Chegou a hora! Depois de anos de negociação, delegações de 192 países se encontrarão a partir desta segunda (30/11) na Conferência do Clima de Paris, a COP 21, para finalizar um novo acordo internacional sobre clima, tão esperado desde o fracasso diplomático na malfadada COP 15, em Copenhague, em 2009.
Mais de 40 mil pessoas circularão pelo complexo montado no aeroporto de Le Bourget, localizado nos arredores de Paris. No primeiro dia de Conferência, espera-se a presença de quase 150 chefes de Estado e de governo para o segmento de alto nível da COP 21.
Durante duas semanas, Paris será a capital global da luta contra as mudanças climáticas, reunindo não apenas os eventos oficiais da Conferência da ONU, mas também eventos paralelos de organizações da sociedade civil, de empresas e de universidades. Tudo isso em um dos momentos mais delicados da história milenar de Paris, semanas depois do pior ataque terrorista moderno em solo francês, que matou 130 pessoas.
A PÁGINA22 estará presente na COP 21, fazendo uma cobertura especial das negociações e dos principais temas de discussão dentro e fora das salas do Le Bourget. Para se preparar, confira abaixo um panorama geral da COP 21.
Raio-X da COP 21
A principal tarefa dos negociadores reunidos no Le Bourget é a conclusão de um novo acordo climático que sucederá o Protocolo de Kyoto a partir de 2020.
Diferentemente do protocolo, este acordo deverá trazer compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) para todos os países, não se limitando mais aos chamados países do Anexo I da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) – os países industrializados, com responsabilidade histórica pela alta concentração de GEE na atmosfera desde a Revolução Industrial.
Espera-se que o novo acordo também defina um mecanismo de revisão periódica desses compromissos, de forma a aumentar o grau de ambição dos países no decorrer do tempo. Ao mesmo tempo, existe a expectativa de que o novo acordo sinalize mais claramente um caminho para viabilizar o compromisso financeiro feito pelos países ricos na COP 15 para apoiar esforços de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas nos países pobres. Pela promessa feita em Copenhague, as nações mais abastadas estabeleceriam metas escalonadas de destinação de recursos ao Fundo Climático Verde, até chegar em 2020 com US$ 100 bilhões anuais.
Além do financiamento de ações em clima, os países em desenvolvimento também esperam que o novo acordo aperfeiçoe o mecanismo de compensação por perdas e danos causados pelos efeitos das mudanças climáticas, definido durante a Conferência de Varsóvia (COP 19) em 2013.
O ponto de partida para as conversas sobre o novo acordo em Paris é uma proposta de texto com mais de 55 páginas e recheado com 1.200 colchetes, definido pelos negociadores depois de intensas discussões realizadas no decorrer deste ano.
Junto com a proposta de texto, os negociadores também terão na mesa as contribuições pretendidas de quase 180 países para o novo acordo. Essas propostas – denominadas “contribuições nacionalmente definidas pretendidas”, ou INDC (sigla em inglês) – servirão como base para a definição dos compromissos de cada país no futuro acordo.
A despeito do engajamento dos países nas INDCs, o nível de ambição dessas contribuições ainda não faz frente àquilo necessário para conter o aquecimento global em 2 graus Celsius neste século – o limite defendido pelo Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês) para evitar os efeitos mais negativos do aquecimento global sobre o clima.
De acordo com relatório recente do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), as INDCs são capazes de retirar da atmosfera entre 4 e 6 bilhões de toneladas de CO2 equivalentes (tCO2e) até 2030, em comparação com as políticas atuais. Esse limite significa que, em 15 anos, as emissões globais terão subido, no melhor cenário, apenas 2,7% com relação aos números de 2014. Para que a meta dos 2 graus seja possível, o mundo precisaria cortar mais 12 bilhões de tCO2e até 2030. Para o Pnuma, caso os governos não consigam cortar esse montante extra de emissões, o mundo caminhará para um aquecimento de 3 graus até o final do século.
Um ponto crucial de divergência que continua atrapalhando as negociações é a natureza jurídica do novo acordo – ou seja, se os compromissos do novo acordo serão realmente obrigatórios ou apenas voluntários. Em entrevista recente, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, afirmou que o acordo internacional que emergirá da COP 21 “definitivamente não será um tratado” e que os compromissos não serão legalmente vinculantes, como no Protocolo de Quioto.
Com sérios problemas políticos no Congresso, a administração Obama vem pressionando por uma solução “híbrida” na definição da natureza jurídica do acordo, de forma a facilitar a sua aprovação no Legislativo norte-americano. Por essa solução, os países signatários não possuiriam metas obrigatórias de redução, mas sim objetivos monitoráveis por outras partes.
Essa fala gerou incômodo entre os países em desenvolvimento e o bloco europeu,que defendem que as provisões e compromissos desse acordo sejam obrigatórios a todos os seus signatários. Para eles, essa saída híbrida significaria a flexibilização dos compromissos de Paris, o que inviabilizaria um acordo ambicioso e efetivo.
Um novo ingrediente: o terror
Em meio a tudo isso, a COP 21 também precisará conviver com um problema inédito nas negociações climáticas: o terrorismo. Depois dos ataques terroristas que assassinaram 130 pessoas na capital francesa, no último dia 13, o governo da França aumentou o esquema de segurança em todo o país, com vistas a garantir a realização da Conferência do Clima.
