Na corrida por uma revolução energética, o Brasil conta com vantagens sem paralelo. Mas enfrenta o desafio de pôr em marcha um projeto de desenvolvimento sustentável movido a biocombustíveis
Quanto mais profundo e próximo se mostra o abismo ecológico diante da civilização do petróleo, mais valioso o potencial agroenergético brasileiro se revela. Essa constatação fica clara neste início de 2007, em meio ao turbilhão midiático a respeito do aquecimento global e de medidas que buscam conter o processo de mudanças climáticas em curso no planeta.
“Está começando o primeiro ciclo tecnológico ‘geografia dependente’, que vai acontecer nos lugares onde dá para as plantas fazerem muita fotossíntese”, analisa o bioquímico, geneticista e diretor da Votorantim Novos Negócios, Fernando Reinach, que traça as estratégias para o futuro de um dos maiores grupos empresariais brasileiros. “Enquanto os chips de computador, por exemplo, podiam ser fabricados em qualquer lugar, e a indústria se instalou em países que ofereciam boas condições de mercado e tinham gente bem formada, mão-de-obra qualificada, a grande produção de biocombustíveis renováveis a baixo custo só poderá vir de lugares como o Brasil e a África.”
As vantagens a que Reinach se refere podem ser resumidas em cinco fatores: sol, água, terra, gente e conhecimento. Se os dois últimos podem ser mais facilmente superados por países que têm mais capital para investir em tecnologia e formação de especialistas, além de população rural à espera de melhores oportunidades, os três primeiros dão ao Brasil uma dianteira um pouco mais folgada.
“Além disso, o território brasileiro se estende não apenas de leste a oeste, como o da maioria dos países, como também de norte a sul, reunindo uma grande variedade de biomas, adequados a diversas culturas com grande potencial para a produção de biocombustíveis”, explica Frederique Rosa e Abreu, coordenador-geral de agroenergia do Ministério da Agricultura.
Por enquanto, o Brasil, que já produz mais de um terço do etanol do mundo, consolida seu programa de biodiesel e apresenta potencial de crescimento acelerado da produção, é visto como bola da vez. Tanto que especialistas como o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que coordena o Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas, GV Agro, não param de ser procurados por investidores internacionais que querem comprar terras e gerir usinas no País.
Até o neurocientista Miguel Nicolelis, que tem dividido seu tempo entre o Brasil, os EUA e a Europa depois de ser procurado por vários interessados em investir na produção de biocombustíveis no País, decidiu estudar o assunto. Usando o espaço crescente que vem conquistando na mídia nacional, o estudioso do cérebro entrou na linha de frente da defesa dos biocombustíveis como produto-chave para um grande projeto nacional de desenvolvimento.
Coordenador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, Nicolelis identifica a possibilidade de uma revolução energética e social, movida a biodiesel, que poderia ser deflagrada, sobretudo, no Nordeste e no Norte do País. “É a nossa chance de fazer uma reforma agrária de verdade e levar desenvolvimento social para o sertão”, anima-se o pesquisador.
“Temos a maior floresta do mundo, a maior biodiversidade e ao mesmo tempo o maior potencial para a produção sustentável de bioenergia. A posição do Brasil nunca foi tão favorável para a realização de um projeto nacional que promova o desenvolvimento científico e tecnológico e distribua renda”, continua Nicolelis. “Deveríamos inclusive atrelar a proposta de financiamento internacional para proteção da Amazônia a um programa de produção de combustíveis verdes para o mundo. O Brasil é grande, e a oportunidade, também. Não é hora de pensar pequeno.
Grandes números
Mas qual é o tamanho da oportunidade? Qual o real potencial brasileiro de produção de biocombustíveis e quanto essa indústria pode render ao País? As respostas disponíveis, mesmo que parciais e muitas vezes contraditórias, apontam para números expressivos.
Segundo relatório do Projeto Etanol, do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe), da Unicamp, seria possível aumentar a área de cultivo de cana, dos atuais seis milhões, para 30 milhões de hectares, o equivalente a menos de 10% da área considerada disponível para agricultura no Brasil, sem aumentar o desmatamento ou ameaçar a produção de alimentos.
