Para atender à maior procura por comida, o desafio está menos na quantidade e mais na forma como é obtida. Inovações nos modelos de produção são cada vez mais necessárias para torná-los sustentáveis
Por Amália Safatle
Reza o dito popular: “Você é o que você come”. Extrapole a máxima para a sociedade e o problema está posto. A agricultura, base maior da alimentação humana, é a atividade econômica que mais impacta o meio ambiente, ao mesmo tempo que depende dele intrinsecamente. Ao ingerir alimentos produzidos de forma tão prejudicial, a civilização moderna condena, portanto, a si mesma?
Em um cenário de aumento de demanda por alimentos, como descrito na reportagem anterior, o problema posto ganha maiores dimensões. Especialistas ouvidos por PÁGINA22 são quase unânimes em responder: tecnicamente, a oferta será capaz de atender a demanda, pois há muito o que ganhar em termos de produtividade e a população tende a se estabilizar. Mas alertam: somente com a adoção de modelos inovadores de produção e políticas de acesso a esses alimentos essa equação será sustentável.
“Hoje o mundo produz o suficiente de alimentos e ainda sobra. O problema da fome está no acesso desigual a esses alimentos. Se o mundo resolver o problema do acesso, uma questão permanece: até que ponto esse paradigma de produção dará conta da demanda?”, questiona Sergio Salles Filho, professor titular do Instituto de Geociências da Unicamp. Segundo José Graziano, representante na América Latina e no Caribe da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as projeções para 2030 não indicam pressão substantiva sobre oferta. De acordo com ele, hoje as únicas regiões do mundo que não produzem a quantidade de alimentos de que precisam são a África Subsaariana e, na América Latina, o Haiti. De qualquer forma, a oferta terá de atender a pelo menos 1,5 bilhão de bocas a mais. “O desafio será aumentar a oferta ao mesmo tempo que se reduz o uso de insumos químicos”, diz Graziano. Além de criar sistemas produtivos nos locais onde se passa fome.
Cultura e agricultura
Enquanto buscava comida por meio da caça e da coleta, o ser humano transformou pouco o ambiente a seu redor. Mas isso durou somente até o Neolítico. Quando passou a adaptá-lo às próprias necessidades e dessa forma controlar suas fontes de alimentação, protagonizou uma profunda mudança cultural que um arqueólogo inglês cunhou de Revolução Neolítica.
As primeiras atividades agrícolas de que se tem história se deram entre os anos 9000 e 7000 antes de Cristo, em terras férteis da Síria, do sul da Anatólia e do norte da Mesopotâmia. Hoje, a agroindústria é o maior setor econômico do planeta: emprega cerca de 1,3 bilhão de pessoas e gera anualmente US$ 1,3 trilhão em receitas. Mais da metade de toda área habitável do planeta é usada para agricultura e criação animal.
Tudo isso para dizer que revolução é um termo recorrente quando se fala em produção de alimentos. Até mesmo a Revolução Industrial explica a forma como se produz comida no campo, pois nos séculos XVIII e XIX já dera as raízes para a Revolução Verde lançada nos anos 1960 – quando passou a vigorar o atual paradigma da produção em larga escala, em monoculturas, com uso intensivo de maquinários, adubos químicos e agrotóxicos.
Com esse aparato tecnológico, a população mundial mais que dobrou, enquanto, em média, a produção per capita de alimentos aumentou 24% e os preços de alimentos caíram 40%.
Mas esse modelo que propicia oferta de alimentos em quantidade e a preço baixo – e ainda sustenta a balança comercial de países em desenvolvimento como o Brasil, onde responde por 90% do saldo – gera externalidades, como exclusão social, exploração de mão-de-obra, concentração de renda e impactos ambientais severos. Por isso Ignacy Sachs, diretor do Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, é um dos defendem uma outra revolução, a Duplamente Verde, com ganhos econômicos aliados aos socioambientais.
Revolução ou inovação?
Quando se vêem os dados sobre os impactos da agricultura (leia quadro “Haja Estômago”), parece que Sachs prega no deserto. Talvez não. Sementes de uma lavoura moderna passam a ser lançadas aqui e ali. Até os setores ditos mais conservadores da produção agrícola e industrial de alimentos começam a digerir a idéia de produzir de forma mais responsável – ou menos impactante.
