As propostas de compensação pelo desmatamento evitado enfraquecem o argumento dos EUA contra um acordo internacional para reduzir as emissões de dióxido de carbono após 2012
Para evitar as perigosas alterações do sistema climático e que a concentração de gás carbônico na atmosfera ultrapasse um limite calculado em 450 a 550 partes por milhão (ppm) – o valor atual é de 375 ppm –, será necessário não só uma rápida redução da queima de combustíveis fósseis nos países do Norte e do Sul, mas também a diminuição drástica do desmatamento tropical. É o que diz o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), o corpo científi co da ONU que trata da questão.
Várias propostas para compensar os países tropicais por esforços de redução do desmatamento em seus territórios estão sob análise da Convenção Quadro da ONU sobre Mudança Climática. A idéia é criar incentivos substantivos para reduzir o desmatamento, assim como condições para maior participação dos países em desenvolvimento em um regime internacional do clima.
Já se fala em um mecanismo de compensação fi nanceira para as nações em desenvolvimento capazes de demonstrar queda em suas taxas nacionais de desmatamento abaixo de uma taxa de referência histórica. O mecanismo, chamado Redução de Emissões por Desmatamento Evitado (RED), pode ser viabilizado por meio do mercado de carbono, como proposto por Papua-Nova Guiné e vários outros países, ou por um fundo, como sugerido pelo Brasil. Mas os EUA, que se recusaram a ratifi car o Protocolo de Kyoto, tentam acabar com a discussão.
Na última reunião do Corpo Subsidiário de Assessoramento Científi co e Tecnológico da Convenção Quadro, ocorrida em maio, em Bonn, Alemanha, havia um acordo entre Brasil, União Européia e outros países tropicais para recomendar o uso de taxas históricas de desmatamento como referência para o cálculo de uma possível compensação fi nanceira pela redução do desfl orestamento, assim como outros princípios básicos. A delegação dos Estados Unidos, contudo, se opôs fortemente a qualquer recomendação específi ca, sob as alegações de que “limitaria” o texto excessivamente e de que este deixava de fora outras importantes iniciativas, como os programas de manejo florestal da United States Agency for International Development (Usaid).
Ficou evidente a intenção dos EUA de obstruir qualquer avanço na defi nição de um acordo para o período pós-2012, especialmente um que envolva países em desenvolvimento, o que derrubaria o principal argumento que o governo de George W. Bush usa para justifi car a recusa ao Protocolo de Kyoto: a falta de um maior engajamento dos países em desenvolvimento nos esforços de redução de emissões de gases de efeito estufa.
A birra americana quanto ao uso de uma taxa história de desmatamento e outros critérios fundamentais na discussão da redução compensada é, também, conseqüência de como o governo Bush prefere tratar a questão. Isto é, sem a defi nição de qualquer parâmetro quantitativo ou obrigatoriedade para a redução das emissões, mas com uma abordagem relativa, via o cumprimento de “metas de intensidade” de emissões.
A idéia de “intensidade” é antiga e envolve reduções voluntárias de emissões parametrizadas pelo Produto Interno Bruto (PIB). Funciona da seguinte forma: quanto menos carbono é emitido por unidade do PIB (CO2/US$ do PIB), mais efi ciente é o sistema. Parece bom, mas na verdade não se trata de uma estratégia de redução das emissões, pois o país pode continuar emitindo muito em termos absolutos. Tal esquema não reduz necessariamente as emissões totais e, pior, pode acabar favorecendo seu aumento, pois o PIB – especialmente o americano – se beneficia em grande parte do crescimento do setor de serviços, que por natureza emite menos em termos absolutos do que o setor industrial ou o energético.
Tratar as emissões pela via da “intensidade” é criar uma cortina de fumaça. Os EUA vêm tentando fechar acordos internacionais que envolveriam alguns grandes países em desenvolvimento – supostamente China, Índia e Brasil–, com base nas tais metas de intensidade. A iniciativa, na verdade, visa esvaziar as negociações sobre o futuro de Kyoto, colocando em risco o atual mercado de carbono, que sem sinais claros de continuidade do Protocolo após 2012, pode não deslanchar. Felizmente, o consenso internacional é de que a Convenção Quadro da ONU é o fórum mais adequado para negociações sobre a questão, como reafi rmou o G8 em sua última reunião, em junho.
Moeda política
Aos poucos, até internamente as estratégias do governo americano para atrapalhar as negociações sobre as mudanças do clima fi cam mais limitadas. Ao tomar conhecimento da “jogada” de sua delegação em Bonn, quatro senadores americanos escreveram uma carta à secretária de Estado, Condoleezza Rice, pedindo explicações. É um sinal de que a administração Bush não conta com aliados incondicionais na questão climática.
Além disso, o aquecimento global virou moeda na política eleitoral americana. A eleição de Arnold Schwarzenegger ao governo da Califórnia, por exemplo, em boa parte se concretizou a partir de seu compromisso em criar limites obrigatórios às emissões de CO2 no estado.
A cortina de fumaça está se dissipando. A política do governo Bush de obstrução, manipulação e desvio da atenção em relação às negociações internacionais terá um custo cada vez mais alto para o já fragilizado Partido Republicano. Espera-se que na próxima Conferência das Partes da Convenção, a se realizar em Bali, Indonésia, no fim deste ano, se tenha chance de avançar, afinal.
*Steve Schwartzman é diretor do Programa Internacional da Environmental Defense
Paulo Moutinho é coordenador de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
Paula Moreira é pesquisadora do Ipam