As leis da termodinâmica mostram que reciclar não é suficiente: é hora de a economia abandonar o paradigma da mecânica clássica e assumir a irreversibilidade dos processos “produtivos”
Por Roberta Simonetti E Cristiano Rodrigues de Mattos
O que a economia tem a ver com um ovo frito? À primeira vista, nada. Mas o processo envolvido na simples fritura de um ovo pode ajudar a entender por que as atividades econômicas dos homens estão ligadas às leis que regem a natureza. E, de quebra, revelar os motivos pelos quais, se queremos pensar na sustentabilidade da sociedade humana sobre a Terra, é preciso buscar um novo modelo econômico.
Um ovo frito não gera galinha! A frase parece óbvia, mas embute algo além de uma deliciosa refeição: a existência de uma “direção preferencial do tempo”, em outras palavras, a irreversibilidade dos processos. A fritura modifica a estrutura interna e o potencial do ovo, que, sob certas condições,o levariam a transformar-se em uma galinha. À medida que o ovo é aquecido, entretanto, tal potencial é inviabilizado, em um processo irreversível. Ele inclui a conservação de energia, mas também sua transformação.
Indissociáveis, energia e entropia são faces de uma mesma moeda, segundo a termodinâmica, uma área de Física que estuda as transformações de energia e como a energia pode ser usada para gerar trabalho.A primeira lei da termodinâmica refere-se à conservação da energia e a segunda, ao limite de transformação de uma forma de energia disponível em outras indisponíveis para os propósitos humanos. A energia transformada na fritura torna impossível que o ovo se transforme em galinha. O resíduo (produto) da transformação, porém, pode ser aproveitado como um belo jantar, por exemplo. Nos processos de transformação de energia criados pelo homem é inexorávelo aumento de entropia.
Transformações como a sofrida pelo ovo durante a fritura ocorrem em todos os processos, mas nem toda a ação humana incorpora as leis da termodinâmica. O mundo provavelmente seria bem diferente hoje se elas tivessem sido compreendidas e incorporadas, por exemplo, pela Economia.
Máquinas e ciclos
A termodinâmica desenvolveu-se a partir da necessidade de aumentar a eficiência das primeiras máquinas térmicas, que, ao gerar movimento, eram capazes de realizar trabalhos que o homem, de outra forma, não poderia. James Prescott Joule, físico britânico que viveu no século XIX, demonstrou a equivalência entre a energia térmica e a mecânica, estabelecendo as bases da primeira lei: a conservação da energia em sistemas fechados. Ao assumir que o Universo é um sistema fechado, podemos dizer que sua energia total é constante.
Para saber se seria possível transformar todo o calor disponível em trabalho, o francês Sadicarnot (1796-1832) realizou experiências e concluiu que nenhum processo é 100% eficiente: apenas uma fração da energia térmica pode ser transformada em energia disponível para uso humano. Uma parte fica indisponível, dissipada no ambiente. A energia total se conserva, mas se transforma. Enquanto a primeira lei da termodinâmica reflete algo imutável – a conservação da energia –, a segunda, inerente a esta conservação, refere-se à mudança da qualidade da energia.
Os automóveis ainda funcionam como as máquinas térmicas da Revolução Industrial, movidos por motor a combustão ou explosão, com um cilindro fechado ligado a um pistão. Atrelados à indústria automobilística estão restos mortais acumulados na crosta terrestre por milhões de anos: os combustíveis fósseis. Ao extrair petróleo e carvão e queimá-los no interior das “máquinas térmicas”, transformamos energia química em energia térmica e esta, em energia mecânica e energia térmica indisponível (o aquecimento do motor e de sua vizinhança). Ainda que a energia total se conserve, a transformação faz com que, inexoravelmente, aumente a entropia na Terra.