Coordenado pelo físico Rogério Cerqueira Leite, o estudo conclui que, desse modo, mantida a produtividade atual por hectare e com a produção organizada por clusters, nos moldes do sistema engendrado por Roberto Rodrigues, o País poderia, até 2025, multiplicar por seis a sua produção atual de etanol. Assim se alcançaria a casa dos 100 bilhões de litros anuais. Quantidade que, conforme as projeções feitas pelos pesquisadores, seria suficiente para substituir 10% da gasolina consumida no mundo e para ultrapassar o montante de US$ 30 bilhões em exportação de álcool. De acordo com as estimativas, seriam gerados mais de cinco milhões de empregos e o PIB nacional aumentaria em mais de R$ 150 bilhões.
O investimento necessário para atingir resultados tão expressivos é calculado pelo grupo da Unicamp em R$ 10 bilhões anuais nos primeiros quatro ou cinco anos de implantação do projeto. Depois disso, o retorno comercial reduziria a necessidade de injeção de capital no sistema.
Na área do biodiesel, a produção ainda é relativamente pequena, mas está em aceleração. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a capacidade nacional de produção saltará, dos atuais 500 milhões, para 1,3 bilhão de litros anuais até meados deste ano. Nessa área, a tecnologia nacional, a cargo principalmente da Petrobras, já encontra forte concorrência, sobretudo da que vem sendo desenvolvida na Alemanha. Mas o Brasil, com seu enorme potencial para cultivo de oleaginosas, tem tudo para disputar, com vantagens, a liderança mundial da produção.
Podendo ser fabricado a partir de culturas obrigatoriamente mais intensivas em mão-de-obra que a da cana, o biodiesel tem potencial para beneficiar um grande número de pequenos produtores e trabalhadores rurais.
O desafio será articular, nesses moldes, uma indústria exportadora, ao mesmo tempo sustentável, distribuidora de renda e capaz de dar conta das crescentes exigências de ganho de escala e estabilidade de oferta que virão do mercado internacional.
Hoje, quase 60% da matéria-prima do biodiesel é suprida pela monocultura de soja, que, mantida como principal fornecedora, poderá acelerar a destruição do Cerrado e da Amazônia. Por outro lado, 60 mil famílias já firmaram contratos de venda de matérias-primas como a mamona, o girassol e o dendê. Número que, segundo o governo, deverá passar de 350 mil até 2010.
Mapeamento urgente
A principal dúvida que freqüentemente se levanta em relação a projeções desse porte diz respeito à expansão da área das lavouras. Há vários levantamentos sobre terras adequadas para cultivo e modelos de regulamentação, em vigor ou em discussão, que estabelecem parâmetros socioambientais para expansão sustentável da produção de etanol e biodiesel em diferentes regiões do País.
Mas um mapeamento completo e a formulação de regras que possam atrair investimentos e, ao mesmo tempo, prevenir desmatamentos, garantir a produção de alimentos, a sustentabilidade e a inclusão de pequenos produtores e trabalhadores rurais são tarefas que o Estado deveria concluir o quanto antes, como alerta o especialista em ecodesenvolvimento Ignacy Sachs, que dirige o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.
Se, por um lado, a estimativa da quantidade de terra adequada à expansão da cana é considerada excessiva por outros especialistas, como o próprio Sachs, por outro a expectativa de um salto de produtividade é amplamente compartilhada pelos estudiosos do assunto. “Em breve, a técnica de hidrólise permitirá produzir etanol não apenas do suco, mas também do bagaço da cana”, afirma o engenheiro agrícola Luís Augusto Cortez, coordenador do Nipe. “Há no setor acadêmico, na área tecnológica brasileira, um convencimento de que, em dez anos, se dobre com tranqüilidade a produção de etanol por hectare”, afirma Roberto Rodrigues.
Fernando Reinach, por sua vez, já vê no horizonte um conjunto de aperfeiçoamentos, da genética da planta ao aproveitamento do bagaço, que permitiriam quase triplicar a produtividade atual, de até sete mil litros de etanol por hectare de cana. Dessa forma, mesmo com uma expansão menos espetacular das lavouras, o patamar de produção estimado pelo Nipe poderia ser atingido com sobra.
Para que essa quantidade de etanol e, possivelmente, outro oceano de biodiesel possam suprir o mercado internacional, será preciso construir uma infra-estrutura de transporte e estocagem de biocombustíveis semelhante à utilizada para o petróleo, mas em escala ainda maior, uma vez que o Brasil nunca foi um grande exportador de combustíveis fósseis.
