Após um ano, o Índice de Sustentabilidade Empresarial está mais desconcentrado e competitivo. Falta atrair investidores.
O Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) completou um ano em dezembro e continua seguindo o script. Referência para o mercado quanto à incorporação de critérios de sustentabilidade pelas companhias listadas em bolsa, como se esperava o índice amadureceu. Em sua segunda carteira, incorporou dez empresas — quatro saíram —, tornou-se um pouco menos concentrado em alguns setores — o bancário em especial — e é usado por fundos que, por enquanto, atraem na sua maioria investidores individuais preocupados com mais do que a performance financeira das empresas.
Para continuar girando a roda e levar o ainda incipiente mercado de investimento socialmente responsável (ISR) para o mainstream, falta mobilizar os investidores institucionais. Administradores de centenas de bilhões de reais em ativos, eles lideraram o impulso pela governança corporativa que hoje é premissa no mercado brasileiro.
Questões de sustentabilidade já estão no radar, tanto que os fundos de pensão — os principais investidores institucionais no Brasil — foram patronos da versão brasileira do Carbon Disclosure Project (CDP), que procura levantar as ações das empresas em relação às mudanças climáticas globais.
Se o ISE será a bússola usada pelos fundos institucionais para canalizar recursos para empresas compromissadas com os princípios da sustentabilidade, isso ainda é uma incógnita. Há quem acredite que esses investidores preferem, como acontece no exterior, comprar diretamente as ações de tais empresas. Nesse caso, fundos que replicam o ISE serviriam mesmo aos investidores individuais — que hoje destinam cerca de R$ 600 milhões a produtos de ISR no Brasil.
Independentemente do que vier a acontecer, o ISE vai se transformando na medida em que a sustentabilidade é incorporada pelas empresas. A Petrobras, estatal do setor de petróleo, por exemplo, entrou para a carteira e, sozinha, representa 25% do índice. As outras empresas incluídas na nova versão do ISE são Acesita, Coelce, Energias do Brasil, Gerdau, Localiza, Metalúrgica Gerdau, Suzano Petroquímica, TAM e Ultrapar. Com isso, o peso do setor bancário caiu de 60% para 43% e, no total, o número de setores da economia representados saiu de 12 para 14.
A carteira do ISE, que valerá de 1o de dezembro de 2006 até 30 de novembro de 2007, contém 43 ações de 34 companhias, contra 34 ações de 28 empresas da versão anterior. Em valor de mercado, essas ações somam R$ 700 bilhões, ou 48,5% da capitalização da Bovespa, de R$ 1,4 trilhão.
“Com a nova carteira, diminuem os espaços para as desculpas dos investidores institucionais para não usar produtos baseados no ISE, ou o ISE como benchmark”, afirma Mario Monzoni, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, responsável pela elaboração da metodologia do ISE desde a sua criação. Segundo ele, o aumento do número de setores representados torna o índice menos volátil e os produtos nele referenciados, mais competitivos e atrativos para os investidores institucionais.
Donos de volumes financeiros superiores a R$ 350 bilhões, os fundos de pensão são os principais investidores de longo prazo do País. Cerca de 30% desses recursos estão aplicados no mercado de ações, mas não se sabe quanto está direcionado para ações de empresas que perseguem os princípios da sustentabilidade. Há cerca de três anos, a Abrapp, associação que reúne esses investidores, lançou um guia com princípios básicos para estimular seus associados a adotar critérios de sustentabilidade na escolha de suas aplicações em bolsa. “O objetivo era fornecer parâmetros para as fundações”, diz Antonio Jorge da Cruz, diretor da Abrapp.
Segundo ele, vários fundos de pensão adotam quesitos de responsabilidade social e ambiental na seleção dos papéis a partir de critérios próprios. O ISE é, no entanto, uma referência. “O sistema de apuração do ISE é bastante completo e sofisticado, o que pode fornecer aos gestores dos fundos de pensão um excelente parâmetro para a calibragem de suas carteiras como um complemento ao sistema interno de seleção”, avalia.
A participação dos fundos de pensão no mercado de ISR faz todo o sentido. “Os fundos de pensão, enquanto investidores de longo prazo, querem saber se as empresas nas quais aplicam ainda existirão em 50 anos”, diz Cruz. Tanto que a Abrapp teve participação ativa na iniciativa internacional Carbon Disclosure Project, que em sua quarta edição incluiu uma versão brasileira. O projeto realiza uma pesquisa com as maiores empresas em todo o mundo para saber quais as ações realizadas por elas em relação às mudanças climáticas. No Brasil, a pesquisa foi enviada às 50 empresas de maior liquidez da Bovespa.
