Tudo indica que a China será o país indutor de uma transição mundial para uma economia de baixo carbono. O enigma é saber quando
Detentora do pouco abonador título de maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, respondendo por cerca de 24,65% das emissões globais, a China tem potencial para dobrar sua presença em energias renováveis até 2030, segundo um estudo realizado pela Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês). De acordo com o estudo, batizado de REmap 2030, o país poderá saltar dos atuais 12% para 26% de participação de renováveis em 2030.
Caso venha a adotar políticas mais arrojadas de incentivo às energias limpas e sobretaxar o carvão, o principal combustível de sua economia, poderá chegar a 40% de renováveis em sua matriz energética até 2040. As projeções indicam que o país tem condições de cumprir, com folga, a meta própria estabelecida em seu último plano quinquenal: suprir suas necessidades energéticas com 15% de fontes renováveis até 2020.
Lançado no fim de novembro, o REmap é o mais abrangente estudo realizado sobre o potencial global das energias renováveis e envolveu o trabalho de mais de 90 especialistas no tema em 60 países. Sugere caminhos para que os países possam dobrar sua capacidade instalada em renováveis até 2030 e demonstra que a China é um elemento-chave na transição global para uma economia de baixo carbono. “A China já é líder em investimentos em energias renováveis, com imenso potencial para ostentar uma gama variada de fontes e tecnologias limpas”, afirma Adnam Amin, diretor-geral da Irena, na apresentação do estudo. “Com as políticas e o padrão de investimentos que vemos hoje, a participação das renováveis na matriz energética chinesa está projetada para alcançar 17% em 2030, comparada a 13% em 2010. Mas nós mostramos que é possível alcançar 26%, de forma realista”, afirma Amin.
Para que o país alcance esses resultados, porém, será preciso realizar – ou atrair – investimentos pesados. Segundo os cálculos do REmap, serão necessários US$145 bilhões/ano entre 2014 e 2030 para viabilizar esse crescimento nas energias renováveis. Na ponta do lápis, trata-se de um aumento de US$ 54 bilhões/ano em relação aos investimentos atuais. Por outro lado, essa injeção de recursos traria uma contrapartida legítima. A redução nas emissões de carbono levaria à diminuição dos custos com saúde e despoluição ambiental e permitiria uma economia anual entre US$ 55 bilhões e US$ 228 bilhões/ ano para os cofres públicos.
De acordo com o Centro Nacional de Energia Renovável da China (Cnrec), parceiro local no estudo, do total de 13% de energias renováveis hoje presentes na matriz chinesa, 6% correspondem à biomassa tradicional – na prática, lenha –, ainda muito utilizada para produzir energia e calor na China rural. O restante, 7%, são as chamadas renováveis modernas, o que inclui energia eólica, solar fotovoltaica, geotérmica e hidrelétrica.
Essas vêm crescendo a passos largos: em 2013, a China instalou mais megawatts dessas fontes do que os países europeus e as demais nações asiáticas, em um total de 380 gigawatts (GW) de eletricidade, triplicando sua capacidade instalada em relação a 2005. O setor de renováveis já emprega 2,6 milhões de trabalhadores, e a geração hidrelétrica tem recebido o maior montante de investimentos em todo o mundo. A China fechou 2013 com usinas capazes de produzir até 280 GW e até 2030, segundo as projeções do REmap, pode chegar a 400 GW com essa fonte. Sozinha, a colossal Usina de Três Gargantas, no Rio Yang-Tsé, contribui com 22 GW de energia. Ainda segundo o estudo, o país pode quintuplicar sua capacidade instalada em energia eólica até 2030, saltando dos atuais 91 GW para 500 GW, o que significaria mais que o dobro da capacidade mundial de produção de energia dos ventos. A expansão da energia solar fotovoltaica – hoje o país é o maior produtor mundial de painéis solares – também não fica a dever: só em 2013 instalou 13 GW de energia solar, chegando a 20 GW no total. Para 2030, a meta do governo é atingir 70 GW, mas as projeções do REmap apontam que há potencial para 308 GW. Mas para isso seriam necessárias medidas adicionais, de cunho econômico, que tornassem tanto a energia solar quanto a eólica mais competitivas em relação aos combustíveis fósseis.
