Visto como um prolongamento do oceano, o fundo do mar abriga enormes reservas minerais e energéticas de que o mercado precisa para não colapsar. Vencer as águas oceânicas custa caro. Conservá-las também
Se em 3000 a.C. o povo cretense já começava a singrar o Mar Mediterrâneo fazendo comércio internacional com os países costeiros da região, em 1.500 a.C. o domínio naval já pertencia aos valentes fenícios. Tinham tanta intimidade com o mar que, além de exímios marinheiros foram responsáveis pela primeira atividade biotecnológica marinha de que se tem notícia. E fizeram fortuna. Coletavam o múrex, um molusco nativo do Mediterrâneo, do qual extraíam a púrpura e obtinham o cobiçado pigmento que tingia de vermelho o manto sagrado dos césares[1]. Eram necessários milhares de moluscos para tingir um único manto. Algumas dessas espécies já não existiam mais quando o mundo ocidental zerou a contagem do tempo e adotou o calendário cristão.
[1]Diz a lenda que o imperador romano Nero mandava executar quem, além dele, usasse a púrpura
A exploração econômica de recursos marinhos, como se vê, vem de muito longe. O curioso é que dentro dessa escala histórica, da Antiguidade até bem recentemente, o interesse econômico pelos oceanos alterou-se pouco. Guardadas as proporções, durante três milênios as principais atividades oceânicas continuaram sendo o transporte, a pesca e a biotecnologia (mais sobre a pesca em “Não está para peixe“)
Somente a partir da segunda metade do século XX, depois de constatar o fenomenal descompasso entre o consumismo crônico da humanidade e o potencial derecursos naturais em terra firme, empresas e especialistas em oceanos ajustaram melhor o foco de suas lentes. Enxergaram o fundo do mar como um prolongamento do continente, com enormes reservas energéticas e de minérios de que o mercado tanto precisa para não colapsar. O grande obstáculo tem sido o poder da imensidão das águas oceânicas. Vencê-las custa caro. Conservá-las também.
Aí mora o perigo. A degradação do ambiente marinho, provocada por sobrepesca, emissões de carbono e todos os tipos de poluição imagináveis, já atinge das regiões costeiras aos altos-mares, das superfícies às profundezas mais recônditas. Além das explorações relativamente recentes no campo da energia – petróleo e fontes alternativas renováveis, como eólica, ondas e marés –, que prometem impactos importantes, a extração de minérios como ouro, prata, cobre, terras-raras e manganês do fundo do mar é uma ameaça adicional. A pegada ecológica dessa mineração poderá ser tão ou mais profunda do que as deixadas em solos continentais.
“Avanços na robótica e na tecnologia dos submarinos reacendem interesse de mineradoras pelo fundo do mar”
MISTÉRIOS PROFUNDOS
No início deste ano, a imprensa americana noticiou o investimento de uma gigante do setor de defesa aeroespacial dos Estados Unidos, a Lockheed Martin, em um empreendimento de mineração de terras-raras em 58 mil quilômetros quadrados de solo em águas profundas e prístinas localizadas entre o México e o Havaí.
Para atender à demanda de interessados nessa recente fronteira econômica, está surgindo também uma nova geração de empresas de mineração especializadas em planejamento e mergulho submarino profundo, cujas ações de marketing mostram um fundo do mar bastante atraente para a mineração.
Uma delas é a Nautilus Minerals, com sede em Toronto, no Canadá. Seu diretor-executivo, Steve Rogers afirmou recentemente em entrevista ao Wall Street Journal que os oceanos em pouco tempo poderão atender à demanda mundial por metais em sua totalidade (mais aqui e aqui).
É simples a explicação para essa súbita corrida ao fundo do mar, liderada por empresas dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália. Esforços anteriores para escavar minas nos oceanos fracassaram por causa do alto custo da exploração marinha e por não haver tecnologia suficiente. Hoje, porém, a combinação dos elevados preços dessas commodities com os avanços na área de robótica, mapeamento por computadores e submarinos de perfuração reacendeu o interesse pelo mar.
Na Austrália, a pesquisadora do Centro de Políticas Públicas da Universidade de Melbourne, Sara Bice, alerta para a falta de dados e os inúmeros mistérios que ainda envolvem a atividade de mineração no mar.
