O embate entre ruralistas e ambientalistas reflete a luta entre uma velha visão de mundo, interessada em preservar e expandir lucros patrimoniais, e o resgate do ideal iluminista de civilização
Por José Eli da Veiga*
Ao reassumir a cadeira no Senado, Marina Silva definiu seu relacionamento com os diferentes segmentos sociais na defesa dos temas de interesse do País como uma espécie de “aeróbica do bem” em favor de “uma nova visão civilizatória”. Algo que toca o âmago da própria existência desta revista.
O que poderia ser essa “nova visão civilizatória”?
A resposta depende do que se entenda por “civilização”, termo que pode ter sentidos até antagônicos. Faça o leitor a experiência de consultar a Wikipédia. Verá que surge como principal referência o livro O Choque de Civilizações, do cientista político Samuel P. Huntington, além de dois parágrafos genéricos e uma longa lista de civilizações antigas, lendárias e fictícias.
Se procurar nesse livro o significado da palavra, verá que foi adotada uma concepção estática, inteiramente oposta à idéia de processo civilizatório, conforme sua raiz iluminista.
Ora, nas Luzes o termo “civilização” acabou vencendo os concorrentes justamente por exprimir dinâmica e movimento na direção absoluta e unitária de uma civilização humana capaz de superar todos os obscurantismos pelo triunfo da razão, mesmo que aos poucos e com idas e vindas.
O problema é que se seguiram terríveis abusos de tão bela visão, seja imediatamente após, com o imperialismo napoleônico, seja depois, com inúmeras formas de colonialismo, etnocentrismo e nacionalismo. Pior: o termo permanece bem conveniente aos que enxergam nas nações indígenas somente obstáculos ao seu próprio desenvolvimento ou progresso.
Talvez bastem essas lembranças para que se perceba o quanto as palavras ganham sentidos diferentes conforme os momentos, as circunstâncias e as conjunturas. Daí a necessidade de refletir sobre qual deles estaria embutido na “nova visão civilizatória” evocada por Marina Silva.
Tudo indica que existe hoje uma forte propensão a se resgatar o sentido original, iluminista, devido à crescente consciência da urgência em pensar no futuro da espécie humana como um todo, e não apenas no de cada sociedade ou grupo social em particular.
Levar a sério o que diz o IPCC sobre o aquecimento globalou, simplesmente, tentar entender o que poderia realmente ser um “desenvolvimento sustentável” são dois imperativos categóricos a um olhar cosmopolita sobre a história universal. E também exigem que seja seriamente reconsiderada a maneira de avaliar os avanços civilizatórios.
Por exemplo, tomar a simples expansão do Produto Interno Bruto (PIB) como indicador de bom desempenho econômico equivale a acreditar piamente que a sociedade melhora porque seu consumo aumenta. No entanto, o que deveria interessar é a capacidade de se obter mais bem-estar com menos consumo. Além disso, mesmo quando vier a ser medido de outra forma, o desempenho econômico não deixará de ser apenas um meio para alcançar o progresso social, que é o que realmente conta. E, se esse progresso já requer que se produza de outra maneira, não demorará muito para que também exija que se produza menos.
Ou seja, apesar de seus 20 anos, o ideal de um desenvolvimento sustentável continua a conviver com maneiras de avaliar as sociedades adotadas no contexto das reconstruções econômicas do pós-guerra, quando só podiam ser onipotentes os objetivos de produzir mais e consumir mais. Critérios que já não correspondem à conjuntura das sociedades que progrediram, mesmo que essa ainda não seja a realidade da maior parte delas. E estas não poderão simplesmente imitar as primeiras, que ignoraram – e por isso causaram – o aquecimento global.
Davi e Golias
Não há dúvida de que um dos melhores exemplos de “choque de civilizações” é a contradição objetiva que opõe no Congresso os ruralistas aos ambientalistas. Não no sentido estático, preferido por Huntington, de choque entre ocidentais e muçulmanos. Mas no sentido dinâmico, original, de embate entre certos interesses de grupos sociais específicos (e nem sempre legítimos) contra a ambição de que a humanidade não acelere ainda mais a sua própria extinção.