É cedo para saber se uma nova revolução se esboça, mas já se pode dizer que velhas práticas correm o risco de sucumbir a uma onda de inovação. Isso se dá no momento em que se buscam saídas para a sinuca de bico: atender a enorme demanda mundial de alimentos, lidar com recursos naturais mais escassos, reduzir os impactos socioambientais e criar condições de melhor distribuição e acesso à comida. Tudo ao mesmo tempo. E com um agravante de proporções mundiais: sob mudanças climáticas.
A Organização das Nações Unidas alerta para o risco de desastres naturais inviabilizarem parte significativa da produção global de alimentos. A América do Sul, por exemplo, poderá perder 25% das terras produtivas até 2025, devido à desertificação, fenômeno impulsionado pelo aquecimento. Na Índia, as inundações devem reduzir em 18% a produção de cereais.
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV), cita o Prêmio Nobel de Química Alan MacDiarmid para salientar que, dos dez maiores problemas para a humanidade resolver nos próximos 50 anos, cinco estão relacionados à produção agrícola: energia, água, alimentos, meio ambiente e pobreza.
“Há cinco anos não se falava em sustentabilidade. Agora só se fala nisso. Virou especificação de mercado”, enfatiza Carlo Lovatelli, que preside a Associação Brasileira de Agribusiness (Abag) e a Abiove, entidade que reúne as indústrias de óleos vegetais, além de ser representante da Bunge Alimentos, maior empresa do setor de agronegócio no Brasil, segundo o Anuário Valor 1000.
Sob a batuta de Lovatelli e atentas às exigências crescentes, sobretudo do mercado europeu, as dez maiores cadeias de produção agrícola brasileira uniram-se para lançar, neste início de setembro, o Instituto para o Agronegócio Responsável (Ares). Uma das linhas de ação será justamente mapear os impactos socioambientais da produção, identificar o que pode ser melhorado para minimizá-los e promover fóruns de discussão com os vários setores da sociedade com os quais o agronegócio se relaciona, de consumidores a organizações não governamentais, de fornecedores a governos.
Em movimento similar, a indústria de alimentos e algumas redes de distribuição também lançaram um projeto, de escala internacional, que reúne o setor privado, entidades civis e governos. Food Lab, ou “laboratório de alimentação”, é o nome da iniciativa que congrega empresas como Carrefour, Nestlé, Unilever e Sadia.
Junk food
O projeto parte de várias constatações de cunho econômico e socioambiental. Entre elas, a de que, sem políticas adequadas, os pequenos produtores e camponeses tornam-se ineficientes, jogados numa luta de mercado desigual. Esses fornecedores ainda sofrem com os achatamentos de preço, considerando que a força econômica está concentrada no setor de distribuição. Além disso, a produção em escala barateia os alimentos, enquanto contribui para perda de solo e de habitats. Os consumidores escolhem alimentos menos saudáveis e nutritivos, baseados sobretudo no critério de preço, ao mesmo tempo que as empresas colocam nas prateleiras produtos carregados de açúcar e gorduras.
Para Wilson Nobre Filho, professor da FGV, a questão é que a sociedade moderna foi construída em cima de indústrias voltadas a um único stakeholder: o acionista. Não seria diferente na de alimentos. Se ela vende produtos menos nutritivos, mas lucrativos, está respeitando a lógica econômica. Que gera outras demandas. “De um lado se produzem alimentos menos saudáveis, e de outro é criado um lucrativo mercado para tratamento da saúde e venda de medicamentos e vitaminas. Hoje se vive mais não porque se come melhor, mas porque a medicina avançou”, afirma.
Nessa lógica, os alimentos que a natureza desenvolveu são “desconstruídos” pela indústria. O milho, por exemplo, levou milhares de anos para chegar a um determinado conjunto de nutrientes. “Aí a indústria pega esse grão, separa os nutrientes, deixa só o amido e fabrica o cornflakes. Depois adiciona vitaminas”, diz. “Por isso é preciso inovar no conceito de alimentação: tomá-la como nutrição e não como saciedade. Na produção e demanda sustentável de alimentos é necessário aplicar o conceito de ‘eficiência alimentar’, em que vale menos a quantidade e mais a qualidade”, defende Nobre.
Meire Ferreira, coordenadora de sustentabilidade da Sadia e integrante do time do Food Lab, conta que a idéia é desenvolver políticas para a cadeia de suprimentos que recompensem a produção mais sustentável, incentive a produção saudável de alimentos e melhore a vida de pequenos e médios agricultores e de pescadores. Falta agora definir como tudo será colocado em prática.
