Enquanto a atividade esbarra nos limites, o programa nacional voltado a incrementar políticas públicas para maior sustentabilidade não mostra avanços
Ao garantir uma indispensável fonte de proteína na alimentação, a pesca consolidou-se como uma importante atividade econômica em todo o mundo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2010, a produção mundial de pescado foi de cerca de 168 milhões de toneladas provenientes de água doce e salgada, considerando-se tanto a pesca extrativa quanto a aquicultura, ou seja, a produção controlada de peixes e frutos do mar. Os principais produtores são China, Indonésia, Índia e Japão.
Apesar de contar com um generoso litoral de 7.300 quilômetros e deter 12% da água doce do planeta, o Brasil só aparece em 19º no ranking. Na avaliação do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), é necessária maior eficiência na produção de pescado no País, sem permitir, contudo, a pesca desenfreada.
Entre 1994 e 2004, o governo investiu em um levantamento que fornecesse dados sobre os recursos vivos do mar, a m de identificar os estoques potenciais da pesca e indicar meios para buscar maior sustentabilidade da atividade. O programa, batizado de ReviZEE, sigla para Programa de Avaliação do Potencial Sustentável dos Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva, consumiu cerca de R$ 32 milhões.
“É a bíblia da questão pesqueira”, afirma Luis Alberto de Mendonça Sabanay, assessor de assuntos estratégicos e relações institucionais do MPA. Foi a partir das informações coletadas nesse estudo que o governo pôde, por exemplo, definir com mais precisão as épocas de defeso[1].
[1]Período em que a pesca de determinadas espécies é proibida, por ameaçar sua reprodução
Concluído em 2006, o projeto previa uma continuidade – batizada de Revimar – que, entre outras coisas, iria gerar informações frequentes sobre a atividade pesqueira, a m de incrementar as políticas públicas de sustentabilidade. Entretanto, o Ministério do Meio Ambiente informou à reportagem que o Revimar “está em discussão interna e ainda sem novidade para informações”.
Hoje, uma das principais disposições do governo federal tem sido reduzir as perdas do que já é pescado. Segundo Sabanay, o objetivo não é aumentar o número de peixes capturados, pois o País já atua no limite permitido. “Não estamos aumentando o esforço de pesca, mas sim trabalhando para que haja menos desperdício”, arma. De acordo com ele, o Brasil perde até 25% de sua pesca devido a embarcações defasadas e a falhas no acondicionamento. Em 2011, o País produziu 1,4 milhão de toneladas de pescado, entre extração e aquicultura.
Outro ponto fundamental é garantir que os pescadores em sua grande maioria artesanais – sejam informados sobre o que podem e o que não podem fazer. Para isso, está em desenvolvimento um programa de combate à pesca ilegal [2], que envolve diversos órgãos do governo e visa melhorar o acesso desses pescadores à informação, entre outros pontos.
[2]Há vários tipos de pesca ilegal: aquela feita nas épocas de defeso (quando ocorre a reprodução das espécies e a captura é proibida); a que usa técnicas nocivas, como a pesca de arrasto; ou ainda a pesca não autorizada feita por embarcações de outros países
GUIAS PARA O CONSUMIDOR
Não são apenas os pescadores que carecem de dados sobre o tema. O consumidor brasileiro também tem dificuldade em saber se o peixe que está consumindo foi capturado de forma responsável. Na hora de fazer compras, ainda é possível verificar o selo “Friend of the Sea” em latas de atum ou sardinha. Porém, a certificação é limitada. No Brasil, é quase impossível saber a procedência de um peixe fresco, ou ainda de um pescado oferecido no cardápio de um restaurante.
Foi pensando nessa dificuldade que uma faculdade de Santos, no litoral de São Paulo, desenvolveu uma espécie de folder explicativo para o consumo consciente de peixe. O Guia de Consumo Responsável de Pescados, da Unimonte, traz uma lista de espécies que devem ser evitadas pelos consumidores por estarem ameaçadas de extinção em nossas águas ou porque sua pesca causa danos ao meio ambiente. Também mostra quais espécies estão liberadas para pesca e, portanto, podem ser consumidas com mais tranquilidade.
“No Brasil não há muito essa abordagem de prestar um serviço de informação ao público”, diz Cintia Miyaji, doutora em Oceanografia pela USP e uma das coordenadoras do projeto.