CAMINHO SEM VOLTA
Um dos caminhos, sugere o estudo, seria impor uma taxação de US$ 20 até US$ 50 por tonelada de carbono emitido na produção de energia a carvão, o motor do crescimento chinês. O imposto serviria para cobrir as externalidades associadas à produção de energia suja, como os altos custos com saúde pública decorrentes da poluição do ar, responsável por 1,2 milhão de mortes prematuras, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Para viabilizar ainda mais os custos da energia limpa, será preciso combater o lobby pesado da indústria do carvão. Mas o governo chinês já sinaliza que o aumento da participação das energias renováveis é um caminho sem volta”, diz Eduardo Felipe Matias, doutor em direito internacional e sócio responsável pela área de sustentabilidade do escritório Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados. “O carvão, além de ser um recurso finito, cobra um preço muito alto para a população chinesa, pois torna a vida inviável em várias cidades”, completa.
A transição para uma economia menos intensiva em carbono já está produzindo reflexos reais – entre 2006 e 2010, a intensidade energética da economia chinesa foi reduzida em 19%, mas deve ser acelerada com o acordo bilateral firmado com os Estados Unidos em novembro do ano passado. Tido como histórico por reunir as duas potências mais poluidoras do mundo (juntos, os dois países respondem por 45% das emissões globais), o acordo assinado durante visita oficial do presidente americano Barack Obama a Pequim prevê metas de redução das emissões para ambos os lados.
Os EUA se comprometeram a reduzir a produção de gases-estufa entre 26% a 28% até 2025, em relação aos níveis registrados em 2005. Anteriormente, o país já havia assumido a promessa de reduzir as emissões em 17% até 2020, também em comparação aos níveis de 2005, o que sinaliza que o plano americano tende a caminhar no sentido de adotar metas mais robustas a cada cinco anos. Já o presidente chinês, Xi Jinping, lançou o compromisso de começar a reduzir as emissões por volta de 2030, quando o país deve atingir o pico de suas emissões. Até lá, a meta proposta pelos chineses é garantir que 20% de sua energia venha de fontes limpas.
O acordo bilateral reacendeu as esperanças em um acordo global de peso para frear o aquecimento global no âmbito da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança Climática, que fará sua 21ª conferência (COP 21) em Paris, entre 30 de novembro e 11 de dezembro deste ano. A expectativa é de que do encontro saia um acordo global que substitua o caduco Protocolo de Kyoto, que não teve a adesão dos EUA nem impôs metas compulsórias de redução das emissões para os países emergentes, como China, Índia e Brasil, resultando num fracasso internacional, pois as emissões globais de carbono aumentaram em relação a 1990. Agora, espera-se que na COP 21 se estabeleça um acordo entre os países para entrar em vigor a partir de 2020 que seja capaz de limitar o aumento da temperatura global a 2 graus e reduzir as emissões entre 40% e 70% até 2050.
“O acordo entre China e EUA pode contribuir para aproximar a posição dos dois países na COP 21, que nas últimas conferências têm caminhado em direções opostas. Mas é provável que nenhum dos dois aceite que o acordo traga metas compulsórias, pois isso poria em risco a economia americana, atualmente em fase de recuperação. E a China ainda não está disposta a abrir mão do carvão, motor de seu crescimento”, afirma Sérgio Abranches, cientista político e autor do livro Copenhague: Antes e Depois. No entanto, por ser um regime autocrático, a China tem feito outros esforços no sentido de reduzir as emissões, como obrigar várias cidades a adotar medidas drásticas para reduzir a poluição urbana – entre elas, o fechamento compulsório de fábricas e restrições à circulação de veículos nos grandes centros. “Há condições de chegar a um acordo em Paris que seja referência para o que fazer após 2030, quando a China alcançar o pico de suas emissões. O país já tem a intenção de reduzir a poluição, e isso só precisaria ser traduzido em metas nominais para os próximos anos”, diz Abranches.
Para a maioria dos países, reduzir emissões significa não vivenciar a plenitude de suas economias. Por isso alcançar um acordo internacional que funcione tem sido tão difícil. Mas o cenário sombrio explicitado no quinto relatório-síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), cuja última parte foi apresentada em novembro, pode estar levando as potências a mudarem de opinião.
O documento afirma que limitar o aquecimento da Terra a 2 graus será difícil, mas não impossível, e sugere que, para frear a mudança climática que já está em curso, será preciso que as emissões parem de crescer nos próximos cinco anos e que sejam zeradas até 2100. No ritmo atual, o planeta caminha para um aumento da temperatura de até 4 graus, um dos piores cenários, que pode trazer prejuízos inefáveis à agricultura e eventos climáticos extremos. “Com o último relatório do IPCC, os dois países começam a entender os riscos a que estão sujeitos e as consequências extremas se a temperatura da Terra se elevar acima de 2 graus, como a escassez hídrica, o deslocamento de populações e a inviabilidade da agricultura em inúmeras regiões”, afirma Leonardo Dutra, diretor de consultoria em sustentabilidade da Ernst & Young (EY).
