Os remédios amargos do ambientalismo tradicional para evitar impactos ao mundo natural podem ter o efeito contrário e desmobilizar as pessoas. Não o americano Alex Steffen. Editor-executivo do WorldChanging, considerado um dos sites mais populares da web, ele cunhou a expressão “bright green environmentalism”, que distingue uma nova geração de ativistas. Longe das mensagens pessimistas e da versão verde light, associada ao greenwashing, Steffen defende um novo tom para o verde, ligado à inovação, à tecnologia e à redefinição do que é prosperidade
O que é bright green environmentalism? Como difere do ambientalismo tradicional?
É uma escola de pensamento que emergiu nos últimos anos e que parte da premissa de que os problemas ambientais que enfrentamos são extremamente sérios, mas questiona se as abordagens que empregamos para tentar solucionar esses problemas são adequadas. Uma das principais diferenças é que a abordagem do ambientalismo tradicional em geral é a de renunciar a aspectos do nosso modo de vida que atualmente são danosos do ponto de vista ambiental, e pedir que as pessoas vivam vidas mais simples, modestas, de certa maneira, uma vida mais pobre. Em contraste, o bright green environmentalism parte do princípio de que as pessoas querem um certo nível de prosperidade e que isso, assim como qualidade de vida, é fundamental para o bem-estar humano. Então, a pergunta acaba sendo: como obter prosperidade e qualidade de vida sem destruir o mundo natural? Isso transforma a questão ambiental de uma pergunta fundamentalmente ética em um problema fundamental de design. O que o bright green environmentalism se propõe a fazer é redesenhar os sistemas que nos dão prosperidade para que nos dêem mais prosperidade com menos impacto. Por estarmos em meio a uma grande onda de inovação e criatividade em termos de tecnologia, design, comércio e planejamento urbano, sabemos que podemos fazer isso, podemos criar uma forma de vida na qual todos os habitantes do planeta podem participar e, ao mesmo tempo, respeitar os ecossistemas naturais.
Leva em conta as disparidades não só entre países, mas dentro dos países? Sua descrição parece factível para uma nação como os EUA, mas não para o Brasil ou países mais pobres. Não é preciso fechar essa lacuna antes de falar em prosperidade para todos?
Tudo é parte do mesmo problema. Temos de redefinir o que é prosperidade, reinventar os sistemas que a tornam possível e mudar as formas como interagimos em escala planetária, para que possamos convergir para esse tipo de prosperidade. Os desafios são diferentes para diferentes pessoas em diferentes partes do mundo. Há centenas de milhares de pessoas que vivem vidas sustentáveis porque estão morrendo de fome. Não é esse o tipo de prosperidade que queremos e, para estas pessoas, a questão é como ter certeza de que há provisões adequadas de alimento, moradia, educação, oportunidades econômicas, direitos políticos e humanos. Mas isso é parte do mesmo desafio que temos aqui nos EUA, que é fundamentalmente alterar os sistemas com os quais estamos engajados em termos de oferta de energia, do tipo de produtos que usamos e da quantidade de consumo que praticamos. Trata-se de desafios diferentes e específicos, mas estão relacionados de maneira fundamental em todos os aspectos.
Mas os desafios do mundo em desenvolvimento fazem parte das preocupações do “bright green environmentalism”?
Acreditamos totalmente que isso é parte fundamental do desafio que enfrentamos. Um dos principais aspectos da desigualdade mundial é que as pessoas que vivem no mundo desenvolvido, especialmente os americanos, têm um impacto altamente desproporcional nos sistemas globais dos quais todos nós dependemos. Os americanos são responsáveis por quase um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa, embora sejamos apenas 4,5% da população mundial.
Os impactos das mudanças climáticas, só para dar um exemplo, recaem desproporcionalmente sobre as pessoas do mundo em desenvolvimento, em especial na África. Uma das principais coisas que os EUA podem fazer é se tornar uma nação neutra do ponto de vista de carbono, e trabalhar com pessoas de todo o mundo para desenvolver fontes limpas de energia, máquinas eficientes, sistemas de transporte eficientes, e assim por diante. Uma das principais maneiras pelas quais nós interagimos com o resto do mundo é mudando o clima e, portanto, uma das principais tarefas – acho que no momento é a principal tarefa – é reformar os meios de garantir prosperidade às pessoas mais ricas.
E assim produzir efeitos a ser compartilhados com as outras pessoas?
Exatamente. As escolhas que um consumidor, uma empresa ou os governos nos EUA e na Europa fazem em relação a seus impactos ambientais, suas relações de comércio etc. determinam as oportunidades que as pessoas, especialmente em países muito pobres, têm. Por isso nos parece que uma das principais tarefas – e a primeira do bright green environmentalism – é transformar as nações ricas em países de baixo impacto ambiental, de maneira que outros países tenham a liberdade de inventar suas próprias soluções. A outra face disso é… para o Brasil se tornar próspero e sustentável, precisa reinventar vários de seus sistemas atuais. Embora esteja em melhor posição do que muitos países para encarar essa reinvenção, o Brasil ainda tem uma fração pequena do número de cientistas, engenheiros, pesquisadores, universidades, orçamentos de pesquisa e desenvolvimento do que um país como os EUA. Uma das razões pelas quais queremos que países como os EUA e os europeus liderem o caminho em direção a uma sociedade bright green é que precisamos de capacidade de pesquisa e desenvolvimento. Se pudermos transformar o sistema de transporte americano, mudar a forma com que os veículos são produzidos, e inventar modelos que usem a tecnologia da informação para reduzir a necessidade de viajar etc., os beneficiários dessa transformação, caso tornemos o sistema global mais igualitário, serão todos. As pessoas no Brasil, ao experimentar seus próprios esforços para transformar seus sistemas de transporte, terão o benefício de toda essa inovação e poderão adicionar seus próprios insights para que também aprendamos e continuemos a nossa transformação.