Seria uma tarefa para a Petrobras, que, entretanto, na opinião da maioria dos especialistas ouvidos por PÁGINA 22, não teria assumido o posto de comando que lhe caberia no processo. “A Petrobras tem sido a grande ausente na discussão do projeto de transformar os biocombustíveis nas principais commodities da futura pauta de exportações do Brasil”, diz Cortez.
O gerente de desenvolvimento energético da Petrobras, Mozart Schmitt de Queiroz, responde dizendo que, por enquanto, os mercados para biocombustíveis dependem, mundo afora, de decisões e incentivos governamentais. Segundo ele, cabe à empresa ocupar os espaços gerados por essas iniciativas e não pretender se antecipar a elas.
No que tange ao etanol, Queiroz assegura que a Petrobras está investindo e se preparando para atender à demanda externa. “Estamos adaptando terminais de petróleo para operar com álcool, vamos construir dutos de transmissão para etanol e, em breve, devemos começar a exportar para o Japão.” Em relação ao biodiesel, ainda não há, segundo ele, sinal de criação de um mercado internacional. “Ainda não encontramos países dispostos a importar”, relata.
Mas, na opinião de muitos, a criação de mercados e a expansão da demanda deverá ser rápida.”Nos próximos anos, acho mesmo que até o fim deste segundo governo Lula, o mercado internacional de agroenergia deverá estabelecer para onde rumará o grosso do capital e quais serão os principais produtores e reguladores”, afirma Reinach. Desde o início da década, muito antes do atual frisson pelos biocombustíveis, e num momento em que o mercado do álcool estava em baixa, o especialista e a Votorantim, por meio de um fundo de capital de risco que dispõe de um total de US$ 300 milhões, vêm apostando no melhoramento genético da cana-de-açúcar.
Apesar dos percalços, o Brasil conseguiu realizar muita coisa. Houve o ProÁlcool, melhoramos a cana, desenvolvemos tecnologia, fizemos os carros flex…” Mas, avalia Reinach, “agora que o mundo se dá conta da importância dessa alternativa, parece que nós nem percebemos com clareza que somos líderes. E, se não decidirmos logo aproveitar as vantagens que temos, O PROTEGIDO. O milho, matéria-prima do etanol nos EUA, perde para a cana em tudo, menos no poderio de seu lobby corremos o risco de virar o Santos-Dumont do etanol. Vamos dizer: ‘Sabe esse negócio aí que está deixando outros países ricos? Nós é que inventamos’”.
Avanços e riscos
Diante dos números grandiosos e da urgência de que falam os entusiastas dos biocombustíveis, Carlos Eduardo Frickmann Young, do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da UFRJ, aconselha que se vá mais devagar com o andor. “Os biocombustíveis poderão se tornar importantes commodities na pauta de exportações do Brasil, mas estão longe de ser uma panacéia para os problemas nacionais. E a idéia de que a agroenergia é automaticamente autosustentável, que alguns tentam vender, é falsa”, alerta o economista.
“Nos séculos XVI e XVII, com a cana-de-açúcar já inserida em um sistema de comércio globalizado, o País embarcou num grande ciclo econômico—de impacto interno bem maior do que este que agora se anuncia—,cujo legado foi escravidão, desmatamento e concentração de renda. Três décadas atrás, o ProÁlcool agravou problemas ambientais sem resolver mazelas sociais”, lembra Young que, no entanto, reconhece uma vantagem do atual crescimento da demanda de etanol. “A demanda mundial deverá se pautar por critérios cada vez mais rigorosos de redução de emissões de carbono e de sustentabilidade, o que vai obrigar os produtores a realmente buscar essas metas.”
Aos desafios estritamente ambientais somam-se outros, de cunho social, argumenta Young. “Vai ser preciso ter cuidado para não ameaçar ou encarecer a produção de alimentos”, frisa o economista.
A segurança alimentar é também uma preocupação central de Ignacy Sachs. Mas, no artigo “A revolução energética do século XXI”, publicado pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, o especialista assinala a possibilidade de estabelecer sistemas integrados e complementares de produção de agroenergia e alimentos, adaptados a diferentes biomas. E cita o exemplo do biodiesel e da pecuária, com uma indústria fornecendo ração, adubo e até mesmo matéria-prima básica—caso do sebo bovino para a produção de diesel—para a outra.
O mesmo Sachs adverte, porém, que, para ser verdadeiramente sustentável, a indústria agroenergética precisa ser regulada por critérios socioambientais transcendentes à lógica do custo-benefício tradicional do mercado.