O processo evolutivo do planeta gerou o que se pode chamar de “máquinas térmicas biológicas”: seres autotróficos, como os vegetais, que produzem o próprio alimento, transformam energia luminosa (radiação) e química (minerais, água e gás carbônico) em biomassa e oxigênio, por meio da fotossíntese. Várias dessas “máquinas” se agregam de maneira a utilizar as energias indisponíveis, ou os resíduos, uma das outras.
Ciclos como os do carbono e do nitrogênio constituem uma série de transformações de energia e de aumento de entropia, minimizado pela máquina seguinte, e mantêm a produção de entropia baixa e os ecossistemas em equilíbrio dinâmico e auto-regulado há milhões de anos. Há uma impressionante especialização de cada ciclo, intimamente ligada à biodiversidade.
Os homens aproveitam a radiação solar indiretamente, por meio da energia química contida nos alimentos, que transformam em energia mecânica (movimento) e térmica (calor). O organismo trabalha para manter uma ordem interna, ou seja, minimizar a produção (aumento) de entropia. A organização estrutural complexa de ciclos no corpo humano, como nos sistemas ecológicos, devolve ao ambiente resíduos com maior entropia, que podem ser aproveitados por outras “máquinas”. Caso dos seres autotróficos que usam o gás carbônico resultante da respiração humana e, em grande escala, da queima de combustíveis fósseis.
Pensamento errante
Em trabalhos publicados nos anos 60 e 70, o economista Nicholas Georgescu- Roegen (1906-1994) afirmou que a entropia não é bem compreendida e que os “próprios físicos podem cometer enganos”. Os economistas, por sua vez, equivocam-se ao centrar-se mais na formulação matemática do conceito do que no “significado fenomenológico” subjacente a ele.
Até hoje o conceito ainda não foi apropriado, como aparenta ter sido o de energia, e este fato determina não só os modelos econômicos predominantes, mas o comportamento individual dos homens.
Os modelos econômicos baseiam-se no paradigma da mecânica clássica, em que o tempo é uma variável que pode assumir qualquer valor, por isso, nada impede que seja reversível. Georgescu, por outro lado, argumentou que a termodinâmica é mais adequada como base da economia, pois é preciso levar em conta o aumento da entropia no processo “produtivo”, revelando a faceta de sua irreversibilidade.
O debate entre os defensores do paradigma mecânico e os do termodinâmico revive, em certa medida, a transição do modelo geocêntrico de Aristóteles para o heliocêntrico de Copérnico. O “geocentrismo”, a partir de certo momento histórico, não dava conta de explicar vários fenômenos astronômicos, entre eles o movimento dos planetas, vistos como “estrelas errantes”. O acúmulo de evidências de que o modelo começava a falhar levou a propostas concorrentes, entre elas a heliocêntrica.
Tal transição é considerada hoje a primeira das grandes revoluções no pensamento humano, pois, em última instância, envolveu a retirada do homem do centro do universo. Por isso, sua aceitação demandou quase um século.
Hoje, novamente, a humanidade se depara com questões nunca dantes enfrentadas. A visão do planeta azul a partir do espaço tornou concretos os limites da Terra e, portanto, dos recursos. Pode parecer absurdo, mas os modelos que embasam a sociedade contemporânea não incorporam esse fato. Na verdade, os processos “produtivos” nada mais são do que transformações. Além da finitude dos recursos, existem problemas inexoráveis – para os homens – relacionados a estas transformações.
O principal é a impossibilidade de transformar sem deteriorar, que fundamenta a idéia de que reciclar não é suficiente. Além de exigir quantidade enorme de energia, a reciclagem diminui a qualidade e a disponibilidade de energia – em outras palavras, aumenta a entropia – em cada processo, ou ciclo. Por isso, é preciso primeiro repensar – o processo em questão reflete necessidade ou desejo? –, reduzir em seguida, reusar o máximo possível e, só então, reciclar. No momento, a necessidade mais premente parece ser a de repensar o modelo econômico.