Mudar sistemas implica um novo contrato social, um novo contrato global?
Eu não sei. Claro que tenho muitas ideias e ideais, que adoraria ver acontecerem em escala global, mas, sendo realista, acho que o que mais precisamos é que os nossos contratos existentes sejam honrados. Já temos acordos globais sobre várias coisas, certo? Já temos entendimentos globais éticos sobre a natureza de vários desses problemas, mas não vivemos à altura dos nossos próprios ideais.
Tenho de dizer que o meu país é um dos principais culpados disso. Sabemos que há, por exemplo, padrões internacionais sobre participação em esquema de corrupção em governos, mas não aplicamos tais padrões a nós mesmos, que dirá em relação ao comportamento de nossas corporações em outros países.
Embora adore conversar sobre como podemos mudar tudo, eu não sei se precisamos mudar tudo para que sejamos bem-sucedidos. Acho que temos de honrar os princípios existentes. E temos de ter sistemas de comércio baseados não nos interesses das partes mais poderosas, mas, sim, em princípios e naquilo que é bom para todo mundo. Temos de ter um entendimento sobre a mudança climática que seja realista, mas também leve em conta o carbono histórico. O problema que enfrentamos hoje em termos de mudança climática é responsabilidade das pessoas mais ricas. Nós criamos o problema.
Talvez precisemos de algumas novas ideias globais, e eu adoro falar sobre isso, mas ficaria feliz em aceitar que as nossas idéias existentes fossem honradas.
Como enxerga o colapso das negociações na Organização Mundial do Comércio? Há quem preveja a escalada do protecionismo e a volta a economias localizadas. Outros celebram o fato de que consumir localmente gera menos impacto ambiental.
Minha visão pessoal é a de que, em geral, a livre troca de bens e serviços ajuda as pessoas, desde que se mantenham iguais todas as outras variáveis. O problema é que não se mantêm iguais todas as outras variáveis, certo? Vivemos em um mundo que não corresponde perfeitamente a um modelo econômico, em parte por razões políticas. Muitas pessoas fazem críticas inteligentes ao sistema global de comércio e às formas com que ele afeta diferentes pessoas e partes do mundo. Eu, particularmente, acho que ele foi estabelecido sobre um conjunto de premissas características do século XX sobre a disponibilidade de recursos, o custo da energia, os níveis aceitáveis de poluição para manter uma economia globalizada. Mesmo que não seja possível concordar sobre os impactos políticos do tipo de negociação comercial que tivemos até agora, as pessoas inteligentes deveriam ser capazes de concordar que vai ser cada vez mais difícil ter um sistema massivamente globalizado de comércio para as commodities básicas, minérios, produtos agrícolas. Os custos de manter tal sistema provavelmente estão começando a ultrapassar seus benefícios.
Então, acho que vamos começar a ver as coisas feitas na escala apropriada. Por exemplo, a maior parte do cultivo de alimentos provavelmente faz mais sentido se feita localmente. Outras coisas podem ser completamente livres e abertas: ideias, propriedade intelectual, coisas intangíveis para as quais queremos mais comunicação e mais compartilhamento. Neste momento vivemos em um mundo em que existem várias barreiras culturais, muitas paredes separam as pessoas quanto às ideias, à informação e à tecnologia a que elas têm acesso, mas os bens e mercadorias fluem livremente da China para o Brasil, para os EUA, para a África do Sul, ou para onde quer que seja.
Eu acho que, em um mundo sustentável, vamos ver essas coisas mudarem de lugar e se tornar mais raro que os bens físicos sejam transportados a longas distâncias, especialmente as commodities, e mais comum que ideias e inovações sejam compartilhadas entre países.
No ensaio “A morte do ambientalismo” e no livro Breakthrough, da Morte do Ambientalismo à Política do Possível, Michael Shellenberger e Ted Nordhaus defendem que o ambientalismo morra para dar lugar a outra coisa, se quisermos combater as mudanças climáticas. Qual a sua opinião?
Eu discordo. Eles argumentam que o ambientalismo tornou-se separado do resto do mundo e que precisa levar em conta ideias do setor empresarial, dos trabalhadores, do mundo político. Eu acho que isso está totalmente errado e o que precisa acontecer é o oposto: as pessoas que estão nas empresas, nas organizações sindicais e no governo precisam compreender que o meio ambiente supera qualquer outra consideração que eles possam ter, que o respeito ao meio ambiente é um limite absoluto.
Podemos falar de mil maneiras mais eficientes de obter as coisas que queremos na vida dentro desse limite, mas o conjunto de limites representado pelo pensamento ambiental é baseado na ciência e na realidade. Ele determina o que é realmente possível fazer a longo prazo. A curto prazo, você sempre pode vencer, ou trapacear a natureza, mas a natureza sempre vence no final. Acho que estamos iniciando uma era que não é a da morte do ambientalismo, mas a da vitória do ambientalismo, uma era em que todos sabem que é preciso proteger o meio ambiente. Uma boa analogia é a escravidão: houve um tempo em que tínhamos um nome para quem não considerava que a escravidão era algo correto. Eram os abolicionistas, uma minoria que defendia outra maneira de fazer as coisas e que muitas pessoas em posição de autoridade achavam loucura. Hoje não temos um nome para quem acredita que a escravidão é algo errado, porque todos acreditam nisso, a escravidão está nas margens da sociedade e é fora-da-lei em todos os lugares. Mudamos completamente o entendimento sobre esse assunto. De uma certa maneira, o que Shellenberger e Nordhaus dizem é que os abolicionistas devem desistir e juntar-se a outras causas. Para eles, essa é a maneira pela qual a escravidão eventualmente vai desaparecer – quando a abolição se tornar importante para outros grupos de pessoas. Eu sugiro o oposto, que queremos um mundo em que todos concordem que a escravidão é algo errado, onde todos concordem que o meio ambiente precisa ser protegido.