Uma luta que opõe, portanto, duas visões de mundo. De um lado, a velha, que pode ter sido inevitável até meados do século passado, mas que se tornou inteiramente mesquinha e obscurantista. De outro, a nova, que Engatinha na busca de uma ética que possa corresponder ao conhecimento científico contemporâneo, única maneira de fazer com que as luzes triunfem sobre a escuridão. É nesta que devem estar os setores modernos do agronegócio, em vez de servirem de massa de manobra aos atuais filisteus.
Infelizmente, ainda é freqüente que o atrito entre ruralistas e ambientalistas seja visto como conflito entre dois meros grupos de interesse. É porque ainda não está claro, nem sequer para os melhores comunicadores, que os mais fortes se servem das trevas para conservar e expandir lucros patrimoniais, enquanto os mais fracos tentam abrir caminho para “uma nova visão civilizatória”. Daí porque é preciso dar toda a força a Marina Silva para que ela enfrente os ruralistas e seus aliados como um Davi diante de um Golias.
* Professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP e pesquisador associado do Capability & Sustainability Centre, da Universidade de Cambridge, com apoio da Fapesp. Www.zeeli.pro.br
O embate entre ruralistas e ambientalistas reflete a luta entre uma velha visão de mundo, interessada em preservar e expandir lucros patrimoniais, e o resgate do ideal iluminista de civilização
Por José Eli da Veiga*
Ao reassumir a cadeira no Senado, Marina Silva definiu seu relacionamento com os diferentes segmentos sociais na defesa dos temas de interesse do País como uma espécie de “aeróbica do bem” em favor de “uma nova visão civilizatória”. Algo que toca o âmago da própria existência desta revista.
O que poderia ser essa “nova visão civilizatória”?
A resposta depende do que se entenda por “civilização”, termo que pode ter sentidos até antagônicos. Faça o leitor a experiência de consultar a Wikipédia. Verá que surge como principal referência o livro O Choque de Civilizações, do cientista político Samuel P. Huntington, além de dois parágrafos genéricos e uma longa lista de civilizações antigas, lendárias e fictícias.
Se procurar nesse livro o significado da palavra, verá que foi adotada uma concepção estática, inteiramente oposta à idéia de processo civilizatório, conforme sua raiz iluminista.
Ora, nas Luzes o termo “civilização” acabou vencendo os concorrentes justamente por exprimir dinâmica e movimento na direção absoluta e unitária de uma civilização humana capaz de superar todos os obscurantismos pelo triunfo da razão, mesmo que aos poucos e com idas e vindas.
O problema é que se seguiram terríveis abusos de tão bela visão, seja imediatamente após, com o imperialismo napoleônico, seja depois, com inúmeras formas de colonialismo, etnocentrismo e nacionalismo. Pior: o termo permanece bem conveniente aos que enxergam nas nações indígenas somente obstáculos ao seu próprio desenvolvimento ou progresso.
Talvez bastem essas lembranças para que se perceba o quanto as palavras ganham sentidos diferentes conforme os momentos, as circunstâncias e as conjunturas. Daí a necessidade de refletir sobre qual deles estaria embutido na “nova visão civilizatória” evocada por Marina Silva.
Tudo indica que existe hoje uma forte propensão a se resgatar o sentido original, iluminista, devido à crescente consciência da urgência em pensar no futuro da espécie humana como um todo, e não apenas no de cada sociedade ou grupo social em particular.
Levar a sério o que diz o IPCC sobre o aquecimento globalou, simplesmente, tentar entender o que poderia realmente ser um “desenvolvimento sustentável” são dois imperativos categóricos a um olhar cosmopolita sobre a história universal. E também exigem que seja seriamente reconsiderada a maneira de avaliar os avanços civilizatórios.
Por exemplo, tomar a simples expansão do Produto Interno Bruto (PIB) como indicador de bom desempenho econômico equivale a acreditar piamente que a sociedade melhora porque seu consumo aumenta. No entanto, o que deveria interessar é a capacidade de se obter mais bem-estar com menos consumo. Além disso, mesmo quando vier a ser medido de outra forma, o desempenho econômico não deixará de ser apenas um meio para alcançar o progresso social, que é o que realmente conta. E, se esse progresso já requer que se produza de outra maneira, não demorará muito para que também exija que se produza menos.