No dia 8 de fevereiro, em meio às recentes notícias internacionais sobre mudanças climáticas e medidas governamentais para a redução das emissões de carbono, o presidente Lula anunciou um programa de fomento à biotecnologia que pretende enxertar um total de R$ 10 bilhões, entre recursos públicos (60%) e privados (40%),
em projetos de pesquisa e desenvolvimento ao longo dos próximos dez anos.
Apesar dos avanços que podem resultar da iniciativa num País que pouco investe em ciência e tecnologia, ela visa contemplar um número excessivo de áreas, aumentando as chances de dispersão e insuficiência de recursos para setores realmente estratégicos. Trata-se de um guarda-chuva destinado a abrigar pesquisas tanto em farmacologia, setor solidamente dominado por empresas estrangeiras, como em agroenergia, que hoje, seja na forma de álcool combustível, seja na de biodiesel, é sinônimo de vantagens competitivas.
Falta de foco em projetos estratégicos prioritários e indefinição de linhas de ação por tentativa de atender às muitas demandas distintas e às vezes contraditórias: essa é uma das críticas mais comumente dirigidas ao governo por especialistas, pesquisadores e empreendedores engajados na expansão da produção brasileira de biocombustíveis.
Para que se consolidasse uma política nacional eficiente nessa área, dizem as mesmas fontes, uma das atividades em que tal ambigüidade teria de ser substituída por um sistema normativo e decisório mais técnico e objetivo é a de avaliação para liberar ou vetar transgênicos, uma incumbência da CTNBio, entidade criticada por excesso de permeabilidade a interesses setoriais.
Mas o governo federal e a Petrobras não são os únicos alvos de críticas por parte de quem gostaria de ver o País tomando, de forma mais decidida, o rumo dos biocombustíveis. “Também não se pode ficar esperando que o governo decida e faça tudo, e não deixe riscos a ser assumidos pela iniciativa privada”, ressalta Cortez. Sim, porque, se as expectativas de ganhos enchem os olhos, o capital, sobretudo o nacional, em geral titubeia na hora de pôr os pés em terrenos férteis mas ainda pouco conhecidos.
Mídia aquecida
Nos últimos meses, enquanto cinemas brasileiros exibiam Uma Verdade Inconveniente, o documentário sobre aquecimento global do “ex-futuro presidente americano” Al Gore, cinco anúncios destacaram-se na paisagem, ora apocalíptica, ora redentora, do noticiário.
Na França, foi divulgado o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), cujas conclusões evidenciam que já passa da hora de superar a discussão sobre se a ação do homem estaria ou não provocando mudanças climáticas de grande potencial destrutivo e partir para a implementação de ações capazes de, pelo menos, atenuar os danos.
Nos Estados Unidos, o governo Bush anunciou metas de redução de consumo de petróleo e a intenção de firmar uma parceria estratégica com o Brasil para produção e comercialização de etanol.
A União Européia revisou metas de redução de emissões de carbono, tornando-as mais ambiciosas e reforçando sua posição de liderança no esforço de mudança para um modelo energético mundial sustentável. O relatório do IPCC evidencia ainda que os processos de deterioração acelerada em curso no planeta exigem medidas mais enérgicas e prazos mais curtos do que o estabelecido em acordos internacionais como o Protocolo de Kyoto, cujas metas, embora tímidas, são rejeitadas por vários países.
O presidente Bush, proeminente opositor ao Protocolo de Kyoto, definiu objetivos de substituição de combustíveis fósseis em seu discurso anual à nação, em janeiro, mas em escala muito aquém do estabelecido no tratado internacional negociado no Japão, em 1997, e dos patamares propostos agora pela União Européia, de reduzir em 20% até 2020 as emissões de gases de efeito estufa, com base nos patamares de 1990. Longe de se divorciar do lobby do petróleo, a Casa Branca, para júbilo dos produtores americanos de milho, fixou a meta de aumentar a produção de etanol extraído do grão, dos atuais 19 bilhões de litros, para 225 bilhões anuais até 2030.
Reconhecido militante dos interesses da indústria petrolífera, Bush, numa demonstração da crescente insustentabilidade midiática de sua velha causa, chegou a comparar o consumo de petróleo nos Estados Unidos ao vício das drogas. Numa frase, o comandante da War on Drugs (guerra às drogas) virou suas baterias retóricas contra a dependência em relação ao “ouro negro”, que, ironicamente, levou o mesmo Bush a liderar guerras ainda mais desastrosas, no Afeganistão e no Iraque.
