Expansão do uso de cacos na indústria de garrafas e potes no Brasil depende da redução dos custos logísticos e da carga tributária sobre reciclados
A relação dos humanos com o vidro começou aproximadamente 1,5 milhão de anos atrás, ainda na Idade da Pedra. Mas tratava-se de um vidro formado naturalmente, a pedra obsidiana (espécie de vidro vulcânico), formada com o resfriamento do magma expelido pelos vulcões e empregada na montagem de colares, lâminas cortantes e pontas de lança. A fabricação propriamente dita de vidro teria iniciado somente por volta do ano 2000 a.C. na Fenícia, onde hoje se situam Líbano e partes de Síria e Israel. Desde então, o processo básico para produzir vidro é praticamente o mesmo: sílica (presente na areia), cal e soda são aquecidos a temperaturas de até 1.800 graus até passarem para o estado líquido; em seguida, o líquido é resfriado abruptamente para até 100 graus, voltando ao estado sólido, agora como vidro.
Apesar de deter vantagens ambientais indiscutíveis na comparação com outros materiais utilizados na produção de embalagens, podendo ser reutilizado por cerca de 30 vezes sem perder sua qualidade ou reciclado infinitamente, o vidro perdeu boa parte de seu mercado de embalagens para o plástico, o alumínio e o aço, sobretudo nas três últimas décadas. O material foi vítima da busca de conforto, segurança e praticidade pelos consumidores. Afinal, o vidro pesa mais, ocupa mais espaço na cozinha e é muito perigoso quando quebra.
Um dos aspectos ambientais vantajosos do vidro é o menor consumo de energia. Para produzir 1 tonelada de vidro com 40% de cacos (desempenho do setor no Brasil), gastam-se 965 kwh, segundo Stefan David, consultor em sustentabilidade e meio ambiente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro). Trata-se de consumo ao menos 35% inferior à energia para fabricar 1 tonelada de alumínio com 90% de metal reciclado (como de fato ocorre no País).
Na Europa, o uso do vidro virgem e reciclado nas embalagens cresceu significativamente nos últimos 10 a 20 anos. Levantamento da federação europeia das embalagens de vidro (Feve, na sigla em inglês) mostra que em torno de 25 bilhões de garrafas e potes foram coletados para serem reciclados na União Europeia (UE) em 2012, atingindo 71% do total de embalagens de vidro descartadas, a maior taxa da história no Velho Continente. O mesmo estudo indica que o consumo de produtos embalados em garrafas e potes na UE cresceu 39% entre 1990 e 2012, enquanto a taxa de reciclagem de vidro aumentou 131% no mesmo período.
Não há no setor no Brasil estatísticas tão apuradas como as da Europa, até porque um quinto das garrafas flui pelos canais informais, boa parte alimentando o mercado de bebidas falsificadas, estima David, da Abividro. Segundo ele, o dado mais seguro é o da Abividro sobre a taxa média de utilização de cacos de vidro nas fábricas de garrafas e
potes de vidro no País. Há oito anos, o percentual permanece estagnado em 40% do volume total de vidro produzido. “Esperamos aumentar essa fatia para 60% nos dez anos iniciais de vigência do acordo setorial da logística reversa das embalagens”, prevê.
Para isso, a indústria entende que dois problemas precisam ser solucionados. Por um lado, é necessário encontrar uma saída para cobrir os custos da logística reversa do vidro no caso de distâncias superiores a 170 quilômetros das fábricas.
Como a maioria das plantas vidreiras situa-se no Leste do País, mais próximas da costa, o transporte de vidro reciclável das regiões de consumo para as fábricas é muito custoso. Essa distância dificulta a inclusão do vidro no sistema nacional de logística reversa das embalagens.
O tema dos custos do transporte levou a Abividro a formular uma proposta de acordo setorial bastante distinta daquela da chamada Coalizão, que reúne o Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) e dezenas de empresas e associações de classe. A proposição da Abividro contempla a criação de uma entidade gestora, que se incumbiria de dividir os custos da logística reversa proporcionalmente à participação no mercado de cada elo da cadeia de produção de garrafas e potes de vidro – consumidores, varejo, envasadores e indústria.
De outro lado, e nisso há consenso entre os diferentes atores do setor de embalagens, a indústria vidreira defende o fim do que considera como “bitributação”, por onerar o produto após ser fabricado a partir da matéria-prima virgem e quando ele retorna ao mercado como produto reciclado. De acordo com estudo preliminar elaborado pela LCA Consultores, sob encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a desoneração tributária da logística reversa poderia poupar gastos fiscais de R$ 3 bilhões (projeção para 2013) a R$ 4,9 bilhões (2020). No setor de embalagens, a renúncia fiscal alcançaria entre R$ 1,2 bilhão (2013) e R$ 2,5 bilhões (2020). O consultor da Abividro estima que o benefício fiscal atingiria ao redor de R$ 65 milhões ao ano.
