O debate estreito sobre entraves ignora que a biocapacidade é o trunfo do Brasil em um mundo em que são poucos os credores ambientais
Por Mario Monzoni* e André Carvalho**
Na seara econômica, vive-se euforia. O Brasil alcançou o sonhado investment grade – indicador da capacidade de empresas e países de arcar com obrigações financeiras. O comércio vai de vento em popa – de grãos para alimentar rebanhos a minério que movimenta indústrias, o País beneficia-se da extravaganza chinesa. Planeja-se a volta das grandes obras, usinas hidrelétricas, portos e rodovias – grande parte na Região Norte.
Do lado ambiental, o País perdeu um emblema com a saída de Marina Silva do Ministério. Flexibilizam-se regras para punir os que desmatam, pretende-se reduzir a exigência de conservação de áreas naturais em propriedades particulares e as licenças ambientais devem fluir. Reduz-se o debate à visão simplista que tem no meio ambiente o principal entrave ao desenvolvimento.
Ignora-se que, em nome da competitividade do parque produtivo nacional, o Brasil exporta água, solo, energia e biodiversidade – sua biocapacidade ou capital natural – de graça ou às custas de subsídios pagos pela população. Esquece-se de que não há investment grade que garanta a perenidade dos recursos e serviços ambientais que sustentam a população e a economia.
Nessa conversa entre surdos e mudos, o pensamento econômico tradicional prevalece. Em uma tentativa de realmente comunicar, este Ensaio usa a linguagem econômica vigente para alertar para a urgência de centrar-se no que interessa no debate sobre o meio ambiente.
Cheque especial
Desde criança aprendemos que, se gastamos mais do que ganhamos, mas pretendemos manter o padrão de consumo, temos que recorrer à poupança, ou pedir emprestado, para fazer frente ao “déficit orçamentário” que resulta. Tal conceito vale para um indivíduo, uma família, e para as nações.
Sabemos também que, se muito usados, a poupança e o crédito acabam. Mas, quando o assunto é natureza, a dificuldade de indivíduos, famílias e nações compreenderemo mesmo conceito é imensa.
Não por falta de formas de mensuração.Reconhecida como a mais robusta ferramenta para avaliação de impactos ambientais, a pegada ecológica mede a área, em termos de solo e água, necessária para produzir os recursos que indivíduos, famílias e nações consomem e absorver os resíduos que geram, considerando-se a tecnologia disponível.
A sustentabilidade ecológica do planeta é dada pela capacidade da natureza, ou biocapacidade, de atender a tal demanda. Quando recursos são consumidos em ritmo mais rápido do que produzidos ou renovados, o estoque diminui até o esgotamento.
Da mesma forma que o Produto Interno Bruto (PIB) mede, com base no consumo de bens e serviços, o valor econômico “adicionado” pelo homem e suas tecnologias às matérias-primas ao longo das cadeias produtivas – por exemplo, desde a extração do minério de ferro até sua transformação em partes de automóvel -, a pegada ecológica contabiliza o consumo de recursos e serviços naturais pelas atividades humanas.
A demanda global por recursos naturais ultrapassou a capacidade de oferta da Terra no fim dos anos 80, de acordo com a Global Footprint Network, uma ONG que trabalha para tornar a métrica da pegada ecológica tão proeminente quanto o PIB. O limite da oferta é determinado pela capacidade de regeneração de recursos e serviços naturais – nunca é demais lembrar que temos apenas um planeta à disposição para obter recursos e depositar resíduos.
Em 2003, consumíamos 23% além do que a biocapacidade do planeta oferece. Ou seja, entramos no cheque especial. Como não há outro planeta para pedir emprestado, para manter o padrão de consumo a saída é recorrer à poupança de recursos e serviços ambientais – graças às diferenças no ritmo e na qualidade do desenvolvimento, alguns países têm superávit, enquanto outros há tempos estão em débito com a natureza.
Os países são sofisticadíssimos na arte de contabilizar valores econômicos adicionados nas contas nacionais, isentando ou taxando determinados segmentos em nome de políticas industriais e do princípio da competitividade comercial. Esquecem-se de contabilizar, entretanto, a biocapacidade necessária para que se possa adicionar valor na produção de bens e serviços a serem consumidos e exportados.
A pegada ecológica de uma nação é composta da demanda por recursos e serviços ambientais para dar conta da produção interna, mais as importações. Ao subtraírem-se as exportações, chega-se à pegada ecológica do consumo aparente. Valor que, dividido pela população, é igual à pegada de consumo per capita.