Segundo ela, estudos revelam que há muita incompreensão a respeito do fundo do mar e seus ecossistemas. “Pouco se sabe, por exemplo, sobre os processos que levam à formação ao longo de milhares de anos dos nódulos polimetálicos[2]. Sabe-se menos ainda sobre como esses nódulos interagem com a vida em alto-mar e se a recuperação ecológica é possível após a mineração submarina.”
[2] Corpos rochosos de formato esférico encontrados nas fissuras da crosta que jorram gases quentes de origem vulcânica
Ela conta ainda que, recentemente, foi identificada uma fonte hidrotermal rica em minérios que se revelou um habitat de inúmeras espécies de animais e micróbios (leia mais aqui).
IMPACTO CRÔNICO É O PIOR
Qualquer atividade econômica tem potencial de causar impacto ambiental. Um dos papéis dos oceanógrafos é avaliar como fazer para que determinada atividade seja lucrativa e sustentável ao mesmo tempo. Segundo Alexandre Zerbini, oceanógrafo associado ao National Marine Mammal Laboratory e ao Cascadia Research Collective[3], organizações dos Estados Unidos para estudos de mamíferos marinhos, os impactos nos oceanos podem ser agudos ou crônicos.
[3]Vinculado à National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), agência federal localizada em Seattle, na Costa Oeste dos EUA, que monitora as condições dos oceanos e da atmosfera
Eventuais vazamentos durante extrações offshore são considerados impactos agudos, ou seja, rapidamente perceptíveis e eventuais. Embora costumem causar comoção e indignação nas pessoas, em geral são os mais reversíveis. Nesses casos, a maior parte do óleo pode ser recolhida e o restante desaparece por meio da eficiente capacidade de autolimpeza dos oceanos, cujo processo se dá pela exposição ao sol e pela evaporação. A fauna retorna ao seu habitat e a flora se recupera. “Apesar disso, derramamentos de petróleo, principalmente em larga escala, provocam efeitos devastadores no meio ambiente, com algumas espécies levando anos para se recuperar”, ressalta Zerbini.
O grande problema é o impacto crônico, aquele que vem em doses pequenas e constantes, como esgotos que escorrem por emissários ou emissões de gases-estufa. “Esses impactos pouco visíveis costumam ser os piores”, explica o oceanógrafo. Na exploração de petróleo, são representados, por exemplo, pelo aumento substancial da movimentação de embarcações entre as plataformas – elas próprias impactantes – e os portos.
No caso do pré-sal brasileiro[4], Zerbini faz a seguinte observação: no primeiro ano, constroem-se em torno de três plataformas e compram-se três navios. No segundo, surgem mais três plataformas e mais alguns navios. Em 20 anos, haverá 300 plataformas e um aumento substancial no fluxo de embarcações entre as plataformas e as costas Sul e Sudeste do Brasil, onde vários novos portos terão sido construídos para receber toda essa produção. “É uma cadeia de eventos permanentes e todos eles contribuem de alguma maneira para impactos gerais e crônicos que não se tem como evitar.”
[4]As estimativas de reservas totais indicam potencial de 70 bilhões a 100 bilhões de barris de óleo equivalente (somatório de petróleo e gás). Atualmente, a Petrobras produz 300 mil barris por dia no pré-sal
As fazendas de vento, que geram energia renovável e contribuem para minimizar o efeito-estufa, também provocam impactos crônicos importantes dentro e fora d’água. O primeiro impacto dos moinhos é provocado pelas centenas de plataformas que têm de ser presas ao fundo do mar muito perto umas das outras, ao longo de grandes extensões. Tudo que existe em solo oceânico é destruído nesses trechos.
O segundo impacto deve-se a ruídos e vibrações submarinas das usinas eólicas. Na opinião de Zerbini, seguramente essa poluição sonora provocará modificações no habitat ou alterará a forma como os golfinhos se comunicam e capturam suas presas. Outro possível impacto diz respeito às aves que costumam ser atraídas para zonas costeiras com muito vento. “Essas aves enxergarão esses moinhos ou voarão de encontro a eles?”, questiona.