Na lacuna do acordo setorial, os dois principais fabricantes de embalagens de vidro no Brasil – a americana Owens Illinois e a Verallia, divisão de embalagens do grupo francês Saint-Gobain – criaram sistemas voluntários de logística reversa com apoio de parceiros. O programa de logística reversa da líder Owens, “Glass is Good”, é realizado no País desde 2010 de maneira colaborativa com cooperativas, casas noturnas, restaurantes e bares. Em torno de 8 milhões de garrafas de bebida foram recicladas, ou 4 mil toneladas de vidro. As garrafas são coletadas em 85 estabelecimentos –localizados nas cidades de São Paulo e Recife e até o fim de 2013 também em Fortaleza – definidos pela indústria de bebidas premium Diageo, cliente da Owens e patrocinadora do programa. A companhia é a maior compradora de cacos de vidro do mundo, respondendo por 36% desse mercado. No Brasil, a Owens adquiriu no ano passado 207 mil toneladas de vidro reciclável, ou 37% do volume total de cacos reaproveitados pela indústria no País. Mas não informa a taxa de utilização de cacos nas suas linhas de produção.
A subsidiária brasileira da Verallia também não revela o quanto usa de cacos nas suas fábricas. Informa, porém, que mais de 70% do volume de cacos vêm de uma rede com mais de 65 fornecedores externos (cooperativas, beneficiadores, fabricantes de embalagens e envasadores) para atender às suas três fábricas no Brasil – situadas em Porto Ferreira (SP), São Paulo, capital, e Campo Bom (RS).
Em parceria com a Abividro e a GMS Entulhos, a Verallia iniciou em 2012 um projeto voltado para bares e restaurantes da Vila Madalena que participam do “Menu Sustentável”, evento promovido em junho na cidade de São Paulo durante a Virada Sustentável. A GMS recolhe nos estabelecimentos garrafas vazias que são entregues à unidade da Verallia situada na capital paulista.
[:en]Expansão do uso de cacos na indústria de garrafas e potes no Brasil depende da redução dos custos logísticos e da carga tributária sobre reciclados
A relação dos humanos com o vidro começou aproximadamente 1,5 milhão de anos atrás, ainda na Idade da Pedra. Mas tratava-se de um vidro formado naturalmente, a pedra obsidiana (espécie de vidro vulcânico), formada com o resfriamento do magma expelido pelos vulcões e empregada na montagem de colares, lâminas cortantes e pontas de lança. A fabricação propriamente dita de vidro teria iniciado somente por volta do ano 2000 a.C. na Fenícia, onde hoje se situam Líbano e partes de Síria e Israel. Desde então, o processo básico para produzir vidro é praticamente o mesmo: sílica (presente na areia), cal e soda são aquecidos a temperaturas de até 1.800 graus até passarem para o estado líquido; em seguida, o líquido é resfriado abruptamente para até 100 graus, voltando ao estado sólido, agora como vidro.
Apesar de deter vantagens ambientais indiscutíveis na comparação com outros materiais utilizados na produção de embalagens, podendo ser reutilizado por cerca de 30 vezes sem perder sua qualidade ou reciclado infinitamente, o vidro perdeu boa parte de seu mercado de embalagens para o plástico, o alumínio e o aço, sobretudo nas três últimas décadas. O material foi vítima da busca de conforto, segurança e praticidade pelos consumidores. Afinal, o vidro pesa mais, ocupa mais espaço na cozinha e é muito perigoso quando quebra.
Um dos aspectos ambientais vantajosos do vidro é o menor consumo de energia. Para produzir 1 tonelada de vidro com 40% de cacos (desempenho do setor no Brasil), gastam-se 965 kwh, segundo Stefan David, consultor em sustentabilidade e meio ambiente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro). Trata-se de consumo ao menos 35% inferior à energia para fabricar 1 tonelada de alumínio com 90% de metal reciclado (como de fato ocorre no País).