Apesar da conscientização ocorrida nos últimos dois ou três anos, não atingimos esse estágio… É impressionante, mas é verdade, há um grande número de pessoas que não entendem que vivemos em um mundo finito, que nunca perderam um minuto para pensar que toda a água que jamais vamos ter, todos os minerais que jamais vamos ter, todos os combustíveis fósseis que jamais vamos ter já estão aqui no planeta e nós os estamos usando.
O que mostra que a questão ambiental é bem ampla. Shellenberger e Nordhaus, por exemplo, reduzem o desafio ambiental ao aquecimento global e dão a entender que, ao adotar as energias limpas e enfrentá-lo, estaremos em marcha para uma vida mais sustentável. O senhor concorda?
É um erro grave assumir que a mudança climática é o único problema que enfrentamos, ou mesmo o mais importante. E por uma razão em particular: o fato de que o tipo de pensamento que nos colocou neste problema não é o tipo de pensamento que pode nos tirar dele. A razão pela qual enfrentamos o aquecimento global é porque nos permitimos ser míopes, permitimos que o nosso pensamento ficasse a cargo de pessoas fechadas em quartos estanques sem se comunicar entre si, que fôssemos muito reducionistas ao buscar prosperidade e felicidade. Sabemos agora que precisamos ser o oposto disso, olhar longe e pensar de maneira holística para ter certeza de que as soluções não levem a consequências que não queremos, e que, com sorte, elas deem conta de mais de um problema ao mesmo tempo. Eu me preocupo muito com o fato de que várias das respostas que vemos para o aquecimento global provêm do mesmo tipo de pensamento com foco único que criou o problema. Por exemplo, a ideia de encher os oceanos de partículas de ferro, ou a ideia de que tudo o que precisamos é energia nuclear, ou de que precisamos de biocombustíveis a qualquer custo. Todas essas coisas têm potencial para dar incrivelmente errado.
É uma visão que ignora a complexidade?
Sim, e é justamente por isso que sugerir que o aquecimento global está acima de todos os outros temas é uma má ideia.
O ambientalismo tradicional, em geral, mostra-se relutante em relação à tecnologia, mas o bright green environmentalism é adepto das soluções tecnológicas. Por quê?
Não há como ser contra a tecnologia, contra a urbanidade ou contra a inovação neste ponto da história e considerar- se um ambientalista. Não há resposta que exista atualmente que nos permita evitar a catástrofe, e a única maneira é mudar o que temos hoje e inventar coisas novas. Não podemos voltar a ser agricultores do século XIX, nós abandonamos esse mundo, não vivemos mais assim. Se quisermos ser sustentáveis agora, vai ser com inovação e a transformação completa, em escala planetária, da civilização material que desenvolvemos. E isso requer tecnologia, requer aceitar as possibilidades das cidades, requer pensamento inovador e holístico. A rejeição da tecnologia pelos ambientalistas significa que as pessoas sobre quem recai a tarefa de determinar a tecnologia – que permanecem na conversa sobre que tipo de tecnologia vamos ter – são as pessoas que não se importam com o meio ambiente. Temos de ter certeza de que o meio ambiente e as questões sociais, éticas e políticas são levados em conta quando decidimos os tipos de tecnologia com os quais vamos viver. A questão essencial é: estamos sendo inteligentes na formulação do problema e nas soluções que propomos? Para cada tipo de vida, para cada nação e para cada posição na sociedade, os problemas e as soluções são diferentes, mas o objetivo maior tem de ser o mesmo, criar um planeta sustentavelmente próspero para todos.
O que são “contextos revelados”, “fluxos observados” e “serviços compartilhados”? Por que são importantes para a visão de um futuro bright green?
Essas coisas revelam uma característica fundamental do pensamento bright green, que é a ideia de que, até recentemente, era quase sempre mais barato queimar combustível, desperdiçar alguns recursos, do que pensar mais. Se olharmos para uma linha de montagem, os trabalhadores custavam barato, o carvão custava barato, o aço custava barato e os engenheiros custavam muito caro. Isso, entretanto, ficou no passado. Vivemos agora em um tempo em que compartilhar a inovação é mais fácil e mais comum do que jamais foi na história da humanidade. Temos a capacidade de monitorar os fluxos de recursos e energia em uma escala muito precisa – e estamos fazendo justamente isso –, temos a habilidade de enxergar o contexto de bens e objetos e compreender as maneiras em que diferentes grupos de pessoas interagem em diferentes partes do sistema econômico. Tudo isso significa que, agora, ser inteligente é mais barato do que usar materiais e energia. De certa forma, isso é positivo por si só, pois podemos economizar dinheiro de mil maneiras apenas sendo mais eficientes. E é possível não apenas fazer as coisas da forma mais eficiente, mas há coisas que não éramos capazes de fazer no passado, mas agora somos. Um exemplo é o contexto de bens e serviços, ou seja, o que aconteceu antes que você comprasse alguma coisa, de onde essa coisa veio, quem fez, com que recursos, que tipo de energia foi utilizada, e, quando você tiver acabado de usar, para onde ela vai, como vai ser disposta?
