Apesar de assinar atos legais com o Ibama sobre o assunto, o Ministério da Agricultura não monitora a aplicação de quatro inseticidas danosos aos insetos polinizadores
O Ministério da Agricultura (Mapa) não monitora o cumprimento das medidas de
segurança previstas na legislação para proteger abelhas e insetos polinizadores em geral de potenciais danos causados pela aplicação na agricultura brasileira de quatro inseticidas que tiveram seu uso limitado em 2012 [1] . Trata-se de lacuna gravíssima, tendo em vista que o sumiço das abelhas se tornou um dos problemas mais preocupantes da agenda ambiental global, com danos de grande monta na economia agrícola (mais na reportagem“Duelo Desigual”).
[1] Confira a INC nº 01 e o Comunicado Ibama. Ambos estabelecem uma série de regras para o uso de pesticidas que contenham os seguintes princípios ativos: fipronil e os neonicotinoides imidacloprido, tiametoxam e clotianidina
Questionado pela reportagem sobre detalhes relevantes para avaliar a fiscalização das medidas de segurança, o Mapa transfere a responsabilidade para os estados. “O Mapa não monitora esta situação”, diz Carlos Ramos Venancio, coordenador-geral substituto de Agrotóxicos e Afins da pasta da Agricultura. Justifica a postura do ministério tomando como base o artigo 10 da Lei dos Agrotóxicos (nº 7.802/89), que situa nos 26 estados e no Distrito Federal a competência para fiscalizar o uso de pesticidas. No entanto, o artigo 12 da mesma lei prevê que a União “prestará o apoio necessário às ações de controle e fiscalização, à Unidade da Federação que não dispuser dos meios necessários”. Segundo Venancio, o Mapa auxilia os estados dentro de sua possibilidade, promovendo fiscalizações conjuntas e treinamentos, entre outras atividades.
Também há um limbo legal-administrativo no caso da fiscalização da pulverização aérea, ação de elevado risco por causa da deriva, isto é, o desvio pelo vento de gotas do pesticida para áreas externas à região-alvo da aplicação, afetando humanos, a flora e a fauna, incluindo as abelhas. A INC nº 01 liberou a pulverização aérea dos quatro inseticidas para as culturas do arroz, algodão [2] , soja, trigo e cana-de-açúcar, à exceção da época de florada, quando as plantas mais recebem a visita de abelhas e outros polinizadores. A aplicação aérea continua proibida para as demais culturas, que, porém, podem receber pulverizações terrestres dos quatro pesticidas.
Ao fim da reavaliação ambiental dos inseticidas, iniciada em julho de 2012, o Ibama poderá proibir definitivamente sua aplicação aérea para todas as culturas agrícolas, ou vetá-la para algumas culturas e estabelecer regras de segurança para a aplicação nas outras lavouras [3].
[2] A permissão da aplicação dos quatro inseticidas durante a florada do algodão, que já ocorrera na safra 2012/2013, foi estendida para a safra 2013/2014. Acesse aqui
[3] A reavaliação ambiental do imidacloprido foi determinada pelo Comunicado Ibama de 19/7/2012 referido no texto, e sua conclusão é prevista para o segundo semestre de 2015. No Comunicado Ibama de 10/4/2014, foram abertos os processos de reavaliação ambiental do tiametoxam, cujo registro no Brasil é da Syngenta, e da clotianidina (Bayer e Sumitomo)
Há oito medidas de segurança determinadas pela INC nº 01 aos produtores rurais e empresas de aplicação de pesticidas para as pulverizações aéreas. Uma delas obriga produtores rurais a notificar os apicultores localizados em um raio de 6 quilômetros da área de aplicação com antecedência mínima de 48 horas. Não houve esclarecimentos sobre quantidade de funcionários, orçamento e conclusões relacionados à fiscalização das aplicações aéreas.
Também não foi informado se os mapas georreferenciados das aplicações aéreas estão sendo enviados pelas empresas nem se os relatórios mensais das empresas de aviação agrícola têm, de fato, sido remetidos ao Mapa, tampouco se esses relatórios atendem às cerca de 20 requisições estabelecidas pela INC nº 01. Entre essas requisições, estão a altura do voo, a velocidade do vento e dados meteorológicos. Até maio, 17 meses da publicação da INC nº 01, o Ibama não havia recebido do ministério nenhum mapa georreferenciado nem relatórios mensais das empresas responsáveis pela aplicação aérea, como manda o ato legal.
Há algum tempo o Mapa tenta remeter à alçada dos estados a responsabilidade pela fiscalização da pulverização aérea de agroquímicos. Argumenta que a lei e o decreto que regulamentaram a produção e o uso de agrotóxicos no Brasil transferiram para as unidades federativas a atribuição de fiscalização do uso de pesticidas, “independentemente da técnica de pulverização utilizada, seja aérea ou terrestre”, afirma, por e-mail, Luís Gustavo Pacheco, chefe da Divisão de Mecanização e Aviação Agrícola (DMAA) do Mapa. Pacheco observa que “é notório que o Mapa, como um todo, possui deficiência de pessoal em todas as suas áreas”. Segundo ele, o DMAA e o Mapa sofreram ano a ano redução nos orçamentos.
De qualquer maneira, a investida do Ibama sobre a pulverização aérea dos inseticidas associados à morte das abelhas levou a indústria de defensivos a se mexer. Em dezembro, teve início o programa de Certificação Aeroagrícola Sustentável (CAS), realizado pela Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais (Fepaf) em parceria com a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) e o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), com a finalidade de incentivar a qualificação das empresas e de operadores aeroagrícolas privados. Trata-se de uma ação do setor privado, sem participação do governo.
Mas não seriam os fabricantes de pesticidas corresponsáveis pela fiscalização da aplicação de seus produtos no campo? “A fiscalização é papel do governo. Colaboramos com a realização de dias de campo pelas empresas com os agricultores para treiná-los a usar adequadamente os defensivos. Já foram treinados em torno de 18 milhões de produtores nos últimos dez anos”, responde Silvia Fagnani, diretora de Assuntos Regulatórios e Internacionais do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg).
O Ibama tem esclarecido em eventos públicos que o objetivo de sua atuação são os efeitos de curto e longo prazo da aplicação desses produtos sobre os insetos. “Não estamos investigando as suspeitas de casos de Desordem de Colapso das Colônias (DCC ou CCD, na sigla em inglês) no Brasil. Não é nosso papel”, explica Márcio Rodrigues de Freitas, coordenador-geral de Avaliação de Substâncias Químicas. Reconhece, ainda, lacunas importantes, como a falta de um sistema de notificação de ocorrências de perdas de enxames.
Na ausência de acompanhamento oficial, Lionel Gonçalves, professor aposentado da USP de Ribeirão Preto, e Daniel Malusa Gonçalves, publicitário, lançaram em março o aplicativo Bee Alert como parte da campanha “Bee or not to be” (iniciada em outubro de 2013). Em apenas dois meses de operação, o Bee Alert recebeu relatos detalhados de 32 casos, que somam 3.034 colmeias afetadas e milhões de abelhas mortas, com evidências de DCC e intoxicação aguda por agrotóxicos.