QUEBRANDO GELO
A atenção ambiental volta-se agora também para o Ártico. Com o maior degelo da calota polar devido ao aquecimento climático, abre-se na região não apenas a possibilidade de exploração de petróleo[5], mas também de uma nova rota de navegação comercial que diminui em até oito dias as viagens entre países da Europa, Ásia e Estados Unidos. No verão de 2012, 50 navios, incluindo oito petroleiros, aventuraram-se nesse novo percurso e foram bem-sucedidos. Acredita-se que, até o m deste ano, cerca de 300 viagens terão sido realizadas.
[5]As Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) de vários países do Norte avançam sobre a região do Ártico, permitindo a exploração de petróleo na região. As ZEE são a faixa em que os países têm prerrogativas no uso de recursos e responsabilidade de gestão ambiental. A princípio, são delimitadas por uma linha traçada a 200 milhas náuticas da costa
Segundo o coordenador do Centro de Excelência em Logística e Supply Chain da FGV-Eaesp, Manoel Reis, o tempo do percurso é o ponto fraco do transporte marítimo internacional de longa distância, pois eleva o custo de estocagem dos produtos, que praticamente inexiste em viagens de avião. “A lentidão das travessias oceânicas é uma das principais desvantagens do setor”, afirma.
No comércio internacional, 94% da tonelagem exportada pelo Brasil segue por via marítima. A média mundial é 80% (mais sobre navegação em Economia Verde). De acordo com Manoel Reis, esse desbalanceamento ocorre em razão da longa distância do continente sul-americano em relação à maioria dos países importadores.
COMO MONITORAR?
O monitoramento dessas incursões econômicas nas 200 milhas das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) varia de país para país. Alguns têm legislação ambiental rigorosa e a cumprem. Outros pecam na qualidade da fiscalização. E há os que não têm nem uma coisa nem outra.
Zerbini adverte que países como o Brasil e a Rússia, com boas legislações e pouca fiscalização, correm o risco de registrar impactos tão importantes quanto os que não têm boa regulação. Já a China, por exemplo, tem preocupação menor com a questão ambiental. “Basta verificar os níveis de poluição nas cidades chinesas. O ar de Pequim é 900 vezes mais poluído que o de Seattle (cidade onde o pesquisador mora). Se no ar é assim, no mar pode ser ainda pior.”
A poluição industrial química do Rio Yangtsé, afluente do grande Rio Amarelo, dizimou uma das quatro espécies de golfinho de água doce que existem no mundo – o baiji –, que vivia no Amarelo com foz no Mar de Bohai. Alexandre Zerbini conta que, no início dos anos 2000, um estudo confirmou a extinção do mamífero.
O monitoramento de áreas oceânicas requer um apurado levantamento prévio de toda a fauna e flora existente na área a ser explorada. Quanto mais longo e sério for esse estudo, mais perguntas poderão ser respondidas após o impacto. “Esse ‘retrato’ do antes permite fazer comparações com o depois”, explica o oceanógrafo. Eventuais impactos poderão ser identificados nas diferenças encontradas entre os vários levantamentos que precisam ser feitos ao longo de toda a exploração. Detectado um impacto crônico importante, faz-se então o planejamento das ações de mitigação.
O mais importante em espécies animais, por exemplo, é garantir que suas populações não declinem. Ou, se declinarem, que se estabilizem e não se extingam. Para isso, é preciso estimar quantos indivíduos existem em uma determinada população. Não há grandes dificuldades nessa tarefa, quando se trata de animais que vivem presos ao fundo do mar, como cracas, corais e outros sésseis (organismos que não possuem capacidade de locomoção). Mas, no caso dos peixes migratórios, o grau de complexidade é outro. Tudo isso custa caro, pois envolve embarcações, equipamentos tecnológicos, mão de obra especializada. Portanto, sem leis consistentes e fiscalizações rigorosas que imponham os preceitos da sustentabilidade a essa mais nova versão da “corrida do ouro”, dificilmente haverá salvação para o que ainda resta de recursos não monetizáveis contidos nos oceanos: beleza, história, mistérios e vidas, muitas vidas.