“Existe uma tendência entre os investidores institucionais de ampliar seus investimentos em empresas mais sustentáveis”, diz Giovanni Barontini, sócio da consultoria Fábrica Éthica, facilitadora da operação brasileira do CDP.
Se o impulso existe e vier a se desenvolver, esses players podem fazer toda a diferença, graças ao seu tamanho. “Governança corporativa e eficiência econômica já são dois requisitos fundamentais na escolha do investidor, e a tendência é o mercado começar a cobrar das empresas um bom desempenho também nos quesitos de justiça social e equilíbrio ambiental”, afirma Rubens Monteiro, gerente dos fundos de renda variável da BB DTVM, gestora de recursos do Banco do Brasil.
Embora reconheça que a sustentabilidade é um conceito novo para a maioria das empresas brasileiras com ações negociadas em bolsa, ele acredita que há uma mudança cultural em curso, como ocorreu com a governança corporativa há alguns anos. “A procura por ações vem crescendo, deve se ampliar com a continuidade da queda dos juros, e esta é mais uma alternativa ao investidor”, diz Monteiro.
O ISE teve papel fundamental para o lançamento do fundo do Banco do Brasil, em 2005, pois eliminou a necessidade de uma metodologia própria para a seleção das ações. Hoje, o fundo conta com cerca de R$ 15 milhões de investidores pessoa física.
“Com a entrada de empresas na carteira revista, o índice caminha para o amadurecimento e tende a uma maior diversificação”, diz Herculano Anibal, diretor de renda variável da Bradesco Asset Management. Com isso, deve aumentar o interesse dos investidores institucionais. De outro lado, as empresas percebem que fazer parte desse tipo de índice confere um ganho de imagem grande, completa. O fundo do Bradesco tem cerca de R$ 25 milhões e, por enquanto, é vendido apenas aos investidores da área Prime, pessoa física.
Para Alexandre Carpenter, diretor de renda variável do HSBC, o mercado está começando a premiar as companhias que adotam boas práticas. Desde o início do ano até 30 de novembro, o ISE subiu 28,6% e o Índice Bovespa, 25,3%.
Uma simulação realizada pelo HSBC considerando a rentabilidade passada das ações que fizeram parte da primeira versão do índice conclui que, se já existisse em 2004, a carteira do ISE teria valorização de 35,40%. No mesmo período, o Índice Bovespa subiu 15,64% e o IbrX, que reúne as 100 maiores empresas excluído o setor financeiro, 29,71%. Somando 2004 e 2005 até novembro, o ganho do ISE seria de 76,78% ante 38,04% do Ibovespa e 68,04% do IbrX.
O importante é que “o mecanismo está funcionando”, observa Mario Monzoni, do Gvces. Com um ano de vida, a carteira mais abrangente e a possibilidade de gerar produtos mais competitivos na indústria de fundos, o ISE tem um papel na outra ponta, incentivando as empresas a trabalhar para entrar no índice. “Isso começa a girar as máquinas, e não tem volta.”
Rentabilidade sempre
A sustentabilidade ainda é vista como diferencial
Apesar do desenvolvimento do ISE, ainda não há no Brasil tanta demanda por ações de empresas sintonizadas com a sustentabilidade como no exterior. Essa é uma alternativa para os investidores mais sofisticados, afirma o administrador de investimentos Fábio Colombo.
A maior preocupação ainda é a rentabilidade. “As variáveis sociais e ambientais começam a chamar a atenção, mas por enquanto não se analisa em profundidade a atuação das empresas”, diz Colombo. Ele cita o exemplo das ações da fabricante de cigarros Souza Cruz, consideradas um ótimo investimento. “Aparentemente o investidor ignora o fato de que as empresas desse setor podem ter problemas no futuro, porque o ganho que ele tem com a ação é bom”, explica. A ação da Souza Cruz acumulou valorização de 37,15% do começo do ano até o fim de novembro.
“Enquanto a sociedade demandar esse tipo de produto, as empresas continuarão existindo e, se tiverem bons resultados, as ações vão atrair investidores”, diz Colombo. Ele lembra, entretanto, que o setor tabagista nos Estados Unidos começa a buscar outras fontes de receita em vista de um cenário desfavorável a seus produtos.
Hoje, se há projeções de rentabilidade a longo prazo, melhor para o investidor, especialmente as pessoas físicas, que buscam o lucro imediato. Mas a habilidade de a empresa existir e oferecer retorno no futuro ainda é um diferencial no mercado brasileiro, que movimenta cerca de R$ 50 bilhões por mês na Bovespa. Os fundos de investimento em ações têm patrimônio ao redor de R$ 75 bilhões.