O aquecimento global e a afluência material desafiam o ambientalismo nos Estados Unidos do século XXI
Levou pouco mais de três anos para que o verde se transformasse em azul. Em dezembro de 2004, Adam Werbach decretou a morte do ambientalismo em um discurso no Commonwealth Club, na Califórnia, que ficou famoso nos círculos verdes americanos.
Era o menino-prodígio – em 1996, aos 23 anos, Werbach foi eleito presidente do Sierra Club, uma das organizações ambientais mais respeitadas dos EUA – dizendo aos mestres que o sonho acabou. Em abril de 2008, no mesmo Commonwealth Club, Werbach voltou à carga, desta vez para anunciar o nascimento do movimento azul. Em ambos os casos, as reações foram indignadas.
“O ambientalismo está morto, em boa parte porque nunca foi capaz de igualar o poder da direita de narrar uma visão irresistível para o futuro da América. O argumento que vou defender esta noite é que cada vez que os ambientalistas ultrapassam os limites do discurso ambiental para articular uma visão ampla, mais inclusiva e persuasiva, eles deixam de ser ambientalistas e passam a ser progressistas”, disse Werbach no primeiro discurso.
E, em abril de 2008: “Em dezembro de 2004, eu fiz a autópsia do ambientalismo. Hoje, estou aqui para reconhecer o nascimento de um movimento azul. Vasto e comum como o oceano, azul é uma plataforma para a sustentabilidade que vai além do verde bonito e profundo do ambientalismo. O verde coloca o planeta no centro do diálogo. O azul coloca as pessoas no centro”.
O movimento concebido por Werbach é movido pelos consumidores e substitui os tradicionais quatro Ps do marketing – produto, preço, promoção e ponto-de-venda – por outros três – preço, práticas e processo.
“Acredito que devemos comprar as coisas que são mais baratas, porque isso torna possível que elas sejam mainstream. Mas é preciso haver um motivo para comprar, ou seja, como aquela coisa se encaixa nas práticas que tenho na minha vida? Por fim, os processos usados para que ela fosse criada são processos dos quais posso me orgulhar?”, resumiu em entrevista à rádio pública americana. Com essa base, disse Werbach, é possível alterar o estilo de vida de cada um – desde que as pessoas se disponham a adotar o que ele batizou de Projeto Pessoal de Sustentabilidade (PPS) – e, no conjunto, gerar impactos positivos não só para o meio ambiente, mas para a sociedade e a economia.
“Engajar as pessoas como consumidoras nos dá a possibilidade de construir um movimento de bilhões. Para ser parte dele, as pessoas não precisam assinar uma petição ou pagar mensalidade. Elas não recebem uma newsletter, um cartão de sócio para colocar na carteira ou um calendário para pendurar na parede. Imagine o que esse movimento pode fazer”, conclamou.
Na imaginação dos tradicionais ativistas do verde-escuro, o movimento azul já nasceu morto, pois perpetua o consumismo que, na visão deles, alimenta o sistema que causa e aprofunda a crise ambiental. Hoje consultor, Werbach foi criticado por “pintar” seu movimento de azul, cor do logo do WalMart – o gigante americano do varejo criticado por suas práticas trabalhistas –, onde promove o PPS entre os funcionários.
A busca de Werbach por um movimento que mobilize grandes massas de pessoas, apesar da polêmica sobre o consumo, denota uma preocupação generalizada entre os defensores do meio ambiente, independente do tom de verde – ou outra cor – ao qual sejam adeptos. A despeito do aumento da conscientização ambiental em todo o espectro – dos indivíduos e seus representantes políticos às grandes corporações –, ainda não se consegue vislumbrar como mobilizar uma sociedade consumista e individualista para a mudança em direção à sustentabilidade ecológica.
ALÉM DA CORUJA PINTADA
O primeiro discurso de Werbach no Commonwealth Club ecoou outros clamores por uma agenda ampliada e progressista que englobasse as questões ambientais, mas não se limitasse a elas. Alguns meses antes, em 2004, um ensaio intitulado “A morte do ambientalismo” circulou na reunião anual da Environmental Grantmakers Association. Nele, Michael Shellenberger e Ted Nordhaus, consultores com passado no ativismo ambiental, defendiam que o ambientalismo havia se tornado apenas mais uma causa. “O ambientalismo é hoje mais proteger uma suposta ‘coisa’ – o ‘meio ambiente’ – do que promover a visão de mundo articulada por John Muir, fundador do Sierra Club, que há quase um século observou: ‘Quando tentamos selecionar apenas uma coisa, descobrimos que ela está conectada a tudo o mais que existe no Universo’”, escreveram.