No século XX, na maior parte do tempo, não havia tais informações, mesmo se quiséssemos saber, e às vezes nem as pessoas que faziam as coisas Sabiam. Isso é uma das coisas que estão mudando mais rápido agora, é cada vez mais fácil ter essas informações. Isso permite que as pessoas comecem a apoiar, em seu cotidiano, a mudança nos sistemas maiores, porque muitas das coisas que precisam mudar estão fora do nosso controle imediato. Eu não posso desligar a usina a carvão e ligar uma usina eólica. Eu não posso mudar o jeito como a minha cidade é planejada, não posso transformar os campos do Meio-Oeste americano de monoculturas químicas em agricultura orgânica e diversificada. Não posso fazer essas coisas por mim mesmo, mas essas são as coisas importantes que precisam ser feitas, não apenas reciclar o meu lixo e apagar as luzes. Nós precisamos de transformações, não apenas de um comportamento melhor.
Isso significa que a ação individual não é importante?
Significa que somente a ação individual não é suficiente. Mais do que isso, significa que os indivíduos precisam agir com base no que aprenderam sobre o funcionamento dos grandes sistemas e sobre a sua própria relação com esses grandes sistemas. É por isso que revelar os contextos e os fluxos é tão importante, porque essa é a maneira de ajudar as pessoas a entenderem qual é a sua relação, como indivíduos, com esses sistemas gigantescos com os quais todos nós estamos engajados. Nos ajuda a compreender, o que é sempre bom por si só, por que mudar nosso pensamento é sempre o primeiro passo.
Mas, além disso, nos ajuda a começar a buscar, diariamente, alternativas melhores. Uma vez que as pessoas sabem o que existe por trás de uma coisa que estão comprando, especialmente se a história dessa coisa é algo que as faz sentir vergonha ou que não corresponde aos seus valores e ética, elas começam a mudar suas decisões, e isso pode rapidamente modificar o que as empresas vão vender. O grande exemplo são os “diamantes de sangue”. Por muitos anos, especialmente na África Central, extraíam-se diamantes em zonas de conflito com o trabalho forçado de pessoas em campos de concentração, e o dinheiro da venda era usado para comprar armas e alimentar a guerra.
Toda vez que alguém comprava um diamante desses em outro país, estava essencialmente pagando para manter os campos, a guerra e o genocídio.
Durou muito tempo, pois as pessoas não sabiam disso. Até que um grupo de ONGs, especialmente a GlobalWatch, de Londres, resolveu agir e revelar isso para o mundo. Eles usaram investigação e outras técnicas para mostrar que os diamantes que acabavam nos dedos das pessoas em outros países eram extraídos ao custo da vida de pessoas, estavam cobertos de sangue. Essa revelação mudou totalmente a indústria de diamantes, ela ainda está sentindo os efeitos. Os diamantes canadenses, que são relativamente mais “éticos”, vivem um boom, há esforços para regular a indústria de diamantes, o preço dos diamantes caiu. Houve um impacto tremendo apenas com a revelação de que, ao comprar um diamante, você poderia estar fazendo algo horrível.
Agora imagine todos os aspectos da sua vida, alguns produtos são como os diamantes de sangue, têm contextos horríveis, e outros produtos, mesmo que não tenham contextos benéficos, pelo menos têm contextos aceitáveis.
Eu acho que, à medida que a transparência, os contextos e a revelação dos fluxos se tornarem mais comuns, vamos começar a ver as pessoas tomarem decisões múltiplas todos os dias sobre o tipo de mundo em que querem viver, porque elas não querem um anel feito de diamantes de sangue, também não querem comprar roupas costuradas por meninas de 13 anos, ou comida cultivada com pesticidas por gente que ganha alguns centavos por dia. Por isso é tão importante, porque permite que as pessoas normais tenham acesso aos pontos de alavancagem dos grandes sistemas de produção.
Elas estariam forçando as empresas a desenhar as coisas de maneira diferente? Qual a importância do design para o bright green environmentalism?
É fundamental, a sustentabilidade é fundamentalmente um problema de design. Nós nos propusemos a alcançar um determinado conjunto de objetivos, desenhamos os sistemas para atingir esses objetivos, e esses sistemas acabaram tendo efeitos que não havíamos previsto, ou com os quais não nos preocupávamos.
Agora sabemos que esses efeitos são muito sérios, então o que precisamos fazer antes de tudo é voltar para o começo e analisar os objetivos. Se aqueles forem os objetivos que queremos – se ainda queremos ser prósperos, ter vidas felizes, sentir-nos seguros –, então como podemos alcançá-los sem produzir aqueles efeitos? Temos de redesenhar tudo de forma que os efeitos produzidos sejam aqueles com os quais queremos viver.
Há também uma questão estética?
Sim. O (arquiteto e designer americano) Buckminster Fuller dizia que, quando estava analisando os problemas e tentando achar uma solução, ele nunca pensava na beleza, mas, quando descobria o que achava ser a solução, se ela não fosse bonita, ele sabia que estava errada. Eu acho que isso é verdade, pois parte do que estamos compreendendo é que muitas coisas que são bonitas ou emocionantes, mais justas ou mais democráticas, ou que respeitam mais a história e nos deixam profundamente satisfeitos como seres humanos… essas coisas são as que no fim são as mais sustentáveis para o planeta.
Pessoalmente, qual é sua ideia de prosperidade?
É uma combinação de coisas, como para muitas pessoas que trabalham no terceiro setor, eu não me incomodaria de ganhar um pouco mais de dinheiro.