Ou seja, apesar de seus 20 anos, o ideal de um desenvolvimento sustentável continua a conviver com maneiras de avaliar as sociedades adotadas no contexto das reconstruções econômicas do pós-guerra, quando só podiam ser onipotentes os objetivos de produzir mais e consumir mais. Critérios que já não correspondem à conjuntura das sociedades que progrediram, mesmo que essa ainda não seja a realidade da maior parte delas. E estas não poderão simplesmente imitar as primeiras, que ignoraram – e por isso causaram – o aquecimento global.
Davi e Golias
Não há dúvida de que um dos melhores exemplos de “choque de civilizações” é a contradição objetiva que opõe no Congresso os ruralistas aos ambientalistas. Não no sentido estático, preferido por Huntington, de choque entre ocidentais e muçulmanos. Mas no sentido dinâmico, original, de embate entre certos interesses de grupos sociais específicos (e nem sempre legítimos) contra a ambição de que a humanidade não acelere ainda mais a sua própria extinção.
Uma luta que opõe, portanto, duas visões de mundo. De um lado, a velha, que pode ter sido inevitável até meados do século passado, mas que se tornou inteiramente mesquinha e obscurantista. De outro, a nova, que Engatinha na busca de uma ética que possa corresponder ao conhecimento científico contemporâneo, única maneira de fazer com que as luzes triunfem sobre a escuridão. É nesta que devem estar os setores modernos do agronegócio, em vez de servirem de massa de manobra aos atuais filisteus.
Infelizmente, ainda é freqüente que o atrito entre ruralistas e ambientalistas seja visto como conflito entre dois meros grupos de interesse. É porque ainda não está claro, nem sequer para os melhores comunicadores, que os mais fortes se servem das trevas para conservar e expandir lucros patrimoniais, enquanto os mais fracos tentam abrir caminho para “uma nova visão civilizatória”. Daí porque é preciso dar toda a força a Marina Silva para que ela enfrente os ruralistas e seus aliados como um Davi diante de um Golias.
* Professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP e pesquisador associado do Capability & Sustainability Centre, da Universidade de Cambridge, com apoio da Fapesp. Www.zeeli.pro.br
[:en]
O embate entre ruralistas e ambientalistas reflete a luta entre uma velha visão de mundo, interessada em preservar e expandir lucros patrimoniais, e o resgate do ideal iluminista de civilização
Por José Eli da Veiga*
Ao reassumir a cadeira no Senado, Marina Silva definiu seu relacionamento com os diferentes segmentos sociais na defesa dos temas de interesse do País como uma espécie de “aeróbica do bem” em favor de “uma nova visão civilizatória”. Algo que toca o âmago da própria existência desta revista.
O que poderia ser essa “nova visão civilizatória”?
A resposta depende do que se entenda por “civilização”, termo que pode ter sentidos até antagônicos. Faça o leitor a experiência de consultar a Wikipédia. Verá que surge como principal referência o livro O Choque de Civilizações, do cientista político Samuel P. Huntington, além de dois parágrafos genéricos e uma longa lista de civilizações antigas, lendárias e fictícias.
Se procurar nesse livro o significado da palavra, verá que foi adotada uma concepção estática, inteiramente oposta à idéia de processo civilizatório, conforme sua raiz iluminista.
Ora, nas Luzes o termo “civilização” acabou vencendo os concorrentes justamente por exprimir dinâmica e movimento na direção absoluta e unitária de uma civilização humana capaz de superar todos os obscurantismos pelo triunfo da razão, mesmo que aos poucos e com idas e vindas.
O problema é que se seguiram terríveis abusos de tão bela visão, seja imediatamente após, com o imperialismo napoleônico, seja depois, com inúmeras formas de colonialismo, etnocentrismo e nacionalismo. Pior: o termo permanece bem conveniente aos que enxergam nas nações indígenas somente obstáculos ao seu próprio desenvolvimento ou progresso.
Talvez bastem essas lembranças para que se perceba o quanto as palavras ganham sentidos diferentes conforme os momentos, as circunstâncias e as conjunturas. Daí a necessidade de refletir sobre qual deles estaria embutido na “nova visão civilizatória” evocada por Marina Silva.