“O Brasil perde até 25% da pesca devido a embarcações defasadas e a falhas no acondicionamento”
A primeira versão do guia foi lançada em 2009. Agora, a previsão é atualizar o material, inclusive com a criação de um aplicativo para celular. A nova versão deve estar pronta em 2014. Cintia conta que também há a intenção de estabelecer parcerias com restaurantes interessados.
“Nos EUA e na Europa, é comum a certificação de restaurantes e pescadores, que recebem uma espécie de selo. No Brasil ainda estamos engatinhando nesse processo”, afirma.
IMPACTOS DA CRIAÇÃO NO MAR
Com a extração de peixes chegando ao limite, um campo que tem recebido bastante investimento é a aquicultura. A atividade tem crescido significativamente nos últimos anos: somente em 2011, aumentou 31% em relação ao ano anterior. E os lagos artificiais formados por barragens são vistos como grandes áreas com potencial para a produção de pescado.
Porém, assim como na extração de peixes, há nessa atividade uma preocupação ambiental. Um dos principais problemas é o uso de áreas de mangue como tanques de aquicultura de camarão, o que prejudica a conservação desses ecossistemas. Outra questão é a necessidade de controlar a contaminação nas áreas usadas para o cultivo, por conta do uso de produtos químicos como antibióticos, pesticidas e hormônios. Há ainda a preocupação com a introdução de espécies exóticas nas regiões, que podem fugir da área de cultivo e ocupar o ambiente.
O governo federal garante que tem buscado incentivar (com crédito e licença para produzir) apenas produtores que estejam de acordo com as regras ambientais vigentes. Porém, Sabanay, do MPA, admite: “Ainda falta fiscalização”. Um dos principais problemas, segundo ele, é a falta de fiscais. A questão é fiscalizada pelo Ibama, pela Marinha e também pelo MPA.
Leia mais nesta edição:
Como o homem deu as costas pro mar, em “A Devastação Azul“
Edmo Campos explica o papel dos oceanos para a regulação climática, em “Unindo o Norte ao Sul“
Conservar os oceanos e explorar seus recursos ao memso tempo custa caro, em “Oceanos S.A.“
Questão da governança das águas internacionais dificulta políticas de preservação, em “De Todos, Mas de Ninguém“
[:en]Enquanto a atividade esbarra nos limites, o programa nacional voltado a incrementar políticas públicas para maior sustentabilidade não mostra avanços
Ao garantir uma indispensável fonte de proteína na alimentação, a pesca consolidou-se como uma importante atividade econômica em todo o mundo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2010, a produção mundial de pescado foi de cerca de 168 milhões de toneladas provenientes de água doce e salgada, considerando-se tanto a pesca extrativa quanto a aquicultura, ou seja, a produção controlada de peixes e frutos do mar. Os principais produtores são China, Indonésia, Índia e Japão.
Apesar de contar com um generoso litoral de 7.300 quilômetros e deter 12% da água doce do planeta, o Brasil só aparece em 19º no ranking. Na avaliação do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), é necessária maior eficiência na produção de pescado no País, sem permitir, contudo, a pesca desenfreada.
Entre 1994 e 2004, o governo investiu em um levantamento que fornecesse dados sobre os recursos vivos do mar, a m de identificar os estoques potenciais da pesca e indicar meios para buscar maior sustentabilidade da atividade. O programa, batizado de ReviZEE, sigla para Programa de Avaliação do Potencial Sustentável dos Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva, consumiu cerca de R$ 32 milhões.
“É a bíblia da questão pesqueira”, afirma Luis Alberto de Mendonça Sabanay, assessor de assuntos estratégicos e relações institucionais do MPA. Foi a partir das informações coletadas nesse estudo que o governo pôde, por exemplo, definir com mais precisão as épocas de defeso[1].
[1]Período em que a pesca de determinadas espécies é proibida, por ameaçar sua reprodução
Concluído em 2006, o projeto previa uma continuidade – batizada de Revimar – que, entre outras coisas, iria gerar informações frequentes sobre a atividade pesqueira, a m de incrementar as políticas públicas de sustentabilidade. Entretanto, o Ministério do Meio Ambiente informou à reportagem que o Revimar “está em discussão interna e ainda sem novidade para informações”.