Mas por que grupos que alcançaram grande projeção econômica parecem interessados em mudar a forma de agir?
Agenda comum
“Tenho ficado surpreso com os membros de conselho das empresas dizendo ‘não quero mais fazer assim’ e se mostrando abertos a mudanças de práticas”, afirma Roberto Waack, integrante do conselho do Food Lab e sóciodiretor da Amata, empresa que atua na área florestal.
Na sua avaliação, isso resulta de pressões que vêm menos do consumidor final e mais da reputação diante de mercados internacionais, das novas regulamentações e dos movimentos da sociedade civil. É como se a opinião pública caminhasse de forma cada vez mais consistente nessa direção, buscando uma agenda comum.
Segundo ele, isso tem levado a um modelo inovador de relacionamento entre os setores da sociedade, estabelecendo-se parcerias até um tempo atrás impensáveis, como a da ONG Greenpeace com a Abiove e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, que declararam conjuntamente a moratória da soja – um compromisso de não comprar grãos produzidos em áreas de desmatamento do bioma amazônico.
“Fui chamado de louco quando disse que ia sentar à mesa com o Greenpeace. Acontece que as ONGs nos deram credibilidade. Fui o primeiro (do setor) a ver isso. Além disso, sempre tem uma agenda comum, por mais que os interesses sejam opostos. Se o cara torce para o mesmo time de futebol, já é um começo de conversa para chegar em outros assuntos”, diz Lovatelli.
Pragmático, o executivo sabe que seus negócios dependerão de uma resposta efetiva às pressões de mercado, que um dia não serão apenas européias. “Hoje os europeus não querem saber de soja produzida nem nos 20% permitido por lei para cultivo na Amazônia. A Índia e a China um dia vão chegar nisso também”, diz.
Mas, enquanto não chegam, os produtores de soja e outras culturas tratam de aproveitar a bonança de uma demanda com poucas restrições socioambientais. E para isso existem outros biomas não “protegidos” pela opinião pública internacional, como o Cerrado – que para Lovatelli é um “pasto”, de vegetação rala, onde a lei permite desmatar 65% da propriedade. Essas fazem parte dos 90 milhões de hectares de terras virgens agricultáveis no Brasil, que se juntam a mais 220 milhões de hectares de pastagens e terras degradadas. Sem precisar mexer na Amazônia. (leia mais sobre o Cerrado na Entrevista desta edição)
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de soja – a mais barata fonte de proteína –, com 65 milhões de toneladas por ano, atrás dos EUA. O complexo de soja mundial movimenta US$ 50 bilhões anuais, segundo a Abiove, e grande parte desse total é consumido na Ásia, notadamente Índia e China.
Mais que isso, o que faz brilhar os olhos de qualquer produtor e trader de soja ou outra commodity são as possibilidades de aumento da demanda proveniente desses países, onde residem 40% dos habitantes do mundo. Embora China e Índia tenham taxas brutais de desaceleração da população, esta é tão numerosa que um sensível aumento na demanda surte efeito gigantesco.
Uma conta rápida: com 2,4 bilhões de habitantes, se esses países aumentarem em 1 quilo o consumo de óleo de soja ao ano per capita, são 2,4 milhões de toneladas de óleo a mais – ou tudo o que o Brasil exporta do produto no período.
E esse aumento de oferta difi cilmente será produzido dentro de casa. Conforme veiculado na agência EFE, o uso de inseticidas e a exaustão das águas subterrâneas vai derrubar em 10% a colheita de cereais na China até 2030.
Com uma demanda de importações tão grande, qualquer transformação que venha desses países na busca de alimentos produzidos sob determinados critérios socioambientais revolucionaria a produção nos países exportadores, o que exigiria doses maciças de inovação.
“Essa virada não está longe de acontecer”, acredita Waack, da Amata, que recentemente esteve na China. “Não há um dia que não tenha um jornal ‘falando’ muito do tema. Além do mais, lá existe uma forte exposição aos danos ambientais e uma população educada, que se dá conta disso.”
Lógica econômica
Assim, ao contrário do senso comum, a pressão mundial para a inovação no setor de alimentos pode ser muito interessante para o produtor de agrotóxicos. “A demanda por produtos com maior degradabilidade e menor toxicidade, por exemplo, é capaz de gerar um lucrativo mercado”, acredita Waack, para quem a tendência é se produzir em larga escala, com menores danos ambientais e uso racional de agroquímicos.
