O desafio de alimentar uma população crescente pode ressuscitar velhas teorias e justificar o reforço de visões e práticas responsáveis, em larga medida, pela crise ambiental. Ou inspirar uma verdadeira transformação
Por Flavio Lobo
Acho que posso fazer dois postulados. Primeiro que a comida é necessária à existência humana. Segundo que a paixão entre os sexos é necessária e permanecerá praticamente inalterada.
Essas duas leis, desde que se tem algum conhecimento acerca da humanidade, parecem ter sido aspectos constantes da nossa natureza, e, como até agora não observamos ter havido nelas qualquer alteração, não temos o direito de concluir que algum dia deixarão de ser como hoje são — a não ser por um ato de poder do Ser que criou o sistema do universo e que, para o benefício de suas criaturas, segue a executar, de acordo com leis constantes, todas as operações cósmicas.(…) Tomando meus postulados como aceitos, afirmo ser o impulso populacional muito maior que o potencial da terra para prover subsistência ao homem.
Hoje, quando a humanidade se defronta com um conjunto inédito e desafiador de projeções demográficas e ambientais, essas palavras de Thomas Malthus, extraídas (e livremente traduzidas) de seu Ensaio sobre o Princípio da População, de 1798, talvez voltem a soar proféticas. Dourada, a pílula catastrofista do demógrafo e economista inglês é oferecida na forma de argumentos que apresentam escolhas inescapáveis. A tarefa de alimentar uma população mundial, que deverá chegar à casa dos 9 bilhões em 2050, em tempos de aquecimento global está longe de ser uma tarefa trivial. Mas será mesmo necessário, e desejável, escancarar os campos agricultáveis para os novos produtos e interesses das poucas grandes empresas que dominam a produção agrícola mundial? Será que a única alternativa ao salvacionismo tecnológico do grande capital seria a devastação acelerada dos biomas planetários?
O raciocínio de Malthus, pelo qual fenômenos que se mostraram constantes no passado só poderiam alterar-se mediante uma intervenção divina, descreve bem, em seu profundo conservadorismo, o efeito limitador, até então observável, da escassez de alimentos sobre o crescimento populacional. A chamada “armadilha malthusiana” estabelece que, em situação de paz e abundância, a população cresce em progressão geométrica, enquanto a produção de comida só poderia aumentar em ritmo aritmético. Das duas, uma, portanto: ou a expansão demográfica é contida por hecatombes resultantes, por exemplo, de guerras e epidemias, ou acaba sendo ceifada pela fome. (Malthus apontava medidas menos violentas, como a abstinência sexual e o casamento tardio, como possíveis formas de mitigar, mas não de resolver o problema.)
A humanidade estaria, portanto, condenada a catástrofes cíclicas e os ideais de paz e bem-estar para todos seriam, em última instância, incompatíveis com as leis naturais e os desígnios de Deus. As implicações éticas e políticas dessa “descoberta” são evidentes, tanto quanto os motivos da sua popularidade em muitos círculos poderosos, privilegiados e beligerantes.
Curiosamente, a teoria malthusiana foi formulada exatamente em um país e em um momento histórico nos quais um conjunto de mudanças econômicas, tecnológicas, culturais e políticas estavam prestes a romper as amarras tanto da produção quanto do crescimento populacional. No século XIX, a Revolução Industrial, iniciada antes da publicação das “leis” de Malthus, passou a multiplicar a capacidade humana de gerar excedentes e a sustentar uma trajetória demográfica consistentemente ascendente. Fenômeno que se acelerou a partir de meados do século XX, sobretudo em razão da queda da mortalidade decorrente da disseminação dos antibióticos. E tudo isso, pelo menos até onde se tem notícia, sem qualquer intervenção mais explícita do Criador.
