O governo brasileiro acaba de anunciar um fato especialmente auspicioso: foi possível reduzir, segundo dados ainda preliminares, o ritmo do desmatamento na Região Amazônica em cerca de 30% em 2006. O resultado, embora parcial e pontual, denota ser conseqüência de ações conjugadas dos governos federal e estaduais — em particular o de Mato Grosso — para aperfeiçoar os métodos de atuação preventiva e repressiva sobre o desmatamento ilegal e várias outras formas de degradação do meio ambiente no grande arco de expansão da fronteira agrícola. Esse é o fato a se comemorar.
Contudo, há uma segunda razão para o ritmo menor: a redução do interesse de plantar, motivada pela forte retração na rentabilidade do negócio agrícola, com ênfase na relação preço/custo das lavouras de soja. A projeção da produção física das lavouras de grãos para a próxima safra mostra um recuo signifi cativo, da ordem de 5 milhões de toneladas, em relação à safra recorde de 2003/04 — o que representa uma queda da renda dos produtores estimada em cerca de R$ 20 bilhões (quadro A receita das lavouras).
Não por acaso, foi justamente por volta de 2003/04, no ápice do interesse de plantar, que o nível de desmatamento e degradação ambiental atingiu seu ponto culminante. As queimadas em áreas de fronteira agrícola chegaram a formar densas cortinas de fumaça, a ponto de impedir o tráfego de aeronaves a baixa altitude e as manobras de pouso e decolagem nos aeroportos da região, como pude testemunhar pessoalmente, muitas vezes.
Há, portanto, uma oposição natural e irremediável entre a conservação ambiental e o avanço das atividades econômicas urbanas ou rurais, quaisquer que sejam, sobre o território físico. À medida que a “civilização
Avança” — o conceito é, por sinal, polêmico —, o ambiente natural sofre e as condições de solo e de clima são de algum modo prejudicadas. O estudo desse conflito de objetivos, diante de meios relativamente escassos, no qual o homem e seus mercados passam a atribuir preço para suas variadas produções, comodidades e/ou “utilidades”, é justamente o espaço de atuação de uma “economia da conservação”.
Explicitar o conflito existente, estimar a extensão econômica mensurável do embate entre interesses produtivistas e conservacionistas, estabelecer ou identifi car os preços de referência dos produtos em cada mercado e, especialmente, buscar medir os custos de transação e os efeitos secundários e terciários das ações humanas, tal é o vasto território da pesquisa ecoeconômica que denominamos de “economia da conservação”.
A ideologia – se é que o termo se aplica – dessa economia da conservação defende a reversão do atual
ritmo de degradação ambiental, que já apresenta claros sinais de alerta em nível planetário, mas sobretudo busca a enunciação de princípios econômicos, até relativamente simples, que possam trazer as atividades humanas, em fricção com o ambiente natural, para um ponto mais próximo a uma fronteira virtual de eficiência.
Essa fronteira virtual é defi nível, na teoria econômica, por um modelo de alocação de portfólio de ativos, tal como o usado no mercado de capitais, com as necessárias adaptações. Nessa abordagem, a “utilidade” de qualquer ação humana que interage com o ambiente traz consigo uma outra “utilidade”, desta vez negativa, ou seja, uma “desutilidade”, medida pelo grau de perdas ambientais. Vamos chamá-la, genericamente, de degradação ambiental.
Com isso, está formado o arcabouço para o início de uma aplicação inteligente de ferramentas da teoria econômica às decisões sobre o meio ambiente e o agronegócio, que servirá para orientar as discussões que a sociedade travará, entre seus vários grupos de interesse, com base em dados e pesquisas, por assim dizer, “amarrados” naquela estrutura de economia aplicativa.
As escolhas a serem feitas são fundamentais, pois é o poder de escolher entre alternativas que determina, em última instância, o espaço da liberdade humana sobre o tacão das regras impositivas que não deixam enxergar a vantagem das decisões tomadas em situações adequadamente estimuladas.
Um exemplo prático diz respeito à própria fronteira agrícola brasileira. O agricultor hoje “enxerga” o solo no qual desenvolve suas culturas, isto é, a área para plantio, importando menos — ou nada, em alguns casos — a cobertura verde que está em cima da área em questão, e que protege o solo e interage com a atmosfera.
Está, portanto, estabelecido o confl ito, que deve ser objeto de averiguação por parte dos especialistas e cuja solução cabe à própria sociedade, que interfere ao estabelecer um conjunto de “critérios” oriundos da vontade coletiva. É a conformação desta última que vai ajudar a eleger as alternativas socialmente mais desejáveis.