“Não tem jeito de não se produzir em escala. Há uma demanda absurda pelo que se chama de 4 efes: feed (ração), food (alimentos), fuel (combustível) e fi bre (papel e celulose)”, diz o executivo.
Isso sinaliza que as mudanças são apenas “adaptações” no atual modelo monocultor e concentrador de renda, sem mudança mais profunda de paradigma? “Economia de escala pressupõe eliminar as diferenças, enquanto os sistemas alternativos, orgânicos e agroecológicos funcionam justamente com base na diversidade. E quanto mais diverso for esse sistema, mais estável. Ou sustentável”, explica Nobre, da FGV.
O exemplo da empresa Native, maior exportadora de açúcar orgânico do mundo, prova que esse tipo de plantio, que é consorciado a áreas florestais e controle biológico de pragas, também pode ser feito em grande escala e de forma muito produtiva.
A História ensina que não existe “se”. Jamais se saberá o que teria acontecido “se” a Revolução Verde não tivesse acontecido. Talvez a população não teria crescido tanto, ou a fome seria um problema muito mais generalizado no mundo. Talvez doses maiores de investimento tecnológico teriam sido aplicadas em sistemas de produção descentralizados, familiares e agroecológicos. Mas Nobre faz um exercício de imaginação: “Se a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) não tivesse investido 30 anos de pesquisa na soja do Cerrado, ela também não tão seria tão produtiva”, diz.
Com isso quer dizer que os sistemas agroecológicos podem ser tão ou mais produtivos se receberem injeções de tecnologia e de pesquisa. Mas para isso a sociedade – governo, mercados – precisa apoiar esse novo modelo. Do jeito que está hoje “a agricultura familiar não está preparada para dar conta da demanda de alimentos, precisa de políticas diferenciadas”, avalia Renato Maluf, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), secretaria ligada à Presidência da República.
O modelo monocultor em larga escala poderá até continuar dominante, mas Sergio Salles, da Unicamp, lembra que qualquer atividade econômica, depois da uniformização, tende à diversifi cação, para busca de maiores rendimentos.
Na Revolução Duplamente Verde, defendida por Ignacy Sachs, sistemas integrados de produção combinam diversifi cação com alta produtividade para oferta de alimentos e energia. “É o que ele chama de nova civilização da biomassa, como base para produção de ração, alimentos, fármacos, construção verde”, destaca José Carlos Pedreira, diretor da Hecta Desenvolvimento Empresarial no Agronegócio.
Numa linha similar, o ex-ministro Roberto Rodrigues defende modelos inovadores de produção, como a integração lavoura-pecuária, sistema que alterna a “roça” com a criação de gado, permitindo duas “safras” num ano só. “Essa prática tende a explodir, mas para isso precisa de incentivos via fi nanciamento”, afirma.
Enquanto isso, algumas técnicas já usadas em larga escala no Brasil minimizam signifi cativamente o impacto na produção de alimentos. Segundo José Geraldo Eugênio de França, diretor-executivo da Embrapa, uma delas é o plantio direto, que elimina a necessidade de revolvimento do solo, utiliza a matéria orgânica da colheita e permite maior aproveitamento da irrigação.
Outra é a fixação biológica de nitrogênio. A Embrapa descobriu que a bactéria rizóbio, se colocada em contato com as sementes no plantio, ajuda as raízes a retirar o nitrogênio do ar e fornecê-lo às plantas, num processo biológico que substitui o químico. O nitrogênio é o grande responsável pelo crescimento e florescimento das plantas. Só que convencionalmente é obtido do petróleo, aplicado direto no solo, e leva à contaminação do ambiente.
Hoje, segundo França, praticamente toda a soja brasileira utiliza essa tecnologia, que começa a ser aplicada também na cana-de-açúcar e deve chegar ao milho e ao arroz. “A tendência para a produção de alimentos é essa: usar cada vez mais recursos da própria natureza”, afi rma Graziano, da FAO.
Nos riscos da busca pela inovação está a difusão do uso de transgênicos sem que seja respeitado o Princípio da Precaução (leia mais em reportagem Controversos por Natureza, edição 11). Para Renato Maluf, embora seja apresentado como alternativa para equacionar problema da oferta e com menor uso de insumos e aumento da produtividade, o modelo da produção transgênica na verdade reforça o paradigma da Revolução Verde.