De acordo com o Índice de Atratividade dos Países em Energia Renovável (Recai, na sigla em inglês), ranking realizado todos os anos pela EY, em 2014 a China ultrapassou os EUA e é hoje o país do mundo mais atrativo para investimentos estrangeiros em energia renovável. O ranking chama esse movimento de “a ascensão do dragão” e reafirma os esforços do governo chinês de abrir o mercado para investimentos nesse campo, especialmente em segmentos onde almeja aumentar sua presença, como é o caso da geração de energia eólica offshore, geração maremotriz (a partir da força das marés) e solar distribuída. O desenvolvimento tecnológico em campos ainda pouco explorados por outros países, com perspectivas de liderança internacional — como já ocorre com os painéis solares —, é outra motivação para que a China reduza seu apetite voraz pelo carvão: todos os anos, consome 4 bilhões de toneladas do insumo. “Nesse cenário, não há dúvidas de que o carvão perderá parte de seu prestígio na China, abrindo espaço para que o país se desenvolva tecnologicamente em segmentos da energia renovável que ainda estão pouco explorados”, diz Dutra.
Poucos dias após a assinatura do acordo bilateral com os EUA, a China anunciou que pretende criar seu próprio mercado de créditos de carbono como mecanismo para estimular a redução das emissões de gases de efeito estufa. O plano é iniciar as transações já em 2016, para que em 2020 esse mercado já esteja funcionando a pleno vapor.
Algumas negociações piloto já estão em andamento. Em outubro do ano passado, sete regiões do país negociaram, nos moldes do mercado cap-and- -trade, um volume de créditos equivalente a 13,75 milhões de toneladas de carbono, que chegaram a render US$ 81 milhões. A solução capitalista, somada aos incentivos do governo para baratear a geração de energia limpa, pode ser o impulso que faltava para que a nação mais populosa do mundo se converta, finalmente, em um gigante verde.[:en]Tudo indica que a China será o país indutor de uma transição mundial para uma economia de baixo carbono. O enigma é saber quando
Detentora do pouco abonador título de maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, respondendo por cerca de 24,65% das emissões globais, a China tem potencial para dobrar sua presença em energias renováveis até 2030, segundo um estudo realizado pela Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês). De acordo com o estudo, batizado de REmap 2030, o país poderá saltar dos atuais 12% para 26% de participação de renováveis em 2030.
Caso venha a adotar políticas mais arrojadas de incentivo às energias limpas e sobretaxar o carvão, o principal combustível de sua economia, poderá chegar a 40% de renováveis em sua matriz energética até 2040. As projeções indicam que o país tem condições de cumprir, com folga, a meta própria estabelecida em seu último plano quinquenal: suprir suas necessidades energéticas com 15% de fontes renováveis até 2020.
Lançado no fim de novembro, o REmap é o mais abrangente estudo realizado sobre o potencial global das energias renováveis e envolveu o trabalho de mais de 90 especialistas no tema em 60 países. Sugere caminhos para que os países possam dobrar sua capacidade instalada em renováveis até 2030 e demonstra que a China é um elemento-chave na transição global para uma economia de baixo carbono. “A China já é líder em investimentos em energias renováveis, com imenso potencial para ostentar uma gama variada de fontes e tecnologias limpas”, afirma Adnam Amin, diretor-geral da Irena, na apresentação do estudo. “Com as políticas e o padrão de investimentos que vemos hoje, a participação das renováveis na matriz energética chinesa está projetada para alcançar 17% em 2030, comparada a 13% em 2010. Mas nós mostramos que é possível alcançar 26%, de forma realista”, afirma Amin.
Para que o país alcance esses resultados, porém, será preciso realizar – ou atrair – investimentos pesados. Segundo os cálculos do REmap, serão necessários US$145 bilhões/ano entre 2014 e 2030 para viabilizar esse crescimento nas energias renováveis. Na ponta do lápis, trata-se de um aumento de US$ 54 bilhões/ano em relação aos investimentos atuais. Por outro lado, essa injeção de recursos traria uma contrapartida legítima. A redução nas emissões de carbono levaria à diminuição dos custos com saúde e despoluição ambiental e permitiria uma economia anual entre US$ 55 bilhões e US$ 228 bilhões/ ano para os cofres públicos.