Mas é também ter a sensação de segurança financeira e ter acesso a experiências que são emocionalmente ricas, seja passar tempo com a família, seja cozinhar, poder ver um bom filme e poder, de vez em quando, viajar a um lugar que sempre quis ir.[:en]Os remédios amargos do ambientalismo tradicional para evitar impactos ao mundo natural podem ter o efeito contrário e desmobilizar as pessoas. Não o americano Alex Steffen. Editor-executivo do WorldChanging, considerado um dos sites mais populares da web, ele cunhou a expressão “bright green environmentalism”, que distingue uma nova geração de ativistas. Longe das mensagens pessimistas e da versão verde light, associada ao greenwashing, Steffen defende um novo tom para o verde, ligado à inovação, à tecnologia e à redefinição do que é prosperidade
O que é bright green environmentalism? Como difere do ambientalismo tradicional?
É uma escola de pensamento que emergiu nos últimos anos e que parte da premissa de que os problemas ambientais que enfrentamos são extremamente sérios, mas questiona se as abordagens que empregamos para tentar solucionar esses problemas são adequadas. Uma das principais diferenças é que a abordagem do ambientalismo tradicional em geral é a de renunciar a aspectos do nosso modo de vida que atualmente são danosos do ponto de vista ambiental, e pedir que as pessoas vivam vidas mais simples, modestas, de certa maneira, uma vida mais pobre. Em contraste, o bright green environmentalism parte do princípio de que as pessoas querem um certo nível de prosperidade e que isso, assim como qualidade de vida, é fundamental para o bem-estar humano. Então, a pergunta acaba sendo: como obter prosperidade e qualidade de vida sem destruir o mundo natural? Isso transforma a questão ambiental de uma pergunta fundamentalmente ética em um problema fundamental de design. O que o bright green environmentalism se propõe a fazer é redesenhar os sistemas que nos dão prosperidade para que nos dêem mais prosperidade com menos impacto. Por estarmos em meio a uma grande onda de inovação e criatividade em termos de tecnologia, design, comércio e planejamento urbano, sabemos que podemos fazer isso, podemos criar uma forma de vida na qual todos os habitantes do planeta podem participar e, ao mesmo tempo, respeitar os ecossistemas naturais.
Leva em conta as disparidades não só entre países, mas dentro dos países? Sua descrição parece factível para uma nação como os EUA, mas não para o Brasil ou países mais pobres. Não é preciso fechar essa lacuna antes de falar em prosperidade para todos?
Tudo é parte do mesmo problema. Temos de redefinir o que é prosperidade, reinventar os sistemas que a tornam possível e mudar as formas como interagimos em escala planetária, para que possamos convergir para esse tipo de prosperidade. Os desafios são diferentes para diferentes pessoas em diferentes partes do mundo. Há centenas de milhares de pessoas que vivem vidas sustentáveis porque estão morrendo de fome. Não é esse o tipo de prosperidade que queremos e, para estas pessoas, a questão é como ter certeza de que há provisões adequadas de alimento, moradia, educação, oportunidades econômicas, direitos políticos e humanos. Mas isso é parte do mesmo desafio que temos aqui nos EUA, que é fundamentalmente alterar os sistemas com os quais estamos engajados em termos de oferta de energia, do tipo de produtos que usamos e da quantidade de consumo que praticamos. Trata-se de desafios diferentes e específicos, mas estão relacionados de maneira fundamental em todos os aspectos.
Mas os desafios do mundo em desenvolvimento fazem parte das preocupações do “bright green environmentalism”?
Acreditamos totalmente que isso é parte fundamental do desafio que enfrentamos. Um dos principais aspectos da desigualdade mundial é que as pessoas que vivem no mundo desenvolvido, especialmente os americanos, têm um impacto altamente desproporcional nos sistemas globais dos quais todos nós dependemos. Os americanos são responsáveis por quase um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa, embora sejamos apenas 4,5% da população mundial.
Os impactos das mudanças climáticas, só para dar um exemplo, recaem desproporcionalmente sobre as pessoas do mundo em desenvolvimento, em especial na África. Uma das principais coisas que os EUA podem fazer é se tornar uma nação neutra do ponto de vista de carbono, e trabalhar com pessoas de todo o mundo para desenvolver fontes limpas de energia, máquinas eficientes, sistemas de transporte eficientes, e assim por diante. Uma das principais maneiras pelas quais nós interagimos com o resto do mundo é mudando o clima e, portanto, uma das principais tarefas – acho que no momento é a principal tarefa – é reformar os meios de garantir prosperidade às pessoas mais ricas.
E assim produzir efeitos a ser compartilhados com as outras pessoas?
Exatamente. As escolhas que um consumidor, uma empresa ou os governos nos EUA e na Europa fazem em relação a seus impactos ambientais, suas relações de comércio etc. determinam as oportunidades que as pessoas, especialmente em países muito pobres, têm. Por isso nos parece que uma das principais tarefas – e a primeira do bright green environmentalism – é transformar as nações ricas em países de baixo impacto ambiental, de maneira que outros países tenham a liberdade de inventar suas próprias soluções. A outra face disso é… para o Brasil se tornar próspero e sustentável, precisa reinventar vários de seus sistemas atuais. Embora esteja em melhor posição do que muitos países para encarar essa reinvenção, o Brasil ainda tem uma fração pequena do número de cientistas, engenheiros, pesquisadores, universidades, orçamentos de pesquisa e desenvolvimento do que um país como os EUA. Uma das razões pelas quais queremos que países como os EUA e os europeus liderem o caminho em direção a uma sociedade bright green é que precisamos de capacidade de pesquisa e desenvolvimento. Se pudermos transformar o sistema de transporte americano, mudar a forma com que os veículos são produzidos, e inventar modelos que usem a tecnologia da informação para reduzir a necessidade de viajar etc., os beneficiários dessa transformação, caso tornemos o sistema global mais igualitário, serão todos. As pessoas no Brasil, ao experimentar seus próprios esforços para transformar seus sistemas de transporte, terão o benefício de toda essa inovação e poderão adicionar seus próprios insights para que também aprendamos e continuemos a nossa transformação.