Para Shellenberger e Nordhaus, o moderno ambientalismo americano é refém de seu período de glória – os anos 60 e 70, quando conseguiu aprovar uma série de políticas e regulações no Congresso em defesa de “causas” ambientais, muitas vezes ancoradas nas chamadas “espécies carismáticas”. O caso da coruja pintada que habita as antigas florestas da região Noroeste dos EUA é emblemático dessa era. Em 1990, depois de anos de acalorado debate entre ambientalistas, governo e indústria madeireira, a espécie foi declarada ameaçada de extinção. A medida proibiu a exploração de boa parte das florestas que abrigam o animal, mas foi denunciada pela indústria como causadora de irreparáveis danos econômicos.
Em sua crítica, Shellenberger e Nordhaus dizem que o ambientalismo ainda bebe da noção de que o homem está separado e acima do mundo natural, que, por sua vez, precisa ser defendido e protegido – argumento que vem abaixo diante do alcance e da complexidade das mudanças climáticas. “Por que um fenômeno produzido pelo homem como o aquecimento global – e que pode matar centenas de milhares de seres humanos ao longo do próximo século – é considerado ‘ambiental’? Por que a pobreza e a guerra não são consideradas problemas ambientais, enquanto o aquecimento global é? Quais são as implicações de definir o aquecimento global como um problema ambiental – e de deixar a responsabilidade de lidar com ele na mão dos ‘ambientalistas’?”, questionaram.
Para ilustrar o problema, Shellenberger e Nordhaus destrincharam a participação de grupos ambientalistas nos acordos políticos que permitiram que os EUA mantivessem, por décadas, baixíssimos padrões de eficiência no consumo de combustível pelos veículos. “Ao pensar só em seus interesses definidos de maneira estreita, os grupos ambientalistas não se preocupam com as necessidades nem dos sindicatos nem da indústria. Por consequência, perdemos grandes oportunidades de construir alianças.” Para problemas definidos como “ambientais”, as soluções em geral são técnicas, e não abrangentes o suficiente para realmente fazer a diferença, acrescentaram.
BATALHA NA RETAGUARDA
Os dilemas do ambientalismo americano foram analisados mais a fundo pelos sociólogos Robert J. Brulle, da Drexel University, e J. Craig Jenkins, da Ohio State University.
Embora identifiquem no ambientalismo um movimento social vital para a renovação e a transformação necessárias para criar uma sociedade ecologicamente sustentável, os autores apontam um processo de marginalização. Apesar do crescimento do número de organizações ambientais no passado recente, o impacto ambiental dos EUA continua aumentando, argumentam: de 1961 ao ano 2000, a pegada ecológica americana cresceu 270%. Politicamente, depois de uma boa performance nos anos 80 e meados dos 90, os ambientalistas passaram a sofrer mais derrotas no Congresso – vencendo em apenas 30% das votações, na maior parte das vezes ao bloquear projetos indesejados.
A falta de uma visão de mundo que inspire a mudança em direção a um novo estado de coisas é um dos motivos da marginalização política do ambientalismo, segundo Brulle e Jenkins. O “conservacionismo”, por exemplo, vê a natureza como recurso a ser usado para as necessidades humanas, atendendo o maior número de pessoas pelo maior período de tempo possível.
Nascido no início do século XX, fez parte de um movimento progressista que defendia a regulação dos mercados para garantir justiça social. Entrou em declínio nos anos 60, ressurgindo no conceito de desenvolvimento sustentável do Relatório Brundtland de 1987 e como método científico para gerir os recursos naturais e atender a estrutura social vigente.
O “preservacionismo” – na tradição de John Muir, Henry David Thoreau, pai da simplicidade voluntária, e Aldo Leopold, fundador da The Wilderness Society – defende a proteção da vida selvagem e da biodiversidade e, embora apresente a natureza como necessária para a renovação do homem, não a conecta com preocupações sociais mais amplas, analisam Brulle e Jenkins.