De acordo com o Centro Nacional de Energia Renovável da China (Cnrec), parceiro local no estudo, do total de 13% de energias renováveis hoje presentes na matriz chinesa, 6% correspondem à biomassa tradicional – na prática, lenha –, ainda muito utilizada para produzir energia e calor na China rural. O restante, 7%, são as chamadas renováveis modernas, o que inclui energia eólica, solar fotovoltaica, geotérmica e hidrelétrica.
Essas vêm crescendo a passos largos: em 2013, a China instalou mais megawatts dessas fontes do que os países europeus e as demais nações asiáticas, em um total de 380 gigawatts (GW) de eletricidade, triplicando sua capacidade instalada em relação a 2005. O setor de renováveis já emprega 2,6 milhões de trabalhadores, e a geração hidrelétrica tem recebido o maior montante de investimentos em todo o mundo. A China fechou 2013 com usinas capazes de produzir até 280 GW e até 2030, segundo as projeções do REmap, pode chegar a 400 GW com essa fonte. Sozinha, a colossal Usina de Três Gargantas, no Rio Yang-Tsé, contribui com 22 GW de energia. Ainda segundo o estudo, o país pode quintuplicar sua capacidade instalada em energia eólica até 2030, saltando dos atuais 91 GW para 500 GW, o que significaria mais que o dobro da capacidade mundial de produção de energia dos ventos. A expansão da energia solar fotovoltaica – hoje o país é o maior produtor mundial de painéis solares – também não fica a dever: só em 2013 instalou 13 GW de energia solar, chegando a 20 GW no total. Para 2030, a meta do governo é atingir 70 GW, mas as projeções do REmap apontam que há potencial para 308 GW. Mas para isso seriam necessárias medidas adicionais, de cunho econômico, que tornassem tanto a energia solar quanto a eólica mais competitivas em relação aos combustíveis fósseis.
CAMINHO SEM VOLTA
Um dos caminhos, sugere o estudo, seria impor uma taxação de US$ 20 até US$ 50 por tonelada de carbono emitido na produção de energia a carvão, o motor do crescimento chinês. O imposto serviria para cobrir as externalidades associadas à produção de energia suja, como os altos custos com saúde pública decorrentes da poluição do ar, responsável por 1,2 milhão de mortes prematuras, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Para viabilizar ainda mais os custos da energia limpa, será preciso combater o lobby pesado da indústria do carvão. Mas o governo chinês já sinaliza que o aumento da participação das energias renováveis é um caminho sem volta”, diz Eduardo Felipe Matias, doutor em direito internacional e sócio responsável pela área de sustentabilidade do escritório Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados. “O carvão, além de ser um recurso finito, cobra um preço muito alto para a população chinesa, pois torna a vida inviável em várias cidades”, completa.
A transição para uma economia menos intensiva em carbono já está produzindo reflexos reais – entre 2006 e 2010, a intensidade energética da economia chinesa foi reduzida em 19%, mas deve ser acelerada com o acordo bilateral firmado com os Estados Unidos em novembro do ano passado. Tido como histórico por reunir as duas potências mais poluidoras do mundo (juntos, os dois países respondem por 45% das emissões globais), o acordo assinado durante visita oficial do presidente americano Barack Obama a Pequim prevê metas de redução das emissões para ambos os lados.
Os EUA se comprometeram a reduzir a produção de gases-estufa entre 26% a 28% até 2025, em relação aos níveis registrados em 2005. Anteriormente, o país já havia assumido a promessa de reduzir as emissões em 17% até 2020, também em comparação aos níveis de 2005, o que sinaliza que o plano americano tende a caminhar no sentido de adotar metas mais robustas a cada cinco anos. Já o presidente chinês, Xi Jinping, lançou o compromisso de começar a reduzir as emissões por volta de 2030, quando o país deve atingir o pico de suas emissões. Até lá, a meta proposta pelos chineses é garantir que 20% de sua energia venha de fontes limpas.