O país conta com uma reserva ecológica – ou seja, é um credor ambiental – quando sua pegada é menor do que sua biocapa- cidade. De outra maneira, trata-se de um devedor ambiental. Graças ao comércio internacional, países devedores “financiam” seus déficits ecológicos ao importar a biocapacidade estocada além de suas fronteiras – caso da China, da Índia e da maioria dos países desenvolvidos.
Na média, o consumo de um habitante da América do Norte – EUA e Canadá – de- manda o equivalente a 9,5 hectares globais, enquanto um cidadão que vive em um de 25 países da União Européia consome cerca de 5 hectares globais, segundo a National Footprint Accounts, um sistema que calcula a pegada e a biocapacidade de 150 nações. Contudo, se considerarmos a população mundial de 6,3 bilhões de pessoas e aproximadamente 11,2 bilhões de hectares de superfícies biologicamente produtivas – em valores de 2003 -, a biocapacidade disponível é de 1,8 hectare global per capita.
Sem credor não há devedor
É falacioso, portanto, o argumento de que países desenvolvidos conservam de forma mais adequada os recursos naturais. Tal noção pode ser verdadeira quanto ao meio ambiente interno às suas fronteiras, mas perde o sentido em um mundo economicamente conectado em que as nações recorrem à biocapacidade de outros locais para manter a afluência de seu consumo.
Do ponto de vista econômico, a dívida ecológica é resultado de um problema distributivo com duas faces. De um lado, os países em desenvolvimento não incluem no preço das exportações de produtos não-industriais ou de baixa tecnologia a compensação pelos impactos ambientais gerados na produção. De outro, os países desenvolvidos utilizam-se do espaço físico e dos serviços ambientais do planeta de forma desproporcional, não pagam pela utilização desses ativos, e desconsideram o direito das demais populações a tais recursos e serviços.
No caso brasileiro, a biocapacidade per capita é muito maior do que a pegada ecológica, mas decrescente ao longo do tempo graças ao aumento contínuo da população; à degradação de ecossistemas devido a mudanças no uso do solo, poluição de rios e outros efeitos das atividades humanas; e à exportação de biocapacidade na forma de minerais, solo, água, energia e biodiversidade. O decréscimo da pegada na agricultura, fruto do aumento da produtividade e de novas tecnologias, não compensa o aumento da pegada com a conversão de áreas de floresta em pastagens e a emissão de CO2.
A China apresenta o reverso da moeda: a biocapacidade per capita já não dá conta do consumo de recursos naturais, em especial da demanda por combustíveis fósseis.
Enxergar o meio ambiente como entrave ao desenvolvimento é desconsiderar os recursos naturais e os serviços ambientais como suporte à economia mundial e, antes disso, à experiência humana na Terra. Se há incompatibilidade entre desenvolvimento – que nem de longe significa só crescimento econômico – e práticas de conservação do meio ambiente, a causa encontra-se no campo econômico, e não no ambiental.
O exame da pegada ecológica dos países reforça a idéia de que, mantidos o atual acervo de tecnologias e as matrizes de in- sumos, o padrão de afluência de alguns não poderá ser estendido a todos. Uma solução global requer que os indivíduos revisitem seu consumo, questionando necessidades e preferindo qualidade à quantidade; que se invista em inovação na busca de soluções para produzir riqueza com pegada ecológica decrescente; e que se contabilizem os custos ambientais ao longo das cadeias de valor que atendem às necessidades humanas.
No Brasil, além disso, é urgente que o debate saia das conjunturas do dia-a-dia e centre-se nas questões estratégicas de longo prazo. Se os custos da perda do capital natural não forem incorporados nas contas nacionais e nas funções de custo, é de se perguntar até quando poderemos contar com a biocapacidade que herdamos e, principalmente, se conseguiremos deixá-la como legado para os que virão. Em um mundo em que os recursos e serviços ambientais necessários à manutenção do bem-estar estão concentrados nos países em desenvolvimento, ela é o verdadeiro trunfo econômico do Brasil.