Mas que não se enganem os brasileiros, acostumados a apostar na ineficácia dos discursos políticos. Por trás da retórica de Bush, há, por exemplo, montanhas de dólares sendo investidas no aumento da produção de etanol de milho—que, em 2006, ultrapassou o similar brasileiro, de cana.
Também nos EUA, outros dutos de investimentos de risco irrigam, abundantemente, o terreno da inovação para o desenvolvimento de tecnologias muito mais promissoras, mas ameaçadoras para a futura liderança brasileira no setor de biocombustíveis. Entre as novidades iminentes, destacase a hidrólise de celulose, que poderá tornar grande parte de toda a biomassa planetária em potencial matéria-prima para a produção de etanol a baixo custo.
“Estamos criando uma empresa só para pesquisa de hidrólise de celulose”, revela Reinach, referindo-se ao fundo de capital de risco da Votorantim. “Mas sabemos que a disputa pela liderança nessa área é muito difícil. Enquanto aqui nós estamos abrindo a primeira empresa privada especializada, nos EUA há mais de trinta já em funcionamento.”
No caso do etanol de cana, a hidrólise, processo que permite fabricar etanol a partir da celulose por meio da utilização de uma enzima ou de um ácido, poderia facilmente duplicar a produtividade por hectare. E o aumento da produtividade, além de economicamente vantajoso, é ambientalmente desejável, uma vez que reduz a necessidade de expansão da área plantada como resposta ao crescimento da demanda.
O problema de o Brasil ficar para trás em relação a essa tecnologia é que ela poderá reduzir a importância das vantagens geográficas do País. Com o aumento da produtividade da cana e do milho, e a possibilidade de processamento barato de outras variedades e subprodutos vegetais para produção de álcool em larga escala,
grandes pólos produtores poderão se estabelecer em países capazes de oferecer melhores condições para investimento, bem como infra-estrutura para produção,
armazenamento e transporte.
OPEP do etanol
Há o risco de que, no bonde dos biocombustíveis, o País assuma um lugar não entre os condutores, mas lá no fundo do vagão, como coadjuvante de um projeto alheio. Possibilidade que aumenta com as declarações e evidências em relação ao crescente interesse americano no etanol brasileiro e com o anúncio do desembarque no País, no início de março, de um verdadeiro “Estado-Maior do etanol” para a visita oficial do presidente Bush. O lançamento de “mercado hemisférico” para o álcool combustível, sob a batuta de Bush, já ganhou até a alcunha de “Opep do Etanol”.
“Temos de ter claros os nossos interesses e metas, porque eles terão. E, se nós já penamos para negociar com a Bolívia, imagine com os Estados Unidos”, diz Roberto Rodrigues, que divide a direção da recém-criada Comissão Interamericana de Etanol com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o colombiano Luís Alberto Moreno, e com o irmão mais novo do presidente americano e ex-governador da Flórida, Jeb Bush.
“Em matéria de biocombustíveis, os EUA precisam mais do Brasil do que nós deles”, diz Miguel Nicolelis. “Temos alternativas de parceria com países como a China, que terão uma enorme demanda.”
Seja quais forem os caminhos a seguir, clareza, decisão, determinação são exigências destes tempos de grandes riscos e oportunidades, inclusive de bons negócios, ainda que exijam cada vez mais responsabilidade, conhecimento e criatividade.
Gasolina ou álcool? Petróleo ou mamona? Perguntas que, no Brasil, podem ser formuladas com cotidiana banalidade no posto de gasolina da esquina assumem dimensão épica quando vistas da perspectiva planetária.
As incertezas globais misturam-se às nacionais. A humanidade será capaz de mudar seu modelo energético e a forma de lidar com a natureza e consigo mesma a tempo de evitar cataclismos e hecatombes? O Brasil conseguirá vencer a sua esplêndida inércia histórica e tomar a liderança na construção da civilização da biomassa?
As melhores respostas situam-se, provavelmente, além do dilema entre a atitude acomodada ou predatória, que ignora riscos crescentes, e o imobilismo resultante de uma militância ambientalista puramente defensiva, que hesita em assumir o papel que lhe cabe: de formuladora de um futuro sustentável.