O retorno de Malthus
Não que o pensador inglês tenha sido esquecido, até porque as grandes turbulências da primeira metade do século XX dificultaram uma percepção mais clara da capacidade do novo sistema socioeconômico dominante de escapar da armadilha malthusiana. Mas ele voltou com força total a partir dos anos 60, período em que a maior ameaça ao futuro da humanidade, juntamente com a bomba nuclear, passou a ser a explosão demográfica. Parecia, então, que os avanços da sociedade industrial haviam apenas guindado os ciclos catastróficos para um escala gigantesca. Quando se projetava para o século XXI uma população mundial na casa dos 14 bilhões ou mais, parecia inescapável a lógica da procriação suicida.
Na ficção científica, imaginavam-se futuros superpopulosos nos quais o homem passaria a colonizar outros corpos celestes ou amargaria o aperto de megalópoles assoladas pela escassez de recursos naturais. No filme Soylent Green, de 1973, um “clássico” do período, multidões são dispersadas e erguidas por pás de tratores e os corpos dos mortos, usados como matéria-prima pela indústria de alimentos.
Mas a década de 60 também foi marcada por eventos de impacto demográfico, em sentido contrário. A indústria farmacêutica, protagonista da difusão de medicamentos que reduziram vigorosamente a mortalidade, popularizou novos contraceptivos, como a pílula. Ao mesmo tempo, as revoluções cultural e sexual, juntamente com a aceleração do processo de urbanização e de crescente inclusão das mulheres no mercado de trabalho, mudaram sentidos, valores, papéis, hábitos e vidas numa velocidade surpreendente.
Com a rápida queda das taxas de fertilidade (número de filhos por mulher), a explosão demográfica evoluiu em poucas décadas para uma fase de transição. Tanto que atualmente a ONU projeta, para meados deste século, um pico populacional de cerca de 9 bilhões de pessoas. E já se discutem o ritmo da “implosão” demográfica e possíveis problemas dela decorrentes.
Hoje, entretanto, enquanto o tique-taque da bomba populacional soa cada vez mais baixo e menos assustador, outro alarme dispara. Em alguns, este alerta desperta idéias e argumentos à moda de Malthus, do tipo, “como não surgirá mesmo nada de novo sob o céu, resta escolher entre o ruim e o pior”.
Em vez de guerra ou peste, terremoto ou fome, há quem defenda maior abertura para as grandes multinacionais que dominam a produção agrícola planetária como única saída para evitar uma futura escassez de comida ou uma maior devastação ambiental. Espécie de segunda fase da Revolução Verde (outro rebento dos férteis e audaciosos anos 60), que, ao vender novas práticas agrícolas mundo afora, aumentou a produção às custas de um aumento da degradação ambiental e da concentração de renda no campo.
A atual fórmula campeã das grandes corporações combina transgênicos protegidos contra cópias e agrotóxicos sob medida. Os pacotes, feitos para garantir a “fidelização” dos produtores rurais, permitiriam maior produtividade com menor uso de veneno, a um baixo risco quanto ao plantio e ao consumo, em larga escala, de plantas recém-inventadas, asseguram as empresas.
A troca do fatalismo malthusiano por um desenvolvimentismo baseado na crença ilimitada na ciência e na tecnologia é uma das marcas do modelo civilizatório dominante, diz Lavínia Pessanha, professora da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, do IBGE, e estudiosa de questões ligadas à biotecnologia e propriedade intelectual na agricultura. “Mas é preciso lembrar que os grandes grupos econômicos não escolhem as tecnologias que vão oferecer ao mercado por serem as mais vantajosas para a sociedade, mas por permitirem uma maior apropriação privada dos benefícios”, frisa Lavínia. “Uma vez desenvolvidas e escolhidas essas tecnologias, as corporações investem um volume tão grande de recursos para torná-las as mais atrativas que fica difícil para os produtores apostar em alternativas.”
Outra crença, essencial ao liberalismo econômico, que impulsiona a corrida desenvolvimentista à moda capitalista, é a de que a busca empresarial do lucro, num ambiente de livre mercado, acaba por corresponder aos interesses maiores da sociedade. Algo que a atual crise ambiental demonstra ser, no mínimo, bastante questionável.