Leia mais nesta edição:
Como o homem deu as costas pro mar, em “A Devastação Azul“
Edmo Campos explica o papel dos oceanos para a regulação climática, em “De Norte a Sul“
A insustentabilidade da pesca industrial, em “Não está pra peixe“
Questão da governança das águas internacionais dificulta políticas de preservação, em “De Todos, Mas de Ninguém“
[:en]Visto como um prolongamento do oceano, o fundo do mar abriga enormes reservas minerais e energéticas de que o mercado precisa para não colapsar. Vencer as águas oceânicas custa caro. Conservá-las também
Se em 3000 a.C. o povo cretense já começava a singrar o Mar Mediterrâneo fazendo comércio internacional com os países costeiros da região, em 1.500 a.C. o domínio naval já pertencia aos valentes fenícios. Tinham tanta intimidade com o mar que, além de exímios marinheiros foram responsáveis pela primeira atividade biotecnológica marinha de que se tem notícia. E fizeram fortuna. Coletavam o múrex, um molusco nativo do Mediterrâneo, do qual extraíam a púrpura e obtinham o cobiçado pigmento que tingia de vermelho o manto sagrado dos césares[1]. Eram necessários milhares de moluscos para tingir um único manto. Algumas dessas espécies já não existiam mais quando o mundo ocidental zerou a contagem do tempo e adotou o calendário cristão.
[1]Diz a lenda que o imperador romano Nero mandava executar quem, além dele, usasse a púrpura
A exploração econômica de recursos marinhos, como se vê, vem de muito longe. O curioso é que dentro dessa escala histórica, da Antiguidade até bem recentemente, o interesse econômico pelos oceanos alterou-se pouco. Guardadas as proporções, durante três milênios as principais atividades oceânicas continuaram sendo o transporte, a pesca e a biotecnologia (mais sobre a pesca em “Não está para peixe“)
Somente a partir da segunda metade do século XX, depois de constatar o fenomenal descompasso entre o consumismo crônico da humanidade e o potencial derecursos naturais em terra firme, empresas e especialistas em oceanos ajustaram melhor o foco de suas lentes. Enxergaram o fundo do mar como um prolongamento do continente, com enormes reservas energéticas e de minérios de que o mercado tanto precisa para não colapsar. O grande obstáculo tem sido o poder da imensidão das águas oceânicas. Vencê-las custa caro. Conservá-las também.
Aí mora o perigo. A degradação do ambiente marinho, provocada por sobrepesca, emissões de carbono e todos os tipos de poluição imagináveis, já atinge das regiões costeiras aos altos-mares, das superfícies às profundezas mais recônditas. Além das explorações relativamente recentes no campo da energia – petróleo e fontes alternativas renováveis, como eólica, ondas e marés –, que prometem impactos importantes, a extração de minérios como ouro, prata, cobre, terras-raras e manganês do fundo do mar é uma ameaça adicional. A pegada ecológica dessa mineração poderá ser tão ou mais profunda do que as deixadas em solos continentais.
“Avanços na robótica e na tecnologia dos submarinos reacendem interesse de mineradoras pelo fundo do mar”
MISTÉRIOS PROFUNDOS
No início deste ano, a imprensa americana noticiou o investimento de uma gigante do setor de defesa aeroespacial dos Estados Unidos, a Lockheed Martin, em um empreendimento de mineração de terras-raras em 58 mil quilômetros quadrados de solo em águas profundas e prístinas localizadas entre o México e o Havaí.
Para atender à demanda de interessados nessa recente fronteira econômica, está surgindo também uma nova geração de empresas de mineração especializadas em planejamento e mergulho submarino profundo, cujas ações de marketing mostram um fundo do mar bastante atraente para a mineração.
Uma delas é a Nautilus Minerals, com sede em Toronto, no Canadá. Seu diretor-executivo, Steve Rogers afirmou recentemente em entrevista ao Wall Street Journal que os oceanos em pouco tempo poderão atender à demanda mundial por metais em sua totalidade (mais aqui e aqui).
É simples a explicação para essa súbita corrida ao fundo do mar, liderada por empresas dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália. Esforços anteriores para escavar minas nos oceanos fracassaram por causa do alto custo da exploração marinha e por não haver tecnologia suficiente. Hoje, porém, a combinação dos elevados preços dessas commodities com os avanços na área de robótica, mapeamento por computadores e submarinos de perfuração reacendeu o interesse pelo mar.
Na Austrália, a pesquisadora do Centro de Políticas Públicas da Universidade de Melbourne, Sara Bice, alerta para a falta de dados e os inúmeros mistérios que ainda envolvem a atividade de mineração no mar.