Na Europa, o uso do vidro virgem e reciclado nas embalagens cresceu significativamente nos últimos 10 a 20 anos. Levantamento da federação europeia das embalagens de vidro (Feve, na sigla em inglês) mostra que em torno de 25 bilhões de garrafas e potes foram coletados para serem reciclados na União Europeia (UE) em 2012, atingindo 71% do total de embalagens de vidro descartadas, a maior taxa da história no Velho Continente. O mesmo estudo indica que o consumo de produtos embalados em garrafas e potes na UE cresceu 39% entre 1990 e 2012, enquanto a taxa de reciclagem de vidro aumentou 131% no mesmo período.
Não há no setor no Brasil estatísticas tão apuradas como as da Europa, até porque um quinto das garrafas flui pelos canais informais, boa parte alimentando o mercado de bebidas falsificadas, estima David, da Abividro. Segundo ele, o dado mais seguro é o da Abividro sobre a taxa média de utilização de cacos de vidro nas fábricas de garrafas e
potes de vidro no País. Há oito anos, o percentual permanece estagnado em 40% do volume total de vidro produzido. “Esperamos aumentar essa fatia para 60% nos dez anos iniciais de vigência do acordo setorial da logística reversa das embalagens”, prevê.
Para isso, a indústria entende que dois problemas precisam ser solucionados. Por um lado, é necessário encontrar uma saída para cobrir os custos da logística reversa do vidro no caso de distâncias superiores a 170 quilômetros das fábricas.
Como a maioria das plantas vidreiras situa-se no Leste do País, mais próximas da costa, o transporte de vidro reciclável das regiões de consumo para as fábricas é muito custoso. Essa distância dificulta a inclusão do vidro no sistema nacional de logística reversa das embalagens.
O tema dos custos do transporte levou a Abividro a formular uma proposta de acordo setorial bastante distinta daquela da chamada Coalizão, que reúne o Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) e dezenas de empresas e associações de classe. A proposição da Abividro contempla a criação de uma entidade gestora, que se incumbiria de dividir os custos da logística reversa proporcionalmente à participação no mercado de cada elo da cadeia de produção de garrafas e potes de vidro – consumidores, varejo, envasadores e indústria.
De outro lado, e nisso há consenso entre os diferentes atores do setor de embalagens, a indústria vidreira defende o fim do que considera como “bitributação”, por onerar o produto após ser fabricado a partir da matéria-prima virgem e quando ele retorna ao mercado como produto reciclado. De acordo com estudo preliminar elaborado pela LCA Consultores, sob encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a desoneração tributária da logística reversa poderia poupar gastos fiscais de R$ 3 bilhões (projeção para 2013) a R$ 4,9 bilhões (2020). No setor de embalagens, a renúncia fiscal alcançaria entre R$ 1,2 bilhão (2013) e R$ 2,5 bilhões (2020). O consultor da Abividro estima que o benefício fiscal atingiria ao redor de R$ 65 milhões ao ano.
Na lacuna do acordo setorial, os dois principais fabricantes de embalagens de vidro no Brasil – a americana Owens Illinois e a Verallia, divisão de embalagens do grupo francês Saint-Gobain – criaram sistemas voluntários de logística reversa com apoio de parceiros. O programa de logística reversa da líder Owens, “Glass is Good”, é realizado no País desde 2010 de maneira colaborativa com cooperativas, casas noturnas, restaurantes e bares. Em torno de 8 milhões de garrafas de bebida foram recicladas, ou 4 mil toneladas de vidro. As garrafas são coletadas em 85 estabelecimentos –localizados nas cidades de São Paulo e Recife e até o fim de 2013 também em Fortaleza – definidos pela indústria de bebidas premium Diageo, cliente da Owens e patrocinadora do programa. A companhia é a maior compradora de cacos de vidro do mundo, respondendo por 36% desse mercado. No Brasil, a Owens adquiriu no ano passado 207 mil toneladas de vidro reciclável, ou 37% do volume total de cacos reaproveitados pela indústria no País. Mas não informa a taxa de utilização de cacos nas suas linhas de produção.
A subsidiária brasileira da Verallia também não revela o quanto usa de cacos nas suas fábricas. Informa, porém, que mais de 70% do volume de cacos vêm de uma rede com mais de 65 fornecedores externos (cooperativas, beneficiadores, fabricantes de embalagens e envasadores) para atender às suas três fábricas no Brasil – situadas em Porto Ferreira (SP), São Paulo, capital, e Campo Bom (RS).
Em parceria com a Abividro e a GMS Entulhos, a Verallia iniciou em 2012 um projeto voltado para bares e restaurantes da Vila Madalena que participam do “Menu Sustentável”, evento promovido em junho na cidade de São Paulo durante a Virada Sustentável. A GMS recolhe nos estabelecimentos garrafas vazias que são entregues à unidade da Verallia situada na capital paulista.