Não se trata de defender a rejeição pura e simples das grandes monoculturas pós-Revolução Verde. Até porque, como admite Lavínia, não se pode garantir que apenas com os métodos tradicionais, mesmo com maior aporte de recursos, seria possível alimentar toda a humanidade, e sem aumentar a degradação ambiental. O importante, diz ela, é perceber que, “se a preocupação for, de fato, alimentar a humanidade hoje e no futuro, temos de enfatizar muito mais a questão da distribuição mais justa, da partilha do que é produzido, e buscar soluções alternativas para as regiões mais pobres, onde, em geral, as vantagens alardeadas pela grande indústria não chegam”.
Visões de futuro
Também seria um engano querer negar os desafios impostos pela expansão demográfica, que ainda deve se estender por várias décadas e levar a um aumento populacional de até 50% em relação aos atuais 6,6 bilhões de habitantes do planeta. Alimentar uma população crescente sem acelerar a degradação ambiental, num planeta em aquecimento, onde os desertos tendem a ganhar terreno e a escassez de água potável, a se agravar, não é uma tarefa trivial.
Como lembra o ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas, Roberto Rodrigues, além do aumento do número de bocas, está em curso uma redução do número de braços disponíveis para o trabalho no campo devido ao processo global de urbanização (projeta-se, para o período entre 2000 e 2030, uma inversão de proporções planetárias: em 30 anos, a população urbana, de 40%, passará a 60% do total). A tarefa de produzir alimentos para todos caberá, portanto, a uma parcela cada vez menor da humanidade. Outro fator agravante, resultante do aumento da longevidade associado à queda da natalidade, que na agricultura, a exemplo dos demais setores da economia, também faz que uma parcela cada vez maior de idosos tenha de ser sustentada por uma fração decrescente de adultos jovens.
No que tange à demanda de alimentos, há também, como alerta Rodrigues, a expectativa de que, em regiões onde o crescimento demográfico deverá ser mais significativo, como na China e na Índia, a expansão populacional virá acompanhada de um aumento do poder aquisitivo e de uma tendência de mudança de hábitos alimentares, que já estão se tornando mais parecidos com os das classes médias ocidentais. Isso, provavelmente, fará com que a demanda ocorra em proporções maiores que as previsíveis pelo simples acréscimo populacional. Previsão reforçada pela constatação de grandes demandas reprimidas: na Índia, informa a FAO, 79% das crianças entre 3 meses e 3 anos de idade apresentam algum tipo de anemia, e 40% dos adultos têm peso inferior ao mínimo considerado saudável.
O impacto socioambiental da demanda futura de alimentos dependerá também dos tipos de comida que serão mais procurados e produzidos. O sociólogo e demógrafo Roberto Luiz do Carmo, do Núcleo de Estudos de População da Unicamp, tem estudado o comércio internacional daquilo que chama de “água virtual”, a soma dos recursos hídricos incorporados na produção. Para se ter uma idéia, considerando-se apenas a soja exportada pelo Brasil para a China em 2005, representaria a transferência de mais de 16 bilhões de metros cúbicos de água virtual para aquele país.
“Se a humanidade precisa buscar a exploração sustentável dos recursos, e a água é dos mais valiosos deles, deveria se preocupar em consumir mais alimentos que exijam menos água para ser produzidos”, diz o pesquisador. Uma tabela publicada em um de seus artigos, feito em parceria com três colegas, indica quanta água é necessária para a produção de alimentos como soja (2. 000 litros/1 quilo), arroz (1.600 L/1 kg), milho (650 L/1 kg), carne bovina (43.000 L/1 kg) e frango (3. 500 L/1 kg).