Mudar sistemas implica um novo contrato social, um novo contrato global?
Eu não sei. Claro que tenho muitas ideias e ideais, que adoraria ver acontecerem em escala global, mas, sendo realista, acho que o que mais precisamos é que os nossos contratos existentes sejam honrados. Já temos acordos globais sobre várias coisas, certo? Já temos entendimentos globais éticos sobre a natureza de vários desses problemas, mas não vivemos à altura dos nossos próprios ideais.
Tenho de dizer que o meu país é um dos principais culpados disso. Sabemos que há, por exemplo, padrões internacionais sobre participação em esquema de corrupção em governos, mas não aplicamos tais padrões a nós mesmos, que dirá em relação ao comportamento de nossas corporações em outros países.
Embora adore conversar sobre como podemos mudar tudo, eu não sei se precisamos mudar tudo para que sejamos bem-sucedidos. Acho que temos de honrar os princípios existentes. E temos de ter sistemas de comércio baseados não nos interesses das partes mais poderosas, mas, sim, em princípios e naquilo que é bom para todo mundo. Temos de ter um entendimento sobre a mudança climática que seja realista, mas também leve em conta o carbono histórico. O problema que enfrentamos hoje em termos de mudança climática é responsabilidade das pessoas mais ricas. Nós criamos o problema.
Talvez precisemos de algumas novas ideias globais, e eu adoro falar sobre isso, mas ficaria feliz em aceitar que as nossas idéias existentes fossem honradas.
Como enxerga o colapso das negociações na Organização Mundial do Comércio? Há quem preveja a escalada do protecionismo e a volta a economias localizadas. Outros celebram o fato de que consumir localmente gera menos impacto ambiental.
Minha visão pessoal é a de que, em geral, a livre troca de bens e serviços ajuda as pessoas, desde que se mantenham iguais todas as outras variáveis. O problema é que não se mantêm iguais todas as outras variáveis, certo? Vivemos em um mundo que não corresponde perfeitamente a um modelo econômico, em parte por razões políticas. Muitas pessoas fazem críticas inteligentes ao sistema global de comércio e às formas com que ele afeta diferentes pessoas e partes do mundo. Eu, particularmente, acho que ele foi estabelecido sobre um conjunto de premissas características do século XX sobre a disponibilidade de recursos, o custo da energia, os níveis aceitáveis de poluição para manter uma economia globalizada. Mesmo que não seja possível concordar sobre os impactos políticos do tipo de negociação comercial que tivemos até agora, as pessoas inteligentes deveriam ser capazes de concordar que vai ser cada vez mais difícil ter um sistema massivamente globalizado de comércio para as commodities básicas, minérios, produtos agrícolas. Os custos de manter tal sistema provavelmente estão começando a ultrapassar seus benefícios.
Então, acho que vamos começar a ver as coisas feitas na escala apropriada. Por exemplo, a maior parte do cultivo de alimentos provavelmente faz mais sentido se feita localmente. Outras coisas podem ser completamente livres e abertas: ideias, propriedade intelectual, coisas intangíveis para as quais queremos mais comunicação e mais compartilhamento. Neste momento vivemos em um mundo em que existem várias barreiras culturais, muitas paredes separam as pessoas quanto às ideias, à informação e à tecnologia a que elas têm acesso, mas os bens e mercadorias fluem livremente da China para o Brasil, para os EUA, para a África do Sul, ou para onde quer que seja.
Eu acho que, em um mundo sustentável, vamos ver essas coisas mudarem de lugar e se tornar mais raro que os bens físicos sejam transportados a longas distâncias, especialmente as commodities, e mais comum que ideias e inovações sejam compartilhadas entre países.
No ensaio “A morte do ambientalismo” e no livro Breakthrough, da Morte do Ambientalismo à Política do Possível, Michael Shellenberger e Ted Nordhaus defendem que o ambientalismo morra para dar lugar a outra coisa, se quisermos combater as mudanças climáticas. Qual a sua opinião?
Eu discordo. Eles argumentam que o ambientalismo tornou-se separado do resto do mundo e que precisa levar em conta ideias do setor empresarial, dos trabalhadores, do mundo político. Eu acho que isso está totalmente errado e o que precisa acontecer é o oposto: as pessoas que estão nas empresas, nas organizações sindicais e no governo precisam compreender que o meio ambiente supera qualquer outra consideração que eles possam ter, que o respeito ao meio ambiente é um limite absoluto.
Podemos falar de mil maneiras mais eficientes de obter as coisas que queremos na vida dentro desse limite, mas o conjunto de limites representado pelo pensamento ambiental é baseado na ciência e na realidade. Ele determina o que é realmente possível fazer a longo prazo. A curto prazo, você sempre pode vencer, ou trapacear a natureza, mas a natureza sempre vence no final. Acho que estamos iniciando uma era que não é a da morte do ambientalismo, mas a da vitória do ambientalismo, uma era em que todos sabem que é preciso proteger o meio ambiente. Uma boa analogia é a escravidão: houve um tempo em que tínhamos um nome para quem não considerava que a escravidão era algo correto. Eram os abolicionistas, uma minoria que defendia outra maneira de fazer as coisas e que muitas pessoas em posição de autoridade achavam loucura. Hoje não temos um nome para quem acredita que a escravidão é algo errado, porque todos acreditam nisso, a escravidão está nas margens da sociedade e é fora-da-lei em todos os lugares. Mudamos completamente o entendimento sobre esse assunto. De uma certa maneira, o que Shellenberger e Nordhaus dizem é que os abolicionistas devem desistir e juntar-se a outras causas. Para eles, essa é a maneira pela qual a escravidão eventualmente vai desaparecer – quando a abolição se tornar importante para outros grupos de pessoas. Eu sugiro o oposto, que queremos um mundo em que todos concordem que a escravidão é algo errado, onde todos concordem que o meio ambiente precisa ser protegido.