Por fim, o “ambientalismo reformado”, nascido nas décadas de 50 e 60, baseava-se na idéia de que a humanidade é parte dos ecossistemas e, portanto, sua saúde está ligada às condições ambientais. Rejeitava o uso da natureza para lucro e tentava trazer questões sociais para a agenda ambientalista, mas acabou substituído, segundo os autores, por uma visão tecnicista. A partir dos anos 80, foi dominado pela “modernização ecológica”, segundo a qual é possível reduzir os impactos dos processos industriais usando mecanismos de mercado.
Outros dois motivos apontados pelos sociólogos para a marginalização do movimento ambiental são sua crescente profissionalização – que contribui para tornar mais difícil o engajamento das pessoas comuns nas organizações ambientais – e o domínio do processo político americano pelo ideário neoconsevador nas últimas décadas, deixando o ambientalismo e as ideias progressistas na defensiva.
“O movimento ambiental está encastelado em uma batalha na retaguarda, tentando preservar o que ganhou no passado por meio de seus discursos dominantes, que não têm ressonância efetiva e falham em conectar-se com uma visão mais ampla de justiça social. Promovem soluções caso a caso que tipicamente não enfrentam as raízes dos problemas ambientais. Usar as ações de mercado para uma agenda ambiental mais ampla é menos importante do que desenvolver a agenda ambiental mais ampla. Isso requer um movimento ambientalista rejuvenescido com base na prática democrática e na organização. As especificidades são menos importantes do que o método”, concluem os autores.
NÓS NÃO VAMOS PAGAR NADA
Shellenberger e Nordhaus voltaram à carga no final de 2007, com a publicação do livro Break Through – Da morte do ambientalismo à política do possível, em que reforçam a ideia de que o ambientalismo é incapaz de lidar com a crise ecológica e defendem que o aquecimento global seja reconceitualizado como algo que atinge toda a civilização – empregos, saúde, as aspirações das pessoas – e não apenas o meio ambiente. Para isso, é preciso uma narrativa política que proponha a superação da adversidade e não o ressentimento e o medo. Os consultores acreditam que, com a nova narrativa, um massivo programa de investimentos em energias limpas e o aumento da prosperidade econômica em países como China, Índia e Brasil, a humanidade será capaz de superar o desafio.
“Ao promover a verdade inconveniente de que os homens precisam limitar seu consumo e sacrificar seu modo de vida para evitar que o mundo termine, os ambientalistas estão não só promovendo uma solução que não funciona, estão desencorajando os americanos de ver as grandes soluções. Para que o pensamento dos americanos seja expansivo, generoso e orientado para o futuro, eles precisam se sentir seguros, ricos e fortes”, escreveram.
Vários ambientalistas e ativistas responderam aos ataques de Shellenberger e Nordhaus e os acusaram de ignorar a história do ambientalismo e semear a discórdia em um momento em que os movimentos progressistas desesperadamente precisam de união. A crítica mais contundente, entretanto, é a mesma feita a Adam Werbach: a solução do problema não pode ser orientada pelo mesmo pensamento que o criou.
Ao rejeitar as verdades inconvenientes em relação à necessidade de parcimônia no uso dos recursos naturais, o que consequentemente impõe limites, os consultores escolhem uma nova pintura – será ela azul?– e não a transformação do modelo.
Para Carl Pope, diretor-executivo do Sierra Club, Shellenberger e Nordhaus construíram um “espantalho” – a visão das fraquezas do ambientalismo – apenas para desmontá-lo depois. Em resposta à declaração de morte do ambientalismo, Pope lembrou o sucesso no combate à poluição nos anos 60 e 70, à energia nuclear nos anos 80 e à disseminação dos organismos geneticamente modificados nos anos 90.
Admitiu que o ambientalismo sistematicamente encontrou dificuldades depois disso, mas destacou que o mesmo ocorreu com os movimentos sindicais e de justiça social.
Ao tratar do tema preferido de Shellenberger e Nordhaus, o aquecimento global, Pope pôs o dedo na ferida. As mudanças climáticas diferem de outros problemas ambientais que o movimento atacou no passado, pois exige a visão ampla de uma nova ordem econômica, escreveu ele. “Um exemplo impressionante de uma estratégia para transformar o debate sobre o aquecimento global usando uma forma diferente, mas totalmente familiar, de defesa ambiental seria aplicar o princípio de ‘poluidor-pagador’. Dessa perspectiva, em seu cerne, o debate sobre o aquecimento global não é complicado. É simplesmente muito difícil porque é sobre quem vai pagar.”[:en]O aquecimento global e a afluência material desafiam o ambientalismo nos Estados Unidos do século XXI
Levou pouco mais de três anos para que o verde se transformasse em azul. Em dezembro de 2004, Adam Werbach decretou a morte do ambientalismo em um discurso no Commonwealth Club, na Califórnia, que ficou famoso nos círculos verdes americanos.