Impactos desiguais
“Quem diz que o problema é puramente político, que basta distribuir melhor os recursos e está tudo resolvido não está bem informado”, diz José Drummond, coordenador de pós-graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. “Quanto mais gente houver no planeta, maior será a pressão sobre o meio ambiente. Durante muito tempo viam-se os riscos do crescimento demográfico e as medidas de controle de natalidade como ideologia e política imperialistas impostas sobre os países periféricos. Mas a Guerra Fria acabou e a crise ambiental se agravou. É preciso encarar a situação e buscar soluções realistas.”
A situação atual em termos de produção global de calorias per capita, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), é de uma razoável folga. Dividindo-se o total de calorias contidas apenas na produção mundial de cereais pela população do planeta, chega-se a uma média de 2.810 calorias diárias por pessoa. Mais que o suficiente, tendo em vista que o consumo mínimo, para um adulto, indicado pela Organização Mundial de Saúde é de 2.200.
Apesar disso, ainda segundo a FAO, mais de 1 bilhão de pessoas vivem hoje em situação de extrema pobreza, que tem como um de seus piores aspectos a subnutrição. E as perspectivas para os mais pobres não são boas. Com os preços dos cereais e outros alimentos em alta, a entidade estima que os 28 países em pior situação alimentar, concentrados na África e na Ásia, deverão arcar, este ano, com uma elevação de 10% nos gastos com a importação de comida em relação a 2006. Com isso, a alta acumulada nos gastos dos mais pobres desde 2000 chegará a 90% (enquanto os países mais ricos deverão registrar um aumento de apenas 22% em sua conta de importação de cereais). Para piorar o cenário, as mudanças climáticas deverão ser mais prejudiciais à agricultura justamente nas regiões mais pobres do planeta, onde a produção de vários tipos de cereal já tem apresentado quedas preocupantes.
De acordo com Gustavo Chianca, que foi diretor da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e atualmente trabalha na FAO, a solução do problema passa essencialmente pelo fomento da produção e pela busca de tecnologias adequadas às condições das áreas rurais pobres, onde vive a maioria das pessoas desnutridas do mundo.
Problemas e oportunidades
Na América Latina, diz a FAO, a população de desnutridos caiu 59 milhões para 52 milhões de pessoas entre 1990-92 e 2001-03. Especialmente neste subcontinente, cuja produção de cereais equivale a 2.880 calorias diárias per capita e vem aumentando mais rapidamente que a média mundial, o fato de a fome ainda atingir 10% da população não se deve à escassez de alimentos, mas à pobreza de grandes parcelas da população.
Jorge Ortega, especialista da FAO em economia de sistemas alimentares, diz que o grande desafio da região é o combate à pobreza, a consolidação de modelos de desenvolvimento com maior distribuição de renda e a geração de melhores empregos na área rural. “Se caminharmos nessa direção, poderemos alimentar a nossa população e aumentar a capacidade de gerar excedentes para exportação.”
Mas Ortega considera que as perspectivas de elevação das temperaturas e de crescimento da demanda de biocombustíveis exigem atenção especial na América Latina. “Os biocombustíveis podem dar um novo impulso para o desenvolvimento da nossa região, mas é preciso lembrar que toda inovação tecnológica beneficia alguns e prejudica outros.”
Para que o potencial de produção de alimentos seja bem explorado por aqui, diz Ortega, medidas de mitigação e adaptações, além da adoção de novas tecnologias, devem ser bem planejadas e articuladas. Desafio que ganhará um fórum de debate, de amplitude planetária, em julho do ano que vem, quando a FAO deverá promover em sua sede, em Roma, um congresso sobre mudanças climáticas, biocombustíveis e produção de alimentos. No Brasil, onde, segundo o IBGE, a população deverá chegar ao ápice, acima dos 260 milhões, por volta de 2060, um grupo de pesquisadores da Embrapa e do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp, vem produzindo estimativas do impacto das mudanças climáticas. Em 2005, divulgaram resultados preocupantes, baseados em projeções dos efeitos de uma elevação média de até 5,8 graus da temperatura planetária sobre a produção brasileira de importantes commodities agrícolas. No pior cenário, as áreas aptas para as culturas de soja, por exemplo, sofreriam reduções de cerca de 65%.