Apesar da conscientização ocorrida nos últimos dois ou três anos, não atingimos esse estágio… É impressionante, mas é verdade, há um grande número de pessoas que não entendem que vivemos em um mundo finito, que nunca perderam um minuto para pensar que toda a água que jamais vamos ter, todos os minerais que jamais vamos ter, todos os combustíveis fósseis que jamais vamos ter já estão aqui no planeta e nós os estamos usando.
O que mostra que a questão ambiental é bem ampla. Shellenberger e Nordhaus, por exemplo, reduzem o desafio ambiental ao aquecimento global e dão a entender que, ao adotar as energias limpas e enfrentá-lo, estaremos em marcha para uma vida mais sustentável. O senhor concorda?
É um erro grave assumir que a mudança climática é o único problema que enfrentamos, ou mesmo o mais importante. E por uma razão em particular: o fato de que o tipo de pensamento que nos colocou neste problema não é o tipo de pensamento que pode nos tirar dele. A razão pela qual enfrentamos o aquecimento global é porque nos permitimos ser míopes, permitimos que o nosso pensamento ficasse a cargo de pessoas fechadas em quartos estanques sem se comunicar entre si, que fôssemos muito reducionistas ao buscar prosperidade e felicidade. Sabemos agora que precisamos ser o oposto disso, olhar longe e pensar de maneira holística para ter certeza de que as soluções não levem a consequências que não queremos, e que, com sorte, elas deem conta de mais de um problema ao mesmo tempo. Eu me preocupo muito com o fato de que várias das respostas que vemos para o aquecimento global provêm do mesmo tipo de pensamento com foco único que criou o problema. Por exemplo, a ideia de encher os oceanos de partículas de ferro, ou a ideia de que tudo o que precisamos é energia nuclear, ou de que precisamos de biocombustíveis a qualquer custo. Todas essas coisas têm potencial para dar incrivelmente errado.
É uma visão que ignora a complexidade?
Sim, e é justamente por isso que sugerir que o aquecimento global está acima de todos os outros temas é uma má ideia.
O ambientalismo tradicional, em geral, mostra-se relutante em relação à tecnologia, mas o bright green environmentalism é adepto das soluções tecnológicas. Por quê?
Não há como ser contra a tecnologia, contra a urbanidade ou contra a inovação neste ponto da história e considerar- se um ambientalista. Não há resposta que exista atualmente que nos permita evitar a catástrofe, e a única maneira é mudar o que temos hoje e inventar coisas novas. Não podemos voltar a ser agricultores do século XIX, nós abandonamos esse mundo, não vivemos mais assim. Se quisermos ser sustentáveis agora, vai ser com inovação e a transformação completa, em escala planetária, da civilização material que desenvolvemos. E isso requer tecnologia, requer aceitar as possibilidades das cidades, requer pensamento inovador e holístico. A rejeição da tecnologia pelos ambientalistas significa que as pessoas sobre quem recai a tarefa de determinar a tecnologia – que permanecem na conversa sobre que tipo de tecnologia vamos ter – são as pessoas que não se importam com o meio ambiente. Temos de ter certeza de que o meio ambiente e as questões sociais, éticas e políticas são levados em conta quando decidimos os tipos de tecnologia com os quais vamos viver. A questão essencial é: estamos sendo inteligentes na formulação do problema e nas soluções que propomos? Para cada tipo de vida, para cada nação e para cada posição na sociedade, os problemas e as soluções são diferentes, mas o objetivo maior tem de ser o mesmo, criar um planeta sustentavelmente próspero para todos.
O que são “contextos revelados”, “fluxos observados” e “serviços compartilhados”? Por que são importantes para a visão de um futuro bright green?
Essas coisas revelam uma característica fundamental do pensamento bright green, que é a ideia de que, até recentemente, era quase sempre mais barato queimar combustível, desperdiçar alguns recursos, do que pensar mais. Se olharmos para uma linha de montagem, os trabalhadores custavam barato, o carvão custava barato, o aço custava barato e os engenheiros custavam muito caro. Isso, entretanto, ficou no passado. Vivemos agora em um tempo em que compartilhar a inovação é mais fácil e mais comum do que jamais foi na história da humanidade. Temos a capacidade de monitorar os fluxos de recursos e energia em uma escala muito precisa – e estamos fazendo justamente isso –, temos a habilidade de enxergar o contexto de bens e objetos e compreender as maneiras em que diferentes grupos de pessoas interagem em diferentes partes do sistema econômico. Tudo isso significa que, agora, ser inteligente é mais barato do que usar materiais e energia. De certa forma, isso é positivo por si só, pois podemos economizar dinheiro de mil maneiras apenas sendo mais eficientes. E é possível não apenas fazer as coisas da forma mais eficiente, mas há coisas que não éramos capazes de fazer no passado, mas agora somos. Um exemplo é o contexto de bens e serviços, ou seja, o que aconteceu antes que você comprasse alguma coisa, de onde essa coisa veio, quem fez, com que recursos, que tipo de energia foi utilizada, e, quando você tiver acabado de usar, para onde ela vai, como vai ser disposta?