Tudo indica que existe hoje uma forte propensão a se resgatar o sentido original, iluminista, devido à crescente consciência da urgência em pensar no futuro da espécie humana como um todo, e não apenas no de cada sociedade ou grupo social em particular.
Levar a sério o que diz o IPCC sobre o aquecimento globalou, simplesmente, tentar entender o que poderia realmente ser um “desenvolvimento sustentável” são dois imperativos categóricos a um olhar cosmopolita sobre a história universal. E também exigem que seja seriamente reconsiderada a maneira de avaliar os avanços civilizatórios.
Por exemplo, tomar a simples expansão do Produto Interno Bruto (PIB) como indicador de bom desempenho econômico equivale a acreditar piamente que a sociedade melhora porque seu consumo aumenta. No entanto, o que deveria interessar é a capacidade de se obter mais bem-estar com menos consumo. Além disso, mesmo quando vier a ser medido de outra forma, o desempenho econômico não deixará de ser apenas um meio para alcançar o progresso social, que é o que realmente conta. E, se esse progresso já requer que se produza de outra maneira, não demorará muito para que também exija que se produza menos.
Ou seja, apesar de seus 20 anos, o ideal de um desenvolvimento sustentável continua a conviver com maneiras de avaliar as sociedades adotadas no contexto das reconstruções econômicas do pós-guerra, quando só podiam ser onipotentes os objetivos de produzir mais e consumir mais. Critérios que já não correspondem à conjuntura das sociedades que progrediram, mesmo que essa ainda não seja a realidade da maior parte delas. E estas não poderão simplesmente imitar as primeiras, que ignoraram – e por isso causaram – o aquecimento global.
Davi e Golias
Não há dúvida de que um dos melhores exemplos de “choque de civilizações” é a contradição objetiva que opõe no Congresso os ruralistas aos ambientalistas. Não no sentido estático, preferido por Huntington, de choque entre ocidentais e muçulmanos. Mas no sentido dinâmico, original, de embate entre certos interesses de grupos sociais específicos (e nem sempre legítimos) contra a ambição de que a humanidade não acelere ainda mais a sua própria extinção.
Uma luta que opõe, portanto, duas visões de mundo. De um lado, a velha, que pode ter sido inevitável até meados do século passado, mas que se tornou inteiramente mesquinha e obscurantista. De outro, a nova, que Engatinha na busca de uma ética que possa corresponder ao conhecimento científico contemporâneo, única maneira de fazer com que as luzes triunfem sobre a escuridão. É nesta que devem estar os setores modernos do agronegócio, em vez de servirem de massa de manobra aos atuais filisteus.
Infelizmente, ainda é freqüente que o atrito entre ruralistas e ambientalistas seja visto como conflito entre dois meros grupos de interesse. É porque ainda não está claro, nem sequer para os melhores comunicadores, que os mais fortes se servem das trevas para conservar e expandir lucros patrimoniais, enquanto os mais fracos tentam abrir caminho para “uma nova visão civilizatória”. Daí porque é preciso dar toda a força a Marina Silva para que ela enfrente os ruralistas e seus aliados como um Davi diante de um Golias.
* Professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP e pesquisador associado do Capability & Sustainability Centre, da Universidade de Cambridge, com apoio da Fapesp. Www.zeeli.pro.br
O embate entre ruralistas e ambientalistas reflete a luta entre uma velha visão de mundo, interessada em preservar e expandir lucros patrimoniais, e o resgate do ideal iluminista de civilização
Por José Eli da Veiga*
Ao reassumir a cadeira no Senado, Marina Silva definiu seu relacionamento com os diferentes segmentos sociais na defesa dos temas de interesse do País como uma espécie de “aeróbica do bem” em favor de “uma nova visão civilizatória”. Algo que toca o âmago da própria existência desta revista.
O que poderia ser essa “nova visão civilizatória”?
A resposta depende do que se entenda por “civilização”, termo que pode ter sentidos até antagônicos. Faça o leitor a experiência de consultar a Wikipédia. Verá que surge como principal referência o livro O Choque de Civilizações, do cientista político Samuel P. Huntington, além de dois parágrafos genéricos e uma longa lista de civilizações antigas, lendárias e fictícias.
Se procurar nesse livro o significado da palavra, verá que foi adotada uma concepção estática, inteiramente oposta à idéia de processo civilizatório, conforme sua raiz iluminista.