Segundo ela, estudos revelam que há muita incompreensão a respeito do fundo do mar e seus ecossistemas. “Pouco se sabe, por exemplo, sobre os processos que levam à formação ao longo de milhares de anos dos nódulos polimetálicos[2]. Sabe-se menos ainda sobre como esses nódulos interagem com a vida em alto-mar e se a recuperação ecológica é possível após a mineração submarina.”
[2] Corpos rochosos de formato esférico encontrados nas fissuras da crosta que jorram gases quentes de origem vulcânica
Ela conta ainda que, recentemente, foi identificada uma fonte hidrotermal rica em minérios que se revelou um habitat de inúmeras espécies de animais e micróbios (leia mais aqui).
IMPACTO CRÔNICO É O PIOR
Qualquer atividade econômica tem potencial de causar impacto ambiental. Um dos papéis dos oceanógrafos é avaliar como fazer para que determinada atividade seja lucrativa e sustentável ao mesmo tempo. Segundo Alexandre Zerbini, oceanógrafo associado ao National Marine Mammal Laboratory e ao Cascadia Research Collective[3], organizações dos Estados Unidos para estudos de mamíferos marinhos, os impactos nos oceanos podem ser agudos ou crônicos.
[3]Vinculado à National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), agência federal localizada em Seattle, na Costa Oeste dos EUA, que monitora as condições dos oceanos e da atmosfera
Eventuais vazamentos durante extrações offshore são considerados impactos agudos, ou seja, rapidamente perceptíveis e eventuais. Embora costumem causar comoção e indignação nas pessoas, em geral são os mais reversíveis. Nesses casos, a maior parte do óleo pode ser recolhida e o restante desaparece por meio da eficiente capacidade de autolimpeza dos oceanos, cujo processo se dá pela exposição ao sol e pela evaporação. A fauna retorna ao seu habitat e a flora se recupera. “Apesar disso, derramamentos de petróleo, principalmente em larga escala, provocam efeitos devastadores no meio ambiente, com algumas espécies levando anos para se recuperar”, ressalta Zerbini.
O grande problema é o impacto crônico, aquele que vem em doses pequenas e constantes, como esgotos que escorrem por emissários ou emissões de gases-estufa. “Esses impactos pouco visíveis costumam ser os piores”, explica o oceanógrafo. Na exploração de petróleo, são representados, por exemplo, pelo aumento substancial da movimentação de embarcações entre as plataformas – elas próprias impactantes – e os portos.
No caso do pré-sal brasileiro[4], Zerbini faz a seguinte observação: no primeiro ano, constroem-se em torno de três plataformas e compram-se três navios. No segundo, surgem mais três plataformas e mais alguns navios. Em 20 anos, haverá 300 plataformas e um aumento substancial no fluxo de embarcações entre as plataformas e as costas Sul e Sudeste do Brasil, onde vários novos portos terão sido construídos para receber toda essa produção. “É uma cadeia de eventos permanentes e todos eles contribuem de alguma maneira para impactos gerais e crônicos que não se tem como evitar.”
[4]As estimativas de reservas totais indicam potencial de 70 bilhões a 100 bilhões de barris de óleo equivalente (somatório de petróleo e gás). Atualmente, a Petrobras produz 300 mil barris por dia no pré-sal
As fazendas de vento, que geram energia renovável e contribuem para minimizar o efeito-estufa, também provocam impactos crônicos importantes dentro e fora d’água. O primeiro impacto dos moinhos é provocado pelas centenas de plataformas que têm de ser presas ao fundo do mar muito perto umas das outras, ao longo de grandes extensões. Tudo que existe em solo oceânico é destruído nesses trechos.
O segundo impacto deve-se a ruídos e vibrações submarinas das usinas eólicas. Na opinião de Zerbini, seguramente essa poluição sonora provocará modificações no habitat ou alterará a forma como os golfinhos se comunicam e capturam suas presas. Outro possível impacto diz respeito às aves que costumam ser atraídas para zonas costeiras com muito vento. “Essas aves enxergarão esses moinhos ou voarão de encontro a eles?”, questiona.