No século XX, na maior parte do tempo, não havia tais informações, mesmo se quiséssemos saber, e às vezes nem as pessoas que faziam as coisas Sabiam. Isso é uma das coisas que estão mudando mais rápido agora, é cada vez mais fácil ter essas informações. Isso permite que as pessoas comecem a apoiar, em seu cotidiano, a mudança nos sistemas maiores, porque muitas das coisas que precisam mudar estão fora do nosso controle imediato. Eu não posso desligar a usina a carvão e ligar uma usina eólica. Eu não posso mudar o jeito como a minha cidade é planejada, não posso transformar os campos do Meio-Oeste americano de monoculturas químicas em agricultura orgânica e diversificada. Não posso fazer essas coisas por mim mesmo, mas essas são as coisas importantes que precisam ser feitas, não apenas reciclar o meu lixo e apagar as luzes. Nós precisamos de transformações, não apenas de um comportamento melhor.
Isso significa que a ação individual não é importante?
Significa que somente a ação individual não é suficiente. Mais do que isso, significa que os indivíduos precisam agir com base no que aprenderam sobre o funcionamento dos grandes sistemas e sobre a sua própria relação com esses grandes sistemas. É por isso que revelar os contextos e os fluxos é tão importante, porque essa é a maneira de ajudar as pessoas a entenderem qual é a sua relação, como indivíduos, com esses sistemas gigantescos com os quais todos nós estamos engajados. Nos ajuda a compreender, o que é sempre bom por si só, por que mudar nosso pensamento é sempre o primeiro passo.
Mas, além disso, nos ajuda a começar a buscar, diariamente, alternativas melhores. Uma vez que as pessoas sabem o que existe por trás de uma coisa que estão comprando, especialmente se a história dessa coisa é algo que as faz sentir vergonha ou que não corresponde aos seus valores e ética, elas começam a mudar suas decisões, e isso pode rapidamente modificar o que as empresas vão vender. O grande exemplo são os “diamantes de sangue”. Por muitos anos, especialmente na África Central, extraíam-se diamantes em zonas de conflito com o trabalho forçado de pessoas em campos de concentração, e o dinheiro da venda era usado para comprar armas e alimentar a guerra.
Toda vez que alguém comprava um diamante desses em outro país, estava essencialmente pagando para manter os campos, a guerra e o genocídio.
Durou muito tempo, pois as pessoas não sabiam disso. Até que um grupo de ONGs, especialmente a GlobalWatch, de Londres, resolveu agir e revelar isso para o mundo. Eles usaram investigação e outras técnicas para mostrar que os diamantes que acabavam nos dedos das pessoas em outros países eram extraídos ao custo da vida de pessoas, estavam cobertos de sangue. Essa revelação mudou totalmente a indústria de diamantes, ela ainda está sentindo os efeitos. Os diamantes canadenses, que são relativamente mais “éticos”, vivem um boom, há esforços para regular a indústria de diamantes, o preço dos diamantes caiu. Houve um impacto tremendo apenas com a revelação de que, ao comprar um diamante, você poderia estar fazendo algo horrível.
Agora imagine todos os aspectos da sua vida, alguns produtos são como os diamantes de sangue, têm contextos horríveis, e outros produtos, mesmo que não tenham contextos benéficos, pelo menos têm contextos aceitáveis.
Eu acho que, à medida que a transparência, os contextos e a revelação dos fluxos se tornarem mais comuns, vamos começar a ver as pessoas tomarem decisões múltiplas todos os dias sobre o tipo de mundo em que querem viver, porque elas não querem um anel feito de diamantes de sangue, também não querem comprar roupas costuradas por meninas de 13 anos, ou comida cultivada com pesticidas por gente que ganha alguns centavos por dia. Por isso é tão importante, porque permite que as pessoas normais tenham acesso aos pontos de alavancagem dos grandes sistemas de produção.
Elas estariam forçando as empresas a desenhar as coisas de maneira diferente? Qual a importância do design para o bright green environmentalism?
É fundamental, a sustentabilidade é fundamentalmente um problema de design. Nós nos propusemos a alcançar um determinado conjunto de objetivos, desenhamos os sistemas para atingir esses objetivos, e esses sistemas acabaram tendo efeitos que não havíamos previsto, ou com os quais não nos preocupávamos.
Agora sabemos que esses efeitos são muito sérios, então o que precisamos fazer antes de tudo é voltar para o começo e analisar os objetivos. Se aqueles forem os objetivos que queremos – se ainda queremos ser prósperos, ter vidas felizes, sentir-nos seguros –, então como podemos alcançá-los sem produzir aqueles efeitos? Temos de redesenhar tudo de forma que os efeitos produzidos sejam aqueles com os quais queremos viver.
Há também uma questão estética?
Sim. O (arquiteto e designer americano) Buckminster Fuller dizia que, quando estava analisando os problemas e tentando achar uma solução, ele nunca pensava na beleza, mas, quando descobria o que achava ser a solução, se ela não fosse bonita, ele sabia que estava errada. Eu acho que isso é verdade, pois parte do que estamos compreendendo é que muitas coisas que são bonitas ou emocionantes, mais justas ou mais democráticas, ou que respeitam mais a história e nos deixam profundamente satisfeitos como seres humanos… essas coisas são as que no fim são as mais sustentáveis para o planeta.
Pessoalmente, qual é sua ideia de prosperidade?
É uma combinação de coisas, como para muitas pessoas que trabalham no terceiro setor, eu não me incomodaria de ganhar um pouco mais de dinheiro.
Mas é também ter a sensação de segurança financeira e ter acesso a experiências que são emocionalmente ricas, seja passar tempo com a família, seja cozinhar, poder ver um bom filme e poder, de vez em quando, viajar a um lugar que sempre quis ir.