*Coordenador do GVces
**Coordenador do Programa de Produção Sustentável, Empreendedorismo e Cadeia de Valor do GVces
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Poupar, poupar – No Alasca, a receita do petróleo beneficia economicamente gerações presentes e futuras
Um pedaço da biocapacidade brasileira pode acabar em um fundo financeiro, resultado das receitas com a venda de petróleo que, por enquanto, descansa sob grossa crosta de sal no fundo do oceano. De acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, as descobertas da Petrobras podem gerar receitas de até US$ 300 bilhões. Se o plano vingar, o dinheiro iria para um fundo soberano nos moldes do fundo chileno que abriga as receitas do cobre, principal commodity de exportação do país. Ao comprar dólares e mantê-los no fundo – hospedado no exterior -, o governo chileno reduz a pressão de apreciação de sua moeda.
A idéia de fundos para as receitas do petróleo – recurso não renovável, cujo pico de produção global é objeto de intensa discussão entre acadêmicos e analistas – não é nova. O primeiro foi criado em 1953 no Kwait. Hoje, existem duas dezenas, com ativos beirando os US$ 2 trilhões. O Fundo de Pensão do Governo da Noruega incorporou, em 2006, o que até então era um fundo dedicado às receitas do petróleo, criando uma das maiores potências financeiras do mundo, com US$ 340 bilhões em ativos. “O fundo é um instrumento para garantir que uma parte razoável da riqueza gerada pelo petróleo beneficie as gerações futuras”, segundo as diretrizes do fundo. “É uma obrigação ética das presentes gerações administrá-la para que gere retorno sólido”. São proibidos investimentos que causem violações de direitos humanos ou danos ambientais severos.
No Alasca, as presentes gerações levam para casa um naco da riqueza gerada com a extração e venda de petróleo. O Alaska Permanent Fund, criado em 1976, paga dividendo anual aos residentes do estado. A idéia de seus criadores era transformar um recurso não-renovável em ativo que cresce perpetuamente e gera renda a partir de sua gestão. Os fundos da Noruega e do Alasca são reconhecidos pela transparência e pela ausência de ingerência política. Mantega não mencionou as futuras gerações ou a biocapacidade, esteio dos recursos destinados ao fundo. O retorno do investimento das receitas do petróleo, segundo o ministro, serviriam para incentivar os compradores de exportações brasileiras ou empresas nacionais no exterior. Se a equação ambiental fosse levada em conta, parte poderia ser destinada a ações de conservação e desenvolvimento limpo. – por Flavia Pardini
O debate estreito sobre entraves ignora que a biocapacidade é o trunfo do Brasil em um mundo em que são poucos os credores ambientais
Por Mario Monzoni* e André Carvalho**
Na seara econômica, vive-se euforia. O Brasil alcançou o sonhado investment grade – indicador da capacidade de empresas e países de arcar com obrigações financeiras. O comércio vai de vento em popa – de grãos para alimentar rebanhos a minério que movimenta indústrias, o País beneficia-se da extravaganza chinesa. Planeja-se a volta das grandes obras, usinas hidrelétricas, portos e rodovias – grande parte na Região Norte.
Do lado ambiental, o País perdeu um emblema com a saída de Marina Silva do Ministério. Flexibilizam-se regras para punir os que desmatam, pretende-se reduzir a exigência de conservação de áreas naturais em propriedades particulares e as licenças ambientais devem fluir. Reduz-se o debate à visão simplista que tem no meio ambiente o principal entrave ao desenvolvimento.
Ignora-se que, em nome da competitividade do parque produtivo nacional, o Brasil exporta água, solo, energia e biodiversidade – sua biocapacidade ou capital natural – de graça ou às custas de subsídios pagos pela população. Esquece-se de que não há investment grade que garanta a perenidade dos recursos e serviços ambientais que sustentam a população e a economia.
Nessa conversa entre surdos e mudos, o pensamento econômico tradicional prevalece. Em uma tentativa de realmente comunicar, este Ensaio usa a linguagem econômica vigente para alertar para a urgência de centrar-se no que interessa no debate sobre o meio ambiente.
Cheque especial
Desde criança aprendemos que, se gastamos mais do que ganhamos, mas pretendemos manter o padrão de consumo, temos que recorrer à poupança, ou pedir emprestado, para fazer frente ao “déficit orçamentário” que resulta. Tal conceito vale para um indivíduo, uma família, e para as nações.
Sabemos também que, se muito usados, a poupança e o crédito acabam. Mas, quando o assunto é natureza, a dificuldade de indivíduos, famílias e nações compreenderemo mesmo conceito é imensa.