O acordo bilateral reacendeu as esperanças em um acordo global de peso para frear o aquecimento global no âmbito da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança Climática, que fará sua 21ª conferência (COP 21) em Paris, entre 30 de novembro e 11 de dezembro deste ano. A expectativa é de que do encontro saia um acordo global que substitua o caduco Protocolo de Kyoto, que não teve a adesão dos EUA nem impôs metas compulsórias de redução das emissões para os países emergentes, como China, Índia e Brasil, resultando num fracasso internacional, pois as emissões globais de carbono aumentaram em relação a 1990. Agora, espera-se que na COP 21 se estabeleça um acordo entre os países para entrar em vigor a partir de 2020 que seja capaz de limitar o aumento da temperatura global a 2 graus e reduzir as emissões entre 40% e 70% até 2050.
“O acordo entre China e EUA pode contribuir para aproximar a posição dos dois países na COP 21, que nas últimas conferências têm caminhado em direções opostas. Mas é provável que nenhum dos dois aceite que o acordo traga metas compulsórias, pois isso poria em risco a economia americana, atualmente em fase de recuperação. E a China ainda não está disposta a abrir mão do carvão, motor de seu crescimento”, afirma Sérgio Abranches, cientista político e autor do livro Copenhague: Antes e Depois. No entanto, por ser um regime autocrático, a China tem feito outros esforços no sentido de reduzir as emissões, como obrigar várias cidades a adotar medidas drásticas para reduzir a poluição urbana – entre elas, o fechamento compulsório de fábricas e restrições à circulação de veículos nos grandes centros. “Há condições de chegar a um acordo em Paris que seja referência para o que fazer após 2030, quando a China alcançar o pico de suas emissões. O país já tem a intenção de reduzir a poluição, e isso só precisaria ser traduzido em metas nominais para os próximos anos”, diz Abranches.
Para a maioria dos países, reduzir emissões significa não vivenciar a plenitude de suas economias. Por isso alcançar um acordo internacional que funcione tem sido tão difícil. Mas o cenário sombrio explicitado no quinto relatório-síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), cuja última parte foi apresentada em novembro, pode estar levando as potências a mudarem de opinião.
O documento afirma que limitar o aquecimento da Terra a 2 graus será difícil, mas não impossível, e sugere que, para frear a mudança climática que já está em curso, será preciso que as emissões parem de crescer nos próximos cinco anos e que sejam zeradas até 2100. No ritmo atual, o planeta caminha para um aumento da temperatura de até 4 graus, um dos piores cenários, que pode trazer prejuízos inefáveis à agricultura e eventos climáticos extremos. “Com o último relatório do IPCC, os dois países começam a entender os riscos a que estão sujeitos e as consequências extremas se a temperatura da Terra se elevar acima de 2 graus, como a escassez hídrica, o deslocamento de populações e a inviabilidade da agricultura em inúmeras regiões”, afirma Leonardo Dutra, diretor de consultoria em sustentabilidade da Ernst & Young (EY).
De acordo com o Índice de Atratividade dos Países em Energia Renovável (Recai, na sigla em inglês), ranking realizado todos os anos pela EY, em 2014 a China ultrapassou os EUA e é hoje o país do mundo mais atrativo para investimentos estrangeiros em energia renovável. O ranking chama esse movimento de “a ascensão do dragão” e reafirma os esforços do governo chinês de abrir o mercado para investimentos nesse campo, especialmente em segmentos onde almeja aumentar sua presença, como é o caso da geração de energia eólica offshore, geração maremotriz (a partir da força das marés) e solar distribuída. O desenvolvimento tecnológico em campos ainda pouco explorados por outros países, com perspectivas de liderança internacional — como já ocorre com os painéis solares —, é outra motivação para que a China reduza seu apetite voraz pelo carvão: todos os anos, consome 4 bilhões de toneladas do insumo. “Nesse cenário, não há dúvidas de que o carvão perderá parte de seu prestígio na China, abrindo espaço para que o país se desenvolva tecnologicamente em segmentos da energia renovável que ainda estão pouco explorados”, diz Dutra.
Poucos dias após a assinatura do acordo bilateral com os EUA, a China anunciou que pretende criar seu próprio mercado de créditos de carbono como mecanismo para estimular a redução das emissões de gases de efeito estufa. O plano é iniciar as transações já em 2016, para que em 2020 esse mercado já esteja funcionando a pleno vapor.
Algumas negociações piloto já estão em andamento. Em outubro do ano passado, sete regiões do país negociaram, nos moldes do mercado cap-and- -trade, um volume de créditos equivalente a 13,75 milhões de toneladas de carbono, que chegaram a render US$ 81 milhões. A solução capitalista, somada aos incentivos do governo para baratear a geração de energia limpa, pode ser o impulso que faltava para que a nação mais populosa do mundo se converta, finalmente, em um gigante verde.