Logo após a derrota em abril de 1984 da Emenda Dante de Oliveira, que restauraria as eleições diretas para Presidente da República, a sociedade civil iniciou uma nova campanha, pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva (Ance). Não obtiveram êxito e a Constituição de 1988 foi produzida por um Congresso Constituinte, que dividia suas atribuições entre a labuta legislativa regular e a missão de formular uma nova lei maior para o País. Ou seja, os deputados que aprovaram a Constituição em outubro de 1988 continuaram aprovando leis ordinárias e puderam disputar a reeleição nas eleições de 1992. Era o prosseguimento do péssimo e criminoso hábito de legislar em causa própria. Quase três décadas se passaram e os brasileiros tomam as ruas pedindo – novamente – mais democracia. E desta vez a querem mais direta, menos analógica. Veja os principais tópicos em debate:
Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva (Ance): formada por representantes eleitos com a única tarefa de elaborar uma Constituição, em tese também poderia ser convocada para formular e aprovar emendas à Constituição, como a reforma do sistema político-eleitoral do Brasil. Alguns pedem que os constituintes fiquem inelegíveis por oito anos, de modo a não caírem na tentação de aprovar apenas as regras que mais os beneficiem na eleição seguinte. Há também quem proponha a liberdade para candidaturas desvinculadas de partidos. O problema é que a Constituição atual, promulgada em outubro de 1988, não prevê a convocação de Ance para tratar de temas específicos. Os juristas dividem-se entre considerá-la uma ameaça ao Estado de Direito e julgar viável emendar a Constituição para prever uma Ance voltada para a reforma política e seus limites.
Projeto de Lei de Iniciativa Popular: um dos três instrumentos de democracia direta previstos no artigo 14 da Constituição de 1988. Para um projeto de lei ser encaminhado à Câmara dos Deputados, precisa ser subscrito por 1% do eleitorado nacional, distribuído em pelo menos cinco estados, tendo assinaturas de mínimo 0,3% dos eleitores em cada um dos cinco estados. Tomando-se apenas as percentagens, parece razoável. Na prática, significa hoje coletar perto de 1,3 milhão de assinaturas em um documento de papel. No início de julho, o Senado aprovou uma proposta que reduz o mínimo de assinaturas para 0,5% do eleitorado e libera a subscrição do projeto por meios eletrônicos. Falta a Câmara dos Deputados apreciar a proposta. Atualmente excluídas do mecanismo, as emendas constitucionais também poderão ser apresentadas diretamente pelos eleitores, caso a versão da proposta aprovada pelo Senado seja mantida pelos deputados.
Convocação popular de plebiscitos e referendos: os outros dois instrumentos de democracia direta existentes foram usados apenas uma vez cada: o plebiscito de 1993 sobre forma e sistema de governo, e o referendo do desarmamento de 2005. Ambos só podem ser convocados por um terço, no mínimo, dos deputados federais ou senadores. Movimentos e organizações querem que a população possa convocá-los, utilizando-se o mesmo mecanismo da Iniciativa Popular. Isso daria poder de veto aos eleitores, permitindo que a população referendasse ou recusasse uma determinada lei. O receio é que a multiplicação de plebiscitos e referendos – que demandam meses de preparação – tornem o País ingovernável.
Mandato imperativo (recall): vincula a validade dos votos às posições previamente declaradas pelo deputado ou senador na condição de candidatos, dando aos eleitores o poder de revogar o mandato parlamentar, caso ele não cumpra a agenda com a qual se comprometeu. Seria uma forma de impedir que os eleitos desprezem seus eleitores, mas também pode significar que ninguém tem direito de rever suas posições e mudar de ideia. O instrumento existe nos Estados Unidos, onde é acionado preponderantemente no nível local.
Candidaturas avulsas: parte da ideia de que qualquer cidadão deveria ter o direito de postular uma candidatura política, mesmo sem partido. A medida poderia facilitar a participação de lideranças comunitárias no Executivo e no Legislativo, especialmente em pequenos municípios, onde as diferença programáticas dos partidos muitas vezes tornam-se irrelevantes. Mas também abre margem para reforçar o caráter personalista das eleições, além do risco de enfraquecer ainda mais os partidos.
Participação direta no Parlamento: movimentos como a Plataforma dos Movimentos Sociais Pela Reforma do Sistema Político defendem a criação de espaços de participação direta na definição das prioridades de pauta do Congresso Nacional e demais Câmaras Legislativas, bem como na definição da política de desenvolvimento. Os meios eletrônicos também poderiam propiciar à população votar propostas e não apenas opinar sobre elas. Outra proposta que possui certa sintonia com a aqui descrita é a de liberar candidaturas representativas de movimentos sociais e organizações não governamentais (ONGs) nas eleições para o Poder Legislativo. Teme-se, porém, que a proposição abra margem para uma democracia corporativista, em que prevaleceriam os interesses dos setores mais organizados e com maior poder econômico.
Regulamentação do lobby: não é saudável para a democracia negar a existência de grupos de pressão com acesso aos agentes políticos; portanto, regulamentar a atividade daria mais transparência ao processo político. Não é uma forma de democracia direta, mas aproxima-se disso, reconhecendo a influência de diferentes grupos sociais sobre a legislação. Nos Estados Unidos, a atividade foi tornada oficial na década de 1940, tornando obrigatório o cadastro de lobistas no Congresso. A regulamentação atual fixa limites financeiros e éticos (proíbe que lobistas presenteiem os congressistas, por exemplo) e exige a publicação de relatórios periódicos das atividades.