Ora, nas Luzes o termo “civilização” acabou vencendo os concorrentes justamente por exprimir dinâmica e movimento na direção absoluta e unitária de uma civilização humana capaz de superar todos os obscurantismos pelo triunfo da razão, mesmo que aos poucos e com idas e vindas.
O problema é que se seguiram terríveis abusos de tão bela visão, seja imediatamente após, com o imperialismo napoleônico, seja depois, com inúmeras formas de colonialismo, etnocentrismo e nacionalismo. Pior: o termo permanece bem conveniente aos que enxergam nas nações indígenas somente obstáculos ao seu próprio desenvolvimento ou progresso.
Talvez bastem essas lembranças para que se perceba o quanto as palavras ganham sentidos diferentes conforme os momentos, as circunstâncias e as conjunturas. Daí a necessidade de refletir sobre qual deles estaria embutido na “nova visão civilizatória” evocada por Marina Silva.
Tudo indica que existe hoje uma forte propensão a se resgatar o sentido original, iluminista, devido à crescente consciência da urgência em pensar no futuro da espécie humana como um todo, e não apenas no de cada sociedade ou grupo social em particular.
Levar a sério o que diz o IPCC sobre o aquecimento globalou, simplesmente, tentar entender o que poderia realmente ser um “desenvolvimento sustentável” são dois imperativos categóricos a um olhar cosmopolita sobre a história universal. E também exigem que seja seriamente reconsiderada a maneira de avaliar os avanços civilizatórios.
Por exemplo, tomar a simples expansão do Produto Interno Bruto (PIB) como indicador de bom desempenho econômico equivale a acreditar piamente que a sociedade melhora porque seu consumo aumenta. No entanto, o que deveria interessar é a capacidade de se obter mais bem-estar com menos consumo. Além disso, mesmo quando vier a ser medido de outra forma, o desempenho econômico não deixará de ser apenas um meio para alcançar o progresso social, que é o que realmente conta. E, se esse progresso já requer que se produza de outra maneira, não demorará muito para que também exija que se produza menos.
Ou seja, apesar de seus 20 anos, o ideal de um desenvolvimento sustentável continua a conviver com maneiras de avaliar as sociedades adotadas no contexto das reconstruções econômicas do pós-guerra, quando só podiam ser onipotentes os objetivos de produzir mais e consumir mais. Critérios que já não correspondem à conjuntura das sociedades que progrediram, mesmo que essa ainda não seja a realidade da maior parte delas. E estas não poderão simplesmente imitar as primeiras, que ignoraram – e por isso causaram – o aquecimento global.
Davi e Golias
Não há dúvida de que um dos melhores exemplos de “choque de civilizações” é a contradição objetiva que opõe no Congresso os ruralistas aos ambientalistas. Não no sentido estático, preferido por Huntington, de choque entre ocidentais e muçulmanos. Mas no sentido dinâmico, original, de embate entre certos interesses de grupos sociais específicos (e nem sempre legítimos) contra a ambição de que a humanidade não acelere ainda mais a sua própria extinção.
Uma luta que opõe, portanto, duas visões de mundo. De um lado, a velha, que pode ter sido inevitável até meados do século passado, mas que se tornou inteiramente mesquinha e obscurantista. De outro, a nova, que Engatinha na busca de uma ética que possa corresponder ao conhecimento científico contemporâneo, única maneira de fazer com que as luzes triunfem sobre a escuridão. É nesta que devem estar os setores modernos do agronegócio, em vez de servirem de massa de manobra aos atuais filisteus.
Infelizmente, ainda é freqüente que o atrito entre ruralistas e ambientalistas seja visto como conflito entre dois meros grupos de interesse. É porque ainda não está claro, nem sequer para os melhores comunicadores, que os mais fortes se servem das trevas para conservar e expandir lucros patrimoniais, enquanto os mais fracos tentam abrir caminho para “uma nova visão civilizatória”. Daí porque é preciso dar toda a força a Marina Silva para que ela enfrente os ruralistas e seus aliados como um Davi diante de um Golias.
* Professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP e pesquisador associado do Capability & Sustainability Centre, da Universidade de Cambridge, com apoio da Fapesp. Www.zeeli.pro.br
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