Com estado de emergência declarado há quase duas semanas, diversas manifestações públicas previstas para acontecer antes, durante e depois da COP 21 foram sumariamente canceladas pelas autoridades francesas. Entre os eventos cancelados, está a Marcha Climática Global, que aconteceria neste domingo (29/11) nas ruas de Paris, e uma segunda marcha, que aconteceria no dia 12, logo após o encerramento previsto da COP 21.
Além das restrições, o governo francês também deteve mais de 20 ativistas ambientais sob prisão domiciliar desde o dia 14 passado. Segundo Bernard Cazeneuve, ministro do Interior da França, esses ativistas, que possuiriam histórico de violência civil, estavam desafiando o estado de emergência e planejando manifestações agressivas durante a COP 21.
O esvaziamento das manifestações de rua em Paris acabou servindo para impulsionar e ampliar a agenda de eventos que acontecerá em outras partes do mundo antes da abertura da COP 21. Neste domingo, a Avenida Paulista será um dos principais palcos globais (junto com Londres e Berlim) da Mobilização Climática Global, que espera reunir mais de 20 mil pessoas apenas na cidade de São Paulo. No Brasil, cidades como Belo Horizonte, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre e Rio de Janeiro também terão manifestações de rua em prol de um acordo climático forte e efetivo.
O Brasil na COP 21: da INDC brasileira à alta no desmatamento na Amazônia
A presidente Dilma Rousseff é presença confirmada na abertura da COP 21. Junto com outros 150 chefes de Estado e de governo, a presidente brasileira deverá discursar durante o segmento de alto nível, um momento importante das COPs que foi antecipado para o início da Conferência de Paris com o objetivo de facilitar os entendimentos políticos em torno do novo acordo climático.
Na mesa de negociação, o Brasil terá a sua INDC, apresentada no final de setembro passado, durante um encontro de chefes de Estado sobre desenvolvimento sustentável. A INDC brasileira estabelece que as metas para redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) do país são de 37% até 2025 e de 43% até 2030 (ano-base 2005). Além disso, o documento também delineia objetivos para aumento da representatividade de fontes renováveis na matriz energética nacional (45%, incluindo hidrelétrica, até 2030), combate ao desmatamento ilegal (zerá-lo em até 15 anos) e restauração de florestas degradadas (12 milhões de hectares até 2030).
Acompanhando a sua INDC, a delegação brasileira também espera viabilizar a adoção da sua proposta de “diferenciação concêntrica” no acordo final.
Tradicionalmente, os países em desenvolvimento defendem que os compromissos de redução no novo acordo precisam ser delineados a partir do princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, o que significa que os países com responsabilidade histórica sobre o aquecimento global deverão ter metas e obrigações mais robustas. Em contraposição, os países ricos defendem que as nações em processo de desenvolvimento mais dinâmico, como os emergentes Brasil, China e Índia, assumam obrigações relativamente maiores do que a dos países em desenvolvimento em geral.
Apresentada na COP 20, realizada em Lima no ano passado, a proposta da “diferenciação concêntrica” estabelece que, de acordo com sua condição atual, cada país teria uma categorização que lhe implicaria em determinado tipo de compromisso de redução de emissões. No entanto, na medida em que as condições desse país se modificam (ou seja, em que ele se desenvolve economicamente), ele passaria para categorias mais centrais, assumindo mais compromissos. Neste esquema, o movimento dos países seria sempre voltado para o centro – ou seja, para mais compromissos, e não menos.
Outro ponto importante para a delegação brasileira em Paris será a questão do financiamento climático. Um dos pontos de divergência no texto base do novo acordo é a identificação de quem poderia contribuir para o financiamento de atividades de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento. Os países ricos, Estados Unidos à frente, defendem que países emergentes, com condições atuais de ajudar no financiamento, também possam fazer contribuições nesse sentido. Para o Brasil, junto com os países do G77 (bloco que reúne a maior parte dos países em desenvolvimento), essa proposta dilui as responsabilidades das nações mais abastadas no financiamento climático, além de reduzir o escopo de nações elegíveis a receber os recursos do Fundo Climático Verde.
Porém, o Brasil não poderá contar com uma boa notícia que tradicionalmente ajuda a melhorar a imagem do país durante as Conferências do Clima: o combate ao desmatamento na Amazônia. De acordo com dados do sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a taxa de desmatamento no bioma amazônico cresceu 16% entre agosto de 2014 e julho de 2015, puxada por altas expressivas nos Estados do Amazonas (54%), Rondônia (41%) e Mato Grosso (40%). Os dados confirmam a tendência de alta que já tinha sido indicada por outros dois sistemas de monitoramento do desmate na Amazônia, o Deter (também do Inpe) e o SAD (da ONG Imazon).
Ao mesmo tempo em que o combate ao desmatamento perde sua efetividade – e, com isso, seu potencial de redução de emissões associadas às atividades de desmate – o Brasil também convive com problemas no setor de energia. De acordo com o Sistema de Estimativa de Emissões de GEE do Observatório do Clima (SEEG/OC), o setor de energia representa hoje 30,7% das emissões nacionais de GEE, muito próximo ao setor de mudança de uso da terra (31,2%). O aumento das emissões na geração elétrica chegou a 26% apenas em 2014, quase três vezes mais que em 2011.