QUEBRANDO GELO
A atenção ambiental volta-se agora também para o Ártico. Com o maior degelo da calota polar devido ao aquecimento climático, abre-se na região não apenas a possibilidade de exploração de petróleo[5], mas também de uma nova rota de navegação comercial que diminui em até oito dias as viagens entre países da Europa, Ásia e Estados Unidos. No verão de 2012, 50 navios, incluindo oito petroleiros, aventuraram-se nesse novo percurso e foram bem-sucedidos. Acredita-se que, até o m deste ano, cerca de 300 viagens terão sido realizadas.
[5]As Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) de vários países do Norte avançam sobre a região do Ártico, permitindo a exploração de petróleo na região. As ZEE são a faixa em que os países têm prerrogativas no uso de recursos e responsabilidade de gestão ambiental. A princípio, são delimitadas por uma linha traçada a 200 milhas náuticas da costa
Segundo o coordenador do Centro de Excelência em Logística e Supply Chain da FGV-Eaesp, Manoel Reis, o tempo do percurso é o ponto fraco do transporte marítimo internacional de longa distância, pois eleva o custo de estocagem dos produtos, que praticamente inexiste em viagens de avião. “A lentidão das travessias oceânicas é uma das principais desvantagens do setor”, afirma.
No comércio internacional, 94% da tonelagem exportada pelo Brasil segue por via marítima. A média mundial é 80% (mais sobre navegação em Economia Verde). De acordo com Manoel Reis, esse desbalanceamento ocorre em razão da longa distância do continente sul-americano em relação à maioria dos países importadores.
COMO MONITORAR?
O monitoramento dessas incursões econômicas nas 200 milhas das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) varia de país para país. Alguns têm legislação ambiental rigorosa e a cumprem. Outros pecam na qualidade da fiscalização. E há os que não têm nem uma coisa nem outra.
Zerbini adverte que países como o Brasil e a Rússia, com boas legislações e pouca fiscalização, correm o risco de registrar impactos tão importantes quanto os que não têm boa regulação. Já a China, por exemplo, tem preocupação menor com a questão ambiental. “Basta verificar os níveis de poluição nas cidades chinesas. O ar de Pequim é 900 vezes mais poluído que o de Seattle (cidade onde o pesquisador mora). Se no ar é assim, no mar pode ser ainda pior.”
A poluição industrial química do Rio Yangtsé, afluente do grande Rio Amarelo, dizimou uma das quatro espécies de golfinho de água doce que existem no mundo – o baiji –, que vivia no Amarelo com foz no Mar de Bohai. Alexandre Zerbini conta que, no início dos anos 2000, um estudo confirmou a extinção do mamífero.
O monitoramento de áreas oceânicas requer um apurado levantamento prévio de toda a fauna e flora existente na área a ser explorada. Quanto mais longo e sério for esse estudo, mais perguntas poderão ser respondidas após o impacto. “Esse ‘retrato’ do antes permite fazer comparações com o depois”, explica o oceanógrafo. Eventuais impactos poderão ser identificados nas diferenças encontradas entre os vários levantamentos que precisam ser feitos ao longo de toda a exploração. Detectado um impacto crônico importante, faz-se então o planejamento das ações de mitigação.
O mais importante em espécies animais, por exemplo, é garantir que suas populações não declinem. Ou, se declinarem, que se estabilizem e não se extingam. Para isso, é preciso estimar quantos indivíduos existem em uma determinada população. Não há grandes dificuldades nessa tarefa, quando se trata de animais que vivem presos ao fundo do mar, como cracas, corais e outros sésseis (organismos que não possuem capacidade de locomoção). Mas, no caso dos peixes migratórios, o grau de complexidade é outro. Tudo isso custa caro, pois envolve embarcações, equipamentos tecnológicos, mão de obra especializada. Portanto, sem leis consistentes e fiscalizações rigorosas que imponham os preceitos da sustentabilidade a essa mais nova versão da “corrida do ouro”, dificilmente haverá salvação para o que ainda resta de recursos não monetizáveis contidos nos oceanos: beleza, história, mistérios e vidas, muitas vidas.
Leia mais nesta edição:
Como o homem deu as costas pro mar, em “A Devastação Azul“
Edmo Campos explica o papel dos oceanos para a regulação climática, em “De Norte a Sul“
A insustentabilidade da pesca industrial, em “Não está pra peixe“
Questão da governança das águas internacionais dificulta políticas de preservação, em “De Todos, Mas de Ninguém“