Talvez o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos não sejam as 21 mil toneladas de dioxina e outros resíduos industriais enterrados em Love Canal, perto das Cataratas do Niágara, entre os anos 50 e 70. Nem o acidente com a plataforma Deepwater Horizon em 2010, que espalhou petróleo nas águas do Golfo do México. A história do Dust Bowl – a miséria causada pelas tempestades de poeira geradas pela remoção do capim e dos búfalos que seguravam o solo do miolo dos Estados Unidos – é a grande tragédia ambiental esquecida do país. O brilhante documentário “Dust Bowl”, produzido por Ken Burns, que estreou esta semana na TV educativa nacional, a PBS, resgata o episódio.
Nos anos 30, meio milhão de pessoas que viviam nas Grandes Planícies, espremidas entre o rio Mississippi e as Montanhas Rochosas, perderam suas casas e sustento e 2,5 milhões tiveram de emigrar, pela absoluta impossibilidade de sobreviver em meio às nuvens negras de poeira. “As Vinhas da Ira”, o premiado livro de John Steinbeck, descreve esse momento.
Até 100 anos atrás, a região era recoberta por um capim nativo que segurava o solo, alimentava manadas de búfalos e prairie dogs, um pequeno roedor. As Grandes Planícies cobrem uma dezena de estados centrais e formam um mosaico climático em que algumas porções enfrentam secas prolongadas. Apesar disso, nas primeiras décadas do século XX, uma intensa campanha publicitária vendeu a região como celeiro agrícola. A isso se somou uma prolongada elevação do preço do trigo, devido à Primeira Guerra Mundial. Com tais estímulos, produtores locais e novos imigrantes substituíram quase toda a cobertura vegetal nativa por extensas monoculturas.
Durante anos, a produtividade foi alta e a população das Grandes Planícies prosperou. Mas, no começo dos anos 30 a região entrou numa década de secas. A falta de umidade e a terra descoberta abriram caminho para a formação de nuvens de poeira tão densa que começou a matar crianças e idosos, a soterrar casas e a inviabilizar qualquer produção. O Dust Bowl afetou uma área de 400 mil quilômetros quadrados, sobretudo os estados de Texas, Kansas e Oklahoma. Milhares tiveram que emigrar para outras regiões, deixando tudo o que tinham para trás. O consenso da época era que a região se converteria no equivalente americano do deserto do Saara.
Em 1937, o presidente Franklyn Delano Roosevelt decide lançar uma ofensiva para tentar conter o problema. O governo passou a adquirir terras e a criar áreas de conservação, replantando a pastagem nativa. Cerca de 1,6 milhão de hectares foram recuperados dessa forma. O governo também combateu aqueles que deixavam a terra a descoberto e o uso de tratores modernos, que reviravam demasiado o solo e dificultavam a penetração da água. Impôs, enfim, várias práticas de conservação, como rotações de culturas. Os produtores, que relutavam em admitir seu papel na degradação ambiental, acabaram se unindo para promover um uso mais racional das suas propriedades.
O esforço deu resultado. Em 1939 o governo anunciou que a área altamente erodida, que chegara a 80% das Grandes Planícies, tinha sido reduzida a um quinto do tamanho original. As tempestades de poeira começaram a diminuir, a longa seca terminou e a produtividade voltou – ao menos por um tempo. Nos anos 50, um novo período de secas, que durou dois anos, promoveu uma nova edição do Dust Bowl, menos intensa desta vez, graças às práticas de conservação introduzidas. E, hoje, em meio a uma nova fase de secas históricas, a região volta a padecer.
Historiadores ouvidos no documentário dizem que a dureza do Dust Bowl dos anos 30 estará sempre à espreita e poderá se repetir na região. Um dos fatores que complica o cenário é que a irrigação tornou-se um elemento importante para a agricultura nas Grandes Planícies, com extração de grandes volumes do aquífero local, que deverá durar apenas mais 20 anos. Ainda não está claro qual será o futuro de um dos principais celeiros de grãos dos EUA.