Era o menino-prodígio – em 1996, aos 23 anos, Werbach foi eleito presidente do Sierra Club, uma das organizações ambientais mais respeitadas dos EUA – dizendo aos mestres que o sonho acabou. Em abril de 2008, no mesmo Commonwealth Club, Werbach voltou à carga, desta vez para anunciar o nascimento do movimento azul. Em ambos os casos, as reações foram indignadas.
“O ambientalismo está morto, em boa parte porque nunca foi capaz de igualar o poder da direita de narrar uma visão irresistível para o futuro da América. O argumento que vou defender esta noite é que cada vez que os ambientalistas ultrapassam os limites do discurso ambiental para articular uma visão ampla, mais inclusiva e persuasiva, eles deixam de ser ambientalistas e passam a ser progressistas”, disse Werbach no primeiro discurso.
E, em abril de 2008: “Em dezembro de 2004, eu fiz a autópsia do ambientalismo. Hoje, estou aqui para reconhecer o nascimento de um movimento azul. Vasto e comum como o oceano, azul é uma plataforma para a sustentabilidade que vai além do verde bonito e profundo do ambientalismo. O verde coloca o planeta no centro do diálogo. O azul coloca as pessoas no centro”.
O movimento concebido por Werbach é movido pelos consumidores e substitui os tradicionais quatro Ps do marketing – produto, preço, promoção e ponto-de-venda – por outros três – preço, práticas e processo.
“Acredito que devemos comprar as coisas que são mais baratas, porque isso torna possível que elas sejam mainstream. Mas é preciso haver um motivo para comprar, ou seja, como aquela coisa se encaixa nas práticas que tenho na minha vida? Por fim, os processos usados para que ela fosse criada são processos dos quais posso me orgulhar?”, resumiu em entrevista à rádio pública americana. Com essa base, disse Werbach, é possível alterar o estilo de vida de cada um – desde que as pessoas se disponham a adotar o que ele batizou de Projeto Pessoal de Sustentabilidade (PPS) – e, no conjunto, gerar impactos positivos não só para o meio ambiente, mas para a sociedade e a economia.
“Engajar as pessoas como consumidoras nos dá a possibilidade de construir um movimento de bilhões. Para ser parte dele, as pessoas não precisam assinar uma petição ou pagar mensalidade. Elas não recebem uma newsletter, um cartão de sócio para colocar na carteira ou um calendário para pendurar na parede. Imagine o que esse movimento pode fazer”, conclamou.
Na imaginação dos tradicionais ativistas do verde-escuro, o movimento azul já nasceu morto, pois perpetua o consumismo que, na visão deles, alimenta o sistema que causa e aprofunda a crise ambiental. Hoje consultor, Werbach foi criticado por “pintar” seu movimento de azul, cor do logo do WalMart – o gigante americano do varejo criticado por suas práticas trabalhistas –, onde promove o PPS entre os funcionários.
A busca de Werbach por um movimento que mobilize grandes massas de pessoas, apesar da polêmica sobre o consumo, denota uma preocupação generalizada entre os defensores do meio ambiente, independente do tom de verde – ou outra cor – ao qual sejam adeptos. A despeito do aumento da conscientização ambiental em todo o espectro – dos indivíduos e seus representantes políticos às grandes corporações –, ainda não se consegue vislumbrar como mobilizar uma sociedade consumista e individualista para a mudança em direção à sustentabilidade ecológica.
ALÉM DA CORUJA PINTADA
O primeiro discurso de Werbach no Commonwealth Club ecoou outros clamores por uma agenda ampliada e progressista que englobasse as questões ambientais, mas não se limitasse a elas. Alguns meses antes, em 2004, um ensaio intitulado “A morte do ambientalismo” circulou na reunião anual da Environmental Grantmakers Association. Nele, Michael Shellenberger e Ted Nordhaus, consultores com passado no ativismo ambiental, defendiam que o ambientalismo havia se tornado apenas mais uma causa. “O ambientalismo é hoje mais proteger uma suposta ‘coisa’ – o ‘meio ambiente’ – do que promover a visão de mundo articulada por John Muir, fundador do Sierra Club, que há quase um século observou: ‘Quando tentamos selecionar apenas uma coisa, descobrimos que ela está conectada a tudo o mais que existe no Universo’”, escreveram.