É preciso lembrar que as empresas que hoje vendem a tecnologia transgênica originalmente vendiam agrotóxicos e, por isso, estariam se adaptando a uma nova demanda da sociedade, que a cada vez mais rejeita esses insumos químicos. Em modelos inovadores, as empresas não se moldam à nova conjuntura. Elas é que protagonizam as mudanças.
BENEFÍCIOS MENORES DO QUE SE APREGOA
ESTUDO INDICA QUE O BRASIL GANHARIA POUCO MESMO COM QUEDA BRUTAL DO SUBSÍDIOS AGRÍCOLAS
É inconteste a tese de que os pesados subsídios concedidos à produção agrícola nos países desenvolvidos são um fator de distorção na lei de oferta e procura de alimentos no comércio internacional. O protecionismo é motivo de descontentamento dos grupos do agribusiness brasileiro, e combatê-lo constitui a grande bandeira empunhada pelo Itamaraty nas negociações. O que pouco se discute é real eficácia desse combate, uma vez que é improvável a queda substancial dos incentivos – os países têm razões políticas e econômicas para mantê-los – e, mesmo que ocorra, surtiria benefícios menores e menos generalizados do que se apregoa. É o que mostra um estudo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da USP, realizado a pedido da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Carlos Azzoni, diretor da FEA e coordenador do estudo, explica que foi feita simulação a partir da hipótese, impensável de ocorrer na prática, de queda de 50% no volume de subsídios na Europa. “Mesmo com uma mudança tão absurda, os impactos no Brasil não seriam tão grandes.” A pesquisa analisou o comportamento de preço das commodities – quando se mantêm os subsídios, os preços permanecem abaixo do nível de mercado – e como isso alteraria a renda dos agricultores e do setor agrícola. A conclusão foi de que o aumento de preços elevaria em apenas 2,95% a renda familiar dos trabalhadores rurais, em 2,84% a dos grandes produtores e em 1,49% a dos pequenos agricultores.
Em contrapartida, elevaria o preço dos alimentos para os consumidores finais nas áreas urbanas. “Quanto se retiram os subsídios, os preços não sobem na mesma proporção, porque o mercado acaba se ajustando”, explica Azzoni. Segundo o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, é de fato impossível acabar com protecionismo, pois não há mínimo múltiplo comum entre os negociadores, e cada país está no direito de defender os próprios interesses. O que em sua opinião não invalida a ação do Itamaraty: “Ele age como se faz em qualquer negociação: sempre pede mais do que vale para chegar aonde quer”.
A proposta de Rodrigues para os países desenvolvidos é que os governos continuem apoiando seus produtores – “assim resolve o problema deles” –, desde que não coloquem o excedente da produção subsidiada para concorrer com países em desenvolvimento.
HAJA ESTÔMAGO CONSEQÜÊNCIAS DO ATUAL MODELO DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS
– Desde 1945, 1,2 bilhão de hectares de terra usados na agricultura – o equivalente a China e Índia juntas – foram perdidos pela degradação ambiental.
– O mundo ainda perde aproximadamente 10 milhões de hectares por ano de terra arável em função da degradação do solo
– Mais de 70% das regiões de pesca do mundo estão superutilizadas ou completamente esvaziadas; 20% das espécies de peixes de água doce estão extintas ou ameaçadas de extinção.
– Aproximadamente 30% da área potencial do mundo de fl orestas temperadas, subtropicais e tropicais já se converteu em agricultura, e a taxa de conversão continua em torno de 13 milhões de hectares por ano.
– A irrigação consome 70% da água utilizada no mundo, e somente de 30% a 60% disso retorna para uso na alimentação, o que torna a agricultura a maior consumidora líquida de água doce.
– Comida barata para os ricos, comida cara para os pobres: nos EUA, um cidadão gasta cerca de 14% de seu salário com comida.
– Nos países em desenvolvimento, este número chega até a 75%.
– Cerca de 80% das pessoas famintas no mundo vivem em áreas rurais e dependem da agricultura para viver.
– Estudos recentes associaram pesticidas a leucemia infantil, tumor de rim, tumor de cérebro, problemas de aprendizagem e memória.
– Trabalhadores rurais têm 15 vezes mais chances de apresentar sintomas de exposição a pesticidas. Nos EUA, 300 mil trabalhadores rurais por ano sofrem envenenamento agudo por pesticidas.