então, usarmos a filosofia do Slow para o olhar as vitrines, ou os sites e propagandas que nos invadem. Seria algo como “lentamente olhar as vitrines”. Já faz algum tempo que venho me exercitando nessa arte, no princípio nada fácil para quem ama as cores, o belo e as novidades artesanais, literárias, musicais e tecnológicas.
Pense em etapas: você foi fisgado por um objeto. Viu em uma página de revista, na TV ou em algum outro lugar alguma coisa que o atrai. Especialmente se estiver diante do objeto sedutor, olhe bem, contemple. Percorra todos os traços daquela beleza – seja uma peça de roupa bem cortada, um artesanato multicolorido, uma obra de arte, seja o último telefone inteligente com recursos incríveis.
Perceba o trabalho que está por trás daquela peça. Quantos se envolveram para que ele estivesse ali na sua frente. Nutra-se com esse olhar. Contemple e alegre-se com o conhecimento humano e as habilidades ali presentes. Aos poucos, dá para sentir que o vicio compulsivo do “ter que ter” vai-se dissolvendo. Perceba que o seu ser faz parte dessa Humanidade que constrói as coisas belas. A beleza daquele objeto já faz parte de você. E, depois, volte para casa saciado.
Esse movimento de contemplação em várias etapas pode quebrar o ciclo da casa que todo ano se enche de objetos, e nos fazer mais presentes em nossas escolhas.
Façamos isso! Viver com menos pode ser o caminho para nos trazer mais liberdade e uma vida com mais qualidade. Posso dizer que me sinto bem mais leve, e isso me traz uma sensação de tranquilidade para seguir nessa aventura, que é constituir hábitos coerentes com as mudanças que buscamos para a sociedade e o meio ambiente. Desejo a todos um ano com menos acumulação de coisas, com mais tempo e mais espaço para conversas sustentáveis.
*Alexandra Reschke é arquiteta urbanista e secretária-executiva do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)[:en]Desapegar do que temos é um desafio e tanto. Mas pode nos dar mais liberdade e abrir espaço e tempo para o que de fato importa
Todos começamos o ano cheios de expectativas para dias melhores. Sim, dias melhores virão, mas isso depende um bocado de como os cultivamos hoje. No fim do ano, tive uma experiência especial, a qual acredito me ajudará na minha colheita em 2013. Passei dez dias enfurnada em casa fazendo aquela faxina. Não qualquer limpeza tradicional, que inclua a doação
de roupas ou apenas jogar a papelada fora.
Também fiz isso, mas o mais importante, para mim, foi realmente entrar em cada cômodo da casa e separar tudo aquilo que estava demais ou que não tem mais o mesmo significado que teve para mim até hoje, ou melhor, até ontem.
Tirar peças de decoração da casa em que vivemos nos faz honrar nossa história, reconhecer que mudamos, e perceber o que somos nesta fase da vida. Comprados, ou recebidos de presente, em um tempo distante, os objetos podem conversar conosco durante anos. Até que deixam de dialogar com a pessoa na qual nos transformamos. O problema é que acabamos criando apegos desnecessários com eles.
A sorte é que podemos olhá-los, como se não mais nos pertencessem, como se estivessem pedindo para voar de nossas mãos para outras nas quais tenham melhor uso. Podemos aproveitar para entender melhor o apego que criamos, o que está por trás dele, e nos conhecer melhor. Bem, com maior ou menor facilidade, separei todo tipo de objeto em caixas já endereçadas para amigos ou alguém da família, para instituições, para bibliotecas e para a coleta seletiva.
Viver com menos é desafiador e se desapegar do que temos, mais ainda. Esvaziar o copo ou fazer a “dieta da casa”, em que tudo fica enxuto, clean, cheio de espaço, porém, não é o suficiente, se o recipiente voltar a se encher ao longo do ano, fazendo com que o ciclo seja rigorosamente igual. É possível quebrar essa rotina anual, se quisermos realmente viver com mais qualidade, o que para mim significa ser, cada vez mais, mais simples.
Como alguns já sabem, um dos mais importantes dos 7 “Rs” do consumo responsável é justamente o “reduzir” (os demais são respeitar, responsabilizar, repensar, recusar, reutilizar e reciclar). Pedir para fazer menos e ter menos em nossa sociedade adoecida pela ânsia de ter mais incomoda, pois o reduzir é visto como ganhar menos, ter menos, ser menos valorizado. Reduzir, porém, pode ser mais!
Uma ideia interessante é mirar-se no exemplo dos movimentos “Slow” que começaram nos anos 80 na Europa. Inicialmente forjados como uma proposta em oposição ao fast-food – daí o Slow Food – hoje eles se desdobram em iniciativas como Slow Movies, Slow Cities… Tudo pensado para que as pessoas parem, admirem o alimento que comem, o filme a que assistem, a cidade que visitam, e, principalmente, percebam as pessoas à volta. Um movimento que prega a contemplação, a ausência de ansiedade, a atividade prazerosa e em contato consciente consigo e com o outro.
Proponho, então, usarmos a filosofia do Slow para o olhar as vitrines, ou os sites e propagandas que nos invadem. Seria algo como “lentamente olhar as vitrines”. Já faz algum tempo que venho me exercitando nessa arte, no princípio nada fácil para quem ama as cores, o belo e as novidades artesanais, literárias, musicais e tecnológicas.
Pense em etapas: você foi fisgado por um objeto. Viu em uma página de revista, na TV ou em algum outro lugar alguma coisa que o atrai. Especialmente se estiver diante do objeto sedutor, olhe bem, contemple. Percorra todos os traços daquela beleza – seja uma peça de roupa bem cortada, um artesanato multicolorido, uma obra de arte, seja o último telefone inteligente com recursos incríveis.
Perceba o trabalho que está por trás daquela peça. Quantos se envolveram para que ele estivesse ali na sua frente. Nutra-se com esse olhar. Contemple e alegre-se com o conhecimento humano e as habilidades ali presentes. Aos poucos, dá para sentir que o vicio compulsivo do “ter que ter” vai-se dissolvendo. Perceba que o seu ser faz parte dessa Humanidade que constrói as coisas belas. A beleza daquele objeto já faz parte de você. E, depois, volte para casa saciado.
Esse movimento de contemplação em várias etapas pode quebrar o ciclo da casa que todo ano se enche de objetos, e nos fazer mais presentes em nossas escolhas.
Façamos isso! Viver com menos pode ser o caminho para nos trazer mais liberdade e uma vida com mais qualidade. Posso dizer que me sinto bem mais leve, e isso me traz uma sensação de tranquilidade para seguir nessa aventura, que é constituir hábitos coerentes com as mudanças que buscamos para a sociedade e o meio ambiente. Desejo a todos um ano com menos acumulação de coisas, com mais tempo e mais espaço para conversas sustentáveis.
*Alexandra Reschke é arquiteta urbanista e secretária-executiva do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)