Não por falta de formas de mensuração.Reconhecida como a mais robusta ferramenta para avaliação de impactos ambientais, a pegada ecológica mede a área, em termos de solo e água, necessária para produzir os recursos que indivíduos, famílias e nações consomem e absorver os resíduos que geram, considerando-se a tecnologia disponível.
A sustentabilidade ecológica do planeta é dada pela capacidade da natureza, ou biocapacidade, de atender a tal demanda. Quando recursos são consumidos em ritmo mais rápido do que produzidos ou renovados, o estoque diminui até o esgotamento.
Da mesma forma que o Produto Interno Bruto (PIB) mede, com base no consumo de bens e serviços, o valor econômico “adicionado” pelo homem e suas tecnologias às matérias-primas ao longo das cadeias produtivas – por exemplo, desde a extração do minério de ferro até sua transformação em partes de automóvel -, a pegada ecológica contabiliza o consumo de recursos e serviços naturais pelas atividades humanas.
A demanda global por recursos naturais ultrapassou a capacidade de oferta da Terra no fim dos anos 80, de acordo com a Global Footprint Network, uma ONG que trabalha para tornar a métrica da pegada ecológica tão proeminente quanto o PIB. O limite da oferta é determinado pela capacidade de regeneração de recursos e serviços naturais – nunca é demais lembrar que temos apenas um planeta à disposição para obter recursos e depositar resíduos.
Em 2003, consumíamos 23% além do que a biocapacidade do planeta oferece. Ou seja, entramos no cheque especial. Como não há outro planeta para pedir emprestado, para manter o padrão de consumo a saída é recorrer à poupança de recursos e serviços ambientais – graças às diferenças no ritmo e na qualidade do desenvolvimento, alguns países têm superávit, enquanto outros há tempos estão em débito com a natureza.
Os países são sofisticadíssimos na arte de contabilizar valores econômicos adicionados nas contas nacionais, isentando ou taxando determinados segmentos em nome de políticas industriais e do princípio da competitividade comercial. Esquecem-se de contabilizar, entretanto, a biocapacidade necessária para que se possa adicionar valor na produção de bens e serviços a serem consumidos e exportados.
A pegada ecológica de uma nação é composta da demanda por recursos e serviços ambientais para dar conta da produção interna, mais as importações. Ao subtraírem-se as exportações, chega-se à pegada ecológica do consumo aparente. Valor que, dividido pela população, é igual à pegada de consumo per capita.
O país conta com uma reserva ecológica – ou seja, é um credor ambiental – quando sua pegada é menor do que sua biocapa- cidade. De outra maneira, trata-se de um devedor ambiental. Graças ao comércio internacional, países devedores “financiam” seus déficits ecológicos ao importar a biocapacidade estocada além de suas fronteiras – caso da China, da Índia e da maioria dos países desenvolvidos.
Na média, o consumo de um habitante da América do Norte – EUA e Canadá – de- manda o equivalente a 9,5 hectares globais, enquanto um cidadão que vive em um de 25 países da União Européia consome cerca de 5 hectares globais, segundo a National Footprint Accounts, um sistema que calcula a pegada e a biocapacidade de 150 nações. Contudo, se considerarmos a população mundial de 6,3 bilhões de pessoas e aproximadamente 11,2 bilhões de hectares de superfícies biologicamente produtivas – em valores de 2003 -, a biocapacidade disponível é de 1,8 hectare global per capita.
Sem credor não há devedor
É falacioso, portanto, o argumento de que países desenvolvidos conservam de forma mais adequada os recursos naturais. Tal noção pode ser verdadeira quanto ao meio ambiente interno às suas fronteiras, mas perde o sentido em um mundo economicamente conectado em que as nações recorrem à biocapacidade de outros locais para manter a afluência de seu consumo.
Do ponto de vista econômico, a dívida ecológica é resultado de um problema distributivo com duas faces. De um lado, os países em desenvolvimento não incluem no preço das exportações de produtos não-industriais ou de baixa tecnologia a compensação pelos impactos ambientais gerados na produção. De outro, os países desenvolvidos utilizam-se do espaço físico e dos serviços ambientais do planeta de forma desproporcional, não pagam pela utilização desses ativos, e desconsideram o direito das demais populações a tais recursos e serviços.