Hoje, uma das principais disposições do governo federal tem sido reduzir as perdas do que já é pescado. Segundo Sabanay, o objetivo não é aumentar o número de peixes capturados, pois o País já atua no limite permitido. “Não estamos aumentando o esforço de pesca, mas sim trabalhando para que haja menos desperdício”, arma. De acordo com ele, o Brasil perde até 25% de sua pesca devido a embarcações defasadas e a falhas no acondicionamento. Em 2011, o País produziu 1,4 milhão de toneladas de pescado, entre extração e aquicultura.
Outro ponto fundamental é garantir que os pescadores em sua grande maioria artesanais – sejam informados sobre o que podem e o que não podem fazer. Para isso, está em desenvolvimento um programa de combate à pesca ilegal [2], que envolve diversos órgãos do governo e visa melhorar o acesso desses pescadores à informação, entre outros pontos.
[2]Há vários tipos de pesca ilegal: aquela feita nas épocas de defeso (quando ocorre a reprodução das espécies e a captura é proibida); a que usa técnicas nocivas, como a pesca de arrasto; ou ainda a pesca não autorizada feita por embarcações de outros países
GUIAS PARA O CONSUMIDOR
Não são apenas os pescadores que carecem de dados sobre o tema. O consumidor brasileiro também tem dificuldade em saber se o peixe que está consumindo foi capturado de forma responsável. Na hora de fazer compras, ainda é possível verificar o selo “Friend of the Sea” em latas de atum ou sardinha. Porém, a certificação é limitada. No Brasil, é quase impossível saber a procedência de um peixe fresco, ou ainda de um pescado oferecido no cardápio de um restaurante.
Foi pensando nessa dificuldade que uma faculdade de Santos, no litoral de São Paulo, desenvolveu uma espécie de folder explicativo para o consumo consciente de peixe. O Guia de Consumo Responsável de Pescados, da Unimonte, traz uma lista de espécies que devem ser evitadas pelos consumidores por estarem ameaçadas de extinção em nossas águas ou porque sua pesca causa danos ao meio ambiente. Também mostra quais espécies estão liberadas para pesca e, portanto, podem ser consumidas com mais tranquilidade.
“No Brasil não há muito essa abordagem de prestar um serviço de informação ao público”, diz Cintia Miyaji, doutora em Oceanografia pela USP e uma das coordenadoras do projeto.
“O Brasil perde até 25% da pesca devido a embarcações defasadas e a falhas no acondicionamento”
A primeira versão do guia foi lançada em 2009. Agora, a previsão é atualizar o material, inclusive com a criação de um aplicativo para celular. A nova versão deve estar pronta em 2014. Cintia conta que também há a intenção de estabelecer parcerias com restaurantes interessados.
“Nos EUA e na Europa, é comum a certificação de restaurantes e pescadores, que recebem uma espécie de selo. No Brasil ainda estamos engatinhando nesse processo”, afirma.
IMPACTOS DA CRIAÇÃO NO MAR
Com a extração de peixes chegando ao limite, um campo que tem recebido bastante investimento é a aquicultura. A atividade tem crescido significativamente nos últimos anos: somente em 2011, aumentou 31% em relação ao ano anterior. E os lagos artificiais formados por barragens são vistos como grandes áreas com potencial para a produção de pescado.
Porém, assim como na extração de peixes, há nessa atividade uma preocupação ambiental. Um dos principais problemas é o uso de áreas de mangue como tanques de aquicultura de camarão, o que prejudica a conservação desses ecossistemas. Outra questão é a necessidade de controlar a contaminação nas áreas usadas para o cultivo, por conta do uso de produtos químicos como antibióticos, pesticidas e hormônios. Há ainda a preocupação com a introdução de espécies exóticas nas regiões, que podem fugir da área de cultivo e ocupar o ambiente.
O governo federal garante que tem buscado incentivar (com crédito e licença para produzir) apenas produtores que estejam de acordo com as regras ambientais vigentes. Porém, Sabanay, do MPA, admite: “Ainda falta fiscalização”. Um dos principais problemas, segundo ele, é a falta de fiscais. A questão é fiscalizada pelo Ibama, pela Marinha e também pelo MPA.
Leia mais nesta edição:
Como o homem deu as costas pro mar, em “A Devastação Azul“
Edmo Campos explica o papel dos oceanos para a regulação climática, em “Unindo o Norte ao Sul“
Conservar os oceanos e explorar seus recursos ao memso tempo custa caro, em “Oceanos S.A.“
Questão da governança das águas internacionais dificulta políticas de preservação, em “De Todos, Mas de Ninguém“