Para explorar o potencial de usos racionais da Floresta Amazônica, é preciso mudar radicalmente o cenário de Ciência, Tecnologia e Inovação
Idéias esdrúxulas custam a morrer. Volta e meia na mídia dos países industrializados reaparece a noção da internacionalização da Amazônia acoplada à transformação da Floresta Amazônica em santuário. Nada melhor para se sentir ambientalmente correto do que pagar um (modesto) aluguel pelas árvores que deixarão de ser abatidas ou comprar parcelas da floresta intacta para compensar os gases de efeito estufa emitidos pelos automóveis. Os serviços ambientais devem ser remunerados, porém não dessa maneira simplória.
No debate internacional sobre as mudanças climáticas, a Amazônia aparece como o vilão de desmatamentos maciços – que devem ser coibidos – e não como um gigantesco laboratório para o desenvolvimento sustentável construído com base no bom uso da natureza.
Pierre Gourou chamou de “grandes civilizações do vegetal” as civilizações do passado que se ergueram graças à energia solar captada pela fotossíntese. Ao iniciar a saída gradual da era das energias fósseis, devemos explorar o potencial das biocivilizações do futuro, baseadas no uso múltiplo das biomassas, porém situadas em nível incomparavelmente superior na espiral dos conhecimentos.
O desafio é propor sistemas integrados de produção de alimentos, rações animais, adubos verdes, bioenergias, materiais de construção, fibras, plásticos e demais produtos das biorrefinarias, fármacos e cosméticos. Eles devem ser adaptados aos diferentes biomas e informados pelos conceitos de desenvolvimento includente e sustentável, de agroecologia e de revolução duplamente verde.
Em boa hora, a Academia Brasileira de Ciências acaba de circular o documento Amazônia: Desafio Brasileiro do Século XXI – A necessidade de uma revolução científica e tecnológica. Ressaltando a importância do patrimônio natural da região, o documento parte da premissa de que “a valorização econômica dos recursos florestais e aquáticos da Amazônia se coloca como marco fundamental para sua conservação”. A Amazônia “representa um gigantesco potencial científico, econômico e cultural, cuja transformação em riqueza está intrinsecamente relacionada à disponibilidade e geração continuada de conhecimentos e tecnologias adequadas”.
Para tanto, faz-se necessária uma mudança radical no cenário de Ciência, Tecnologia e Inovação. A Amazônia possui hoje apenas 140 cursos de mestrado acadêmico, 39 de doutorado e 6 de mestrado profissionalizante – 4,8% dos 3.854 cursos existentes no Brasil em 2007 – e conta com 2,8 mil doutores atuando. Os autores propõem a criação de três institutos e três universidades, com investimento adicional de R$ 30 bilhões em dez anos, correspondente a 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
A ambição é fazer do Brasilo primeiro país tropical plenamente desenvolvido, capaz de manter a floresta em pé, mostrando que o patrimônio natural pode ser utilizado, sem destruí-lo, para benefício dos 25 milhões de amazônidas – que serão de 40 milhões a 50 milhões em meados do século – e de todos os brasileiros.
Biodiversidade e pesquisa
Como lembra Marcelo Leite na Folha de S. Paulo, no artigo “Coleção de árvores”, a Amazônia abriga 40 mil espécies de plantas – cerca de 13% do total do planeta -, de 3 mil a 9 mil espécies de peixes de água doce – cerca de um terço do total mundial -, além de 1,8 mil espécies de borboletas (24%), 1,3 mil espécies de aves (13%) e de 2,5 mil a 3 mil espécies de abelhas (10%). Pela extraordinária biodiversidade, reúne todas as condições para funcionar como laboratório das biocivilizações do futuro, mantendo três quartos da floresta nativa em pé.
A condição adicional é avançar nas propostas de exploração racional da floresta baseadas nos conceitos de agroecologia, de agricultura de vários andares – experiência do projeto Poema, em Belém – e de ilhas adensadas de espécies úteis plantadas na mata, esta última de autoria de Paulo Kageyama. Sem esquecer o potencial para a “revolução azul” – piscicultura e criação de anfíbios – e as plantações arbóreas, que, embora não cheguem a recompor a complexidade dos ecossistemas florestais, têm lugar no mosaico dos usos da terra.
Ao mesmo tempo, para reduzir a pressão sobre as matas nativas, deveríamos considerar como “reservas de desenvolvimento” as áreas desmatadas, aliconcentrando o essencial das atividades humanas voltadas para o desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável.
A tarefa é enorme e a contribuição fundamental da Amazônia preservada para a luta contra as mudanças climáticas justifica que este serviço ambiental seja remunerado, não por intermédio do mercado de créditos de carbono e, sim, por meio de um fundo internacional de proteção das florestas tropicais, como acaba de fazer o governo norueguês.
Esquema plurianual A experiência do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), lançado em 1992, tem sido pífia. Falou-se inicialmente de US$ 1,5 bilhão. Dezesseis anos mais tarde, as doações não passaram de US$ 402 milhões (desvalorizados), dos quais cerca de US$ 126 milhões ainda não foram aplicados no programa, que vai terminar em 2010 com 8 anos de atraso (Folha de S. Paulo, 30 de junho de 2008).
O PPG7 deu lugar a uma chuva de pequenos projetos demonstrativos, muitos dos quais bem-sucedidos, porém em escala extremamente reduzida e com muita burocracia. A abordagem por projetos deve ser abandonada em favor de programas plurianuais. Poderíamos pensar no seguinte esquema:
– Os países da OCDE criam um fundo inicialmente da ordem de US$ 2 bilhões, administrado pelo Banco Mundialou outra instituição escolhida pelos doadores, com perspectiva de aumento para US$ 5 bilhões em dez anos, assegurando ao Brasil um rendimento inicial mínimo de ordem de US$ 100 milhões por ano
– As fundações estaduais de apoio à pesquisa dos estados amazônicos (e/ou o governo federal) contribuem com soma equivalente
– Para completar o dispositivo, cria-se um esquema de bolsas para mestrandos e doutorandos de outras regiões do País a fim de manter a massa crítica de pesquisadores presente nos institutos existentes ou a serem criados na Amazônia
– Em paralelo, são organizados fóruns da Amazônia nas universidades brasileiras para incentivar o interesse dos estudantes nos temas de pesquisa relativos a essa região do Brasil
– Os fundos são destinados aos institutos e às universidades amazônicas com base em programas plurianuais de pesquisa com temas como os usos da biodiversidade, os sistemas integrados de produção de alimentos e energia, o manejo racional das florestas e os complexos industriais para a produção de derivados de madeira, as biorrefinarias e a reestruturação do Pólo Industrial de Manaus, a revolução azul
– Os resultados são avaliados periodicamente por uma comissão internacional de especialistas, com possibilidade de redução ou cancelamento do financiamento externo em casos de desempenho insatisfatório