O Brasil é exciting para jovens estrangeiros e arranca elogios da The Economist. Tamanho entusiasmo pode sinalizar um bom momento, mas há muito a fazer
Por Daniela Gomes Pinto*
“O Brasil é o país do futuro!”, diz, entusiasmada, uma amiga americana que mora na Suíça, namora uma italiana, faz doutorado em mudanças climáticas, cultiva uma horta e iniciou um projeto pessoal de não consumir nada novo durante um ano inteiro. Ela pensa em mudar de país, mas ainda está indecisa entre São Paulo, Nova Délhi ou Pequim.
Vejo o mesmo entusiasmo nos europeus, que me consideram interessante e sortuda, apenas pelo meu passaporte. Para além da paixão pelas Havaianas e pelas cores verde e amarela, nosso país não é mais associado apenas ao trio violência-futebolcarnaval.
A violência continua presente no imaginário dos gringos – e na dura realidade dos brasileiros -, mas o Brasil é cada vez mais visto como integrante da tal da aldeia global, um país onde as pessoas sonham em morar, onde as coisas acontecem, um país exciting. Nas palavras da minha amiga globalizada, um país “na moda”.
A gincana da pobreza
De cara desconfio, pois já vi entusiasmos semelhantes. Quando comecei meu mestrado aqui na Inglaterra, imaginei que os cursos mais concorridos do departamento de Desenvolvimento da London Schoolof Economics fossem sobre política econômica internacional, ou meio ambiente e desenvolvimento, ou sobre pobreza e desigualdade social. Afinal, são estes os temas cruciais ligados aos países em desenvolvimento, certo? Errado. Puro amadorismo. O curso com lista de espera e estudantes disputando a tapa uma vaga era o de Complex Emergencies (Emergências Complexas). E lá se iam, europeus e americanos, ávidos em conhecer estratégias para se lidar com as guerras na África, os tsunamis na Ásia, os contaminados de Bhopal. Entre os alunos havia um certo clima de “competição” pela experiência mais difícil, mais “Terceiro Mundo”: “Eu morei durante um ano em um acampamento de refugiados em Ruanda”. “E eu recolhicorpos nas ruas de Phuket”. “Mas eu carreguei nas costas mulheres sem pernas, das minas no Camboja”.
É admirável ver jovens curiosos em conhecer – e enfrentar – uma realidade tão diferente da deles. Mas faz pensar. Quando se buscam experiências de vida tão dramáticas como se fossem um esporte radical, alguma coisa está errada. Para aqueles alunos, os problemas crônicos dos países em desenvolvimento não inspiravam tanto. Eles não enxergavam em um gigante emergente como o Brasil, por exemplo, um país todo de emergências.
Nosso tsunami é anual, seja pela fome, seja pela violência. Nossos refugiados abrigam- se em seus acampamentos, à espera de terra para plantar, para viver. Nossos “bhopalenses” perdem seus rios e florestas pela contaminação da soja, da pecuária, da indústria. São tragédias que se arrastam por anos, décadas. Não trazem a adrenalina da urgência, mas a solidão de gerações de abandono. E, nas regras da atração do Terceiro Mundo, isso valia pouco. O Brasil não tinha vez.
A Terra Prometida