Atualmente as pesquisas estão entrando numa nova fase, na qual serão avaliadas perspectivas e alternativas para dezenas de produtos da agroindústria nacional. Diversos cenários de variação climática serão simulados de forma detalhada, levando em conta as características de cada região, com base em mapeamentos e previsões meteorológicas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
“Num primeiro momento, nós alertamos que, se nada fosse feito, as perdas poderiam ser dramáticas”, conta Eduardo Assad, chefe da Embrapa Informática. “Acho que ajudamos a acelerar a tomada de consciência e as ações. Agora estamos mostrando também muitas alternativas e oportunidades que se apresentam para o País”, explica Assad. As adaptações que, segundo ele, podem preservar e até ampliar a capacidade produtiva no Brasil incluem melhoramentos genéticos, substituição e alternância de culturas, novas formas de plantio e manejo, adoção de sistemas agroflorestais, associação de pecuária e agricultura e recuperação de técnicas tradicionais que haviam sido abandonadas. “Nossos estudos mostram as oportunidades que temos de executar uma política agrícola que racionalize o uso da terra”, diz Hilton Pinto, diretor-associado do Cepagri. Racionalização que deve ser feita, explica o pesquisador, através de um bom zoneamento e da recuperação de áreas degradadas, levando em conta a necessidade de não devastar mais o meio ambiente e de preservar os pequenos produtores.
Em meio ao tiroteio político-midiático pró e contra o governo Lula, o Brasil perdeu a chance de aproveitar a atenção dispensada ao Fome Zero para debater e investigar seriamente o problema. Algumas das políticas associadas ao programa-símbolo da primeira fase do governo petista, como a ampliação do Bolsa Família e do crédito para a agricultura familiar, ajudam a explicar a popularidade do presidente em áreas mais pobres do País. Já nos centros urbanos predomina a percepção, em geral reforçada pela imprensa, do caráter marqueteiro e assistencialista e, muitas vezes, equivocado dessas iniciativas.
A fome mora ao lado
Nesse contexto, e diante de estatísticas oficiais, que mostram uma grande redução da desnutrição em crianças de até 5 anos (de 16,6% em 1974-1975 para 4,6% em 2002-2003) , a idéia de que fome não é mais problema no Brasil tem sido propagada aos sete ventos. Mas, de acordo com uma série de trabalhos citados na reportagem de capa da edição de agosto da revista Pesquisa Fapesp, não é bem assim. Quando rigorosamente avaliada por especialistas, boa parte das populações das favelas apresenta sintomas graves de desnutrição.
A obesidade, vista em geral como prova de ausência de fome, muitas vezes mostra uma forma de reação do organismo à nutrição deficiente, explica a bióloga Ana Lydia Sawaya, da Universidade Federal de São Paulo. Baixa estatura, hipertensão, diabetes, problemas renais e cognitivos são outros efeitos da fome mascarada, que afeta muitas crianças nas periferias e deixa seqüelas. Realidade que tem passado despercebida pelas estatísticas e ao largo do noticiário.
Os números da fome no Brasil são controversos, inclusive pela variação de conceitos envolvidos e dos métodos de aferição. No início do Fome Zero o governo se referia a mais de 40 milhões de subnutridos. Segundo um estudo da FAO, em 2003 a fome atingia 15,6 milhões de pessoas.
É certo que multidões de brasileiros desnutridos encontram-se à margem da discussão sobre como saciar a fome de um mundo que ainda virá. Diante deles, a premência dos que apelam para a boa alimentação das populações futuras sem se preocupar com as atuais revela-se uma velha retórica. Quem de fato se preocupa com as urgências de hoje deve, entretanto, abordá-las de forma a não comprometer o futuro, uma vez que o direito à vida, e portanto à comida, deve valer igualmente a qualquer hora, em qualquer lugar. Trata-se de estabelecer, como queria Malthus, certos princípios. Se não por determinação divina, por necessidade e vontade humanas.