No caso brasileiro, a biocapacidade per capita é muito maior do que a pegada ecológica, mas decrescente ao longo do tempo graças ao aumento contínuo da população; à degradação de ecossistemas devido a mudanças no uso do solo, poluição de rios e outros efeitos das atividades humanas; e à exportação de biocapacidade na forma de minerais, solo, água, energia e biodiversidade. O decréscimo da pegada na agricultura, fruto do aumento da produtividade e de novas tecnologias, não compensa o aumento da pegada com a conversão de áreas de floresta em pastagens e a emissão de CO2.
A China apresenta o reverso da moeda: a biocapacidade per capita já não dá conta do consumo de recursos naturais, em especial da demanda por combustíveis fósseis.
Enxergar o meio ambiente como entrave ao desenvolvimento é desconsiderar os recursos naturais e os serviços ambientais como suporte à economia mundial e, antes disso, à experiência humana na Terra. Se há incompatibilidade entre desenvolvimento – que nem de longe significa só crescimento econômico – e práticas de conservação do meio ambiente, a causa encontra-se no campo econômico, e não no ambiental.
O exame da pegada ecológica dos países reforça a idéia de que, mantidos o atual acervo de tecnologias e as matrizes de in- sumos, o padrão de afluência de alguns não poderá ser estendido a todos. Uma solução global requer que os indivíduos revisitem seu consumo, questionando necessidades e preferindo qualidade à quantidade; que se invista em inovação na busca de soluções para produzir riqueza com pegada ecológica decrescente; e que se contabilizem os custos ambientais ao longo das cadeias de valor que atendem às necessidades humanas.
No Brasil, além disso, é urgente que o debate saia das conjunturas do dia-a-dia e centre-se nas questões estratégicas de longo prazo. Se os custos da perda do capital natural não forem incorporados nas contas nacionais e nas funções de custo, é de se perguntar até quando poderemos contar com a biocapacidade que herdamos e, principalmente, se conseguiremos deixá-la como legado para os que virão. Em um mundo em que os recursos e serviços ambientais necessários à manutenção do bem-estar estão concentrados nos países em desenvolvimento, ela é o verdadeiro trunfo econômico do Brasil.
*Coordenador do GVces
**Coordenador do Programa de Produção Sustentável, Empreendedorismo e Cadeia de Valor do GVces
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Poupar, poupar – No Alasca, a receita do petróleo beneficia economicamente gerações presentes e futuras
Um pedaço da biocapacidade brasileira pode acabar em um fundo financeiro, resultado das receitas com a venda de petróleo que, por enquanto, descansa sob grossa crosta de sal no fundo do oceano. De acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, as descobertas da Petrobras podem gerar receitas de até US$ 300 bilhões. Se o plano vingar, o dinheiro iria para um fundo soberano nos moldes do fundo chileno que abriga as receitas do cobre, principal commodity de exportação do país. Ao comprar dólares e mantê-los no fundo – hospedado no exterior -, o governo chileno reduz a pressão de apreciação de sua moeda.
A idéia de fundos para as receitas do petróleo – recurso não renovável, cujo pico de produção global é objeto de intensa discussão entre acadêmicos e analistas – não é nova. O primeiro foi criado em 1953 no Kwait. Hoje, existem duas dezenas, com ativos beirando os US$ 2 trilhões. O Fundo de Pensão do Governo da Noruega incorporou, em 2006, o que até então era um fundo dedicado às receitas do petróleo, criando uma das maiores potências financeiras do mundo, com US$ 340 bilhões em ativos. “O fundo é um instrumento para garantir que uma parte razoável da riqueza gerada pelo petróleo beneficie as gerações futuras”, segundo as diretrizes do fundo. “É uma obrigação ética das presentes gerações administrá-la para que gere retorno sólido”. São proibidos investimentos que causem violações de direitos humanos ou danos ambientais severos.
No Alasca, as presentes gerações levam para casa um naco da riqueza gerada com a extração e venda de petróleo. O Alaska Permanent Fund, criado em 1976, paga dividendo anual aos residentes do estado. A idéia de seus criadores era transformar um recurso não-renovável em ativo que cresce perpetuamente e gera renda a partir de sua gestão. Os fundos da Noruega e do Alasca são reconhecidos pela transparência e pela ausência de ingerência política. Mantega não mencionou as futuras gerações ou a biocapacidade, esteio dos recursos destinados ao fundo. O retorno do investimento das receitas do petróleo, segundo o ministro, serviriam para incentivar os compradores de exportações brasileiras ou empresas nacionais no exterior. Se a equação ambiental fosse levada em conta, parte poderia ser destinada a ações de conservação e desenvolvimento limpo. – por Flavia Pardini
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