Para Shellenberger e Nordhaus, o moderno ambientalismo americano é refém de seu período de glória – os anos 60 e 70, quando conseguiu aprovar uma série de políticas e regulações no Congresso em defesa de “causas” ambientais, muitas vezes ancoradas nas chamadas “espécies carismáticas”. O caso da coruja pintada que habita as antigas florestas da região Noroeste dos EUA é emblemático dessa era. Em 1990, depois de anos de acalorado debate entre ambientalistas, governo e indústria madeireira, a espécie foi declarada ameaçada de extinção. A medida proibiu a exploração de boa parte das florestas que abrigam o animal, mas foi denunciada pela indústria como causadora de irreparáveis danos econômicos.
Em sua crítica, Shellenberger e Nordhaus dizem que o ambientalismo ainda bebe da noção de que o homem está separado e acima do mundo natural, que, por sua vez, precisa ser defendido e protegido – argumento que vem abaixo diante do alcance e da complexidade das mudanças climáticas. “Por que um fenômeno produzido pelo homem como o aquecimento global – e que pode matar centenas de milhares de seres humanos ao longo do próximo século – é considerado ‘ambiental’? Por que a pobreza e a guerra não são consideradas problemas ambientais, enquanto o aquecimento global é? Quais são as implicações de definir o aquecimento global como um problema ambiental – e de deixar a responsabilidade de lidar com ele na mão dos ‘ambientalistas’?”, questionaram.
Para ilustrar o problema, Shellenberger e Nordhaus destrincharam a participação de grupos ambientalistas nos acordos políticos que permitiram que os EUA mantivessem, por décadas, baixíssimos padrões de eficiência no consumo de combustível pelos veículos. “Ao pensar só em seus interesses definidos de maneira estreita, os grupos ambientalistas não se preocupam com as necessidades nem dos sindicatos nem da indústria. Por consequência, perdemos grandes oportunidades de construir alianças.” Para problemas definidos como “ambientais”, as soluções em geral são técnicas, e não abrangentes o suficiente para realmente fazer a diferença, acrescentaram.
BATALHA NA RETAGUARDA
Os dilemas do ambientalismo americano foram analisados mais a fundo pelos sociólogos Robert J. Brulle, da Drexel University, e J. Craig Jenkins, da Ohio State University.
Embora identifiquem no ambientalismo um movimento social vital para a renovação e a transformação necessárias para criar uma sociedade ecologicamente sustentável, os autores apontam um processo de marginalização. Apesar do crescimento do número de organizações ambientais no passado recente, o impacto ambiental dos EUA continua aumentando, argumentam: de 1961 ao ano 2000, a pegada ecológica americana cresceu 270%. Politicamente, depois de uma boa performance nos anos 80 e meados dos 90, os ambientalistas passaram a sofrer mais derrotas no Congresso – vencendo em apenas 30% das votações, na maior parte das vezes ao bloquear projetos indesejados.
A falta de uma visão de mundo que inspire a mudança em direção a um novo estado de coisas é um dos motivos da marginalização política do ambientalismo, segundo Brulle e Jenkins. O “conservacionismo”, por exemplo, vê a natureza como recurso a ser usado para as necessidades humanas, atendendo o maior número de pessoas pelo maior período de tempo possível.
Nascido no início do século XX, fez parte de um movimento progressista que defendia a regulação dos mercados para garantir justiça social. Entrou em declínio nos anos 60, ressurgindo no conceito de desenvolvimento sustentável do Relatório Brundtland de 1987 e como método científico para gerir os recursos naturais e atender a estrutura social vigente.
O “preservacionismo” – na tradição de John Muir, Henry David Thoreau, pai da simplicidade voluntária, e Aldo Leopold, fundador da The Wilderness Society – defende a proteção da vida selvagem e da biodiversidade e, embora apresente a natureza como necessária para a renovação do homem, não a conecta com preocupações sociais mais amplas, analisam Brulle e Jenkins.