Em matéria ambiental, quando se fala em sociedade não se dá conta apenas da jurisdição política nacional. Não é só a opinião da sociedade brasileira – embora esta seja dominante em assuntos domésticos -, mas também a da sociedade planetária, que infl ui poderosamente no processo de “escolhas”. No exemplo da fronteira do agronegócio brasileiro, as comunidades internacionais infl uem desde o momento em que “valorizam” o produto alimento, o produto biocombustível, o produto tecido natural ou o produto madeira em seus respectivos mercados.
Todos torcemos, sem dúvida, pela rápida e progressiva inserção de milhões, aliás, bilhões, de pobres no mercado de consumo em seus países. Assim tem ocorrido, com sucesso, na China e na Índia, para citar apenas os dois mais populosos. A crescente afl uência econômica de imensas populações tem trazido — e trará mais ainda, em futuro próximo — uma pressão avassaladora, embora saudável em sua origem, sobre os recursos naturais que sustentarão as diversas produções agrícolas.
A fronteira agrícola do Brasil, agora desestimulada por uma política cambial adversa, ficou momentaneamente mais protegida por efeito da queda da rentabilidade das lavouras de grãos. Mas sabemos que esse desestímulo, além de resultar em empobrecimento das populações de fronteira, não é a fórmula efi ciente de se coibir a degradação ambiental, não só porque efêmera, mas principalmente por causa dos demais efeitos degradadores que a própria pobreza dos habitantes da fronteira trará quando estes lançarem mão do fogo e do machado como recursos de ocasião.
O Brasil tem diante de si o desafi o de pilotar, no horizonte dos próximos 15 anos, uma notável expansão do agronegócio de grãos e bioenergia que, estimase, virá a duplicar o atual volume da safra. No caso dos grãos, nossa estimativa projeta a produção em cerca de 200 milhões de toneladas por volta do ano de 2022.
O impacto ambiental de tal produção sobre a fronteira agrícola, principalmente nas franjas do vale amazônico, está longe de ser desprezível. A atitude de governo e sociedade hoje não é mais de simples negação do fato, tampouco de mera perplexidade. Importantes legislações ambientais nas esferas federal e estaduais, ligadas à gestão de florestas
E à condução dos negócios em produtos fl orestais, têm sido aprovadas e implementadas. Estímulos fiscais como o “ICMS Ecológico” foram adotados há alguns anos. O georreferenciamento de áreas de propriedade rural é outra ferramenta importante de monitoramento da expansão do agronegócio.
Contudo, o planejamento estratégico dessa expansão no horizonte dos próximos 20 anos permanece como uma área de sombra entre os vários ministérios envolvidos, espalhando dúvida e confusão entre os produtores e aumentando o risco de escolhas inadequadas e sem volta na seleção das alternativas de produção, com maior degradação ambiental.
A recente decretação da “moratória da soja” – uma espécie de período de exclusão auto-imposto pelos compradores internacionais do produto para aquisições de grãos oriundos de áreas “novas” de plantio – constitui um simples mecanismo de acomodação da opinião pública internacional, sem nenhuma repercussão positiva duradoura em termos da alocação de áreas para plantio, diferentemente do que ocorreria se um planejamento de longo prazo fosse adotado e obedecido.
Entretanto, a moratória é um sinal importante. Revela até onde vai a infl uência dos mercados externos sobre as zonas de produção e o uso crescente da informação como ferramenta na elaboração de políticas públicas internas, principalmente nas circunstâncias atuais, em que os sinais dos preços devem ser acompanhados de outros sinais, quer de pesquisas sobre o estado de saúde do planeta, quer de previsões a toda hora brotando de novos modelos de projeção de satélites, quer, sobretudo, de jornais e revistas que constituem termômetros permanentes da opinião pública.
Não considero um bom prognóstico o de que o agronegócio não se expandirá no Brasil. É preferível admitir que sim e, então, buscar com afi nco os meios de mitigar seu flagrante impacto ambiental. Precifi car tais impactos é uma tarefa da economia da conservação. Identificar e sugerir meios de atenuar, na origem, tais impactos negativos é outra tarefa, ainda mais importante. O aumento da produtividade das lavouras, em um esforço intensifi cado de colocar as tecnologias modernas a serviço da redução constante e progressiva da demanda por novas áreas de avanço agrícola, constitui talvez o meio mais efi caz de conciliar o objetivo produtivo com as metas de conservação.
*Paulo Rabello de Castro é diretor-presidente da RC Consultores.