Por fim, o “ambientalismo reformado”, nascido nas décadas de 50 e 60, baseava-se na idéia de que a humanidade é parte dos ecossistemas e, portanto, sua saúde está ligada às condições ambientais. Rejeitava o uso da natureza para lucro e tentava trazer questões sociais para a agenda ambientalista, mas acabou substituído, segundo os autores, por uma visão tecnicista. A partir dos anos 80, foi dominado pela “modernização ecológica”, segundo a qual é possível reduzir os impactos dos processos industriais usando mecanismos de mercado.
Outros dois motivos apontados pelos sociólogos para a marginalização do movimento ambiental são sua crescente profissionalização – que contribui para tornar mais difícil o engajamento das pessoas comuns nas organizações ambientais – e o domínio do processo político americano pelo ideário neoconsevador nas últimas décadas, deixando o ambientalismo e as ideias progressistas na defensiva.
“O movimento ambiental está encastelado em uma batalha na retaguarda, tentando preservar o que ganhou no passado por meio de seus discursos dominantes, que não têm ressonância efetiva e falham em conectar-se com uma visão mais ampla de justiça social. Promovem soluções caso a caso que tipicamente não enfrentam as raízes dos problemas ambientais. Usar as ações de mercado para uma agenda ambiental mais ampla é menos importante do que desenvolver a agenda ambiental mais ampla. Isso requer um movimento ambientalista rejuvenescido com base na prática democrática e na organização. As especificidades são menos importantes do que o método”, concluem os autores.
NÓS NÃO VAMOS PAGAR NADA
Shellenberger e Nordhaus voltaram à carga no final de 2007, com a publicação do livro Break Through – Da morte do ambientalismo à política do possível, em que reforçam a ideia de que o ambientalismo é incapaz de lidar com a crise ecológica e defendem que o aquecimento global seja reconceitualizado como algo que atinge toda a civilização – empregos, saúde, as aspirações das pessoas – e não apenas o meio ambiente. Para isso, é preciso uma narrativa política que proponha a superação da adversidade e não o ressentimento e o medo. Os consultores acreditam que, com a nova narrativa, um massivo programa de investimentos em energias limpas e o aumento da prosperidade econômica em países como China, Índia e Brasil, a humanidade será capaz de superar o desafio.
“Ao promover a verdade inconveniente de que os homens precisam limitar seu consumo e sacrificar seu modo de vida para evitar que o mundo termine, os ambientalistas estão não só promovendo uma solução que não funciona, estão desencorajando os americanos de ver as grandes soluções. Para que o pensamento dos americanos seja expansivo, generoso e orientado para o futuro, eles precisam se sentir seguros, ricos e fortes”, escreveram.
Vários ambientalistas e ativistas responderam aos ataques de Shellenberger e Nordhaus e os acusaram de ignorar a história do ambientalismo e semear a discórdia em um momento em que os movimentos progressistas desesperadamente precisam de união. A crítica mais contundente, entretanto, é a mesma feita a Adam Werbach: a solução do problema não pode ser orientada pelo mesmo pensamento que o criou.
Ao rejeitar as verdades inconvenientes em relação à necessidade de parcimônia no uso dos recursos naturais, o que consequentemente impõe limites, os consultores escolhem uma nova pintura – será ela azul?– e não a transformação do modelo.
Para Carl Pope, diretor-executivo do Sierra Club, Shellenberger e Nordhaus construíram um “espantalho” – a visão das fraquezas do ambientalismo – apenas para desmontá-lo depois. Em resposta à declaração de morte do ambientalismo, Pope lembrou o sucesso no combate à poluição nos anos 60 e 70, à energia nuclear nos anos 80 e à disseminação dos organismos geneticamente modificados nos anos 90.
Admitiu que o ambientalismo sistematicamente encontrou dificuldades depois disso, mas destacou que o mesmo ocorreu com os movimentos sindicais e de justiça social.
Ao tratar do tema preferido de Shellenberger e Nordhaus, o aquecimento global, Pope pôs o dedo na ferida. As mudanças climáticas diferem de outros problemas ambientais que o movimento atacou no passado, pois exige a visão ampla de uma nova ordem econômica, escreveu ele. “Um exemplo impressionante de uma estratégia para transformar o debate sobre o aquecimento global usando uma forma diferente, mas totalmente familiar, de defesa ambiental seria aplicar o princípio de ‘poluidor-pagador’. Dessa perspectiva, em seu cerne, o debate sobre o aquecimento global não é complicado. É simplesmente muito difícil porque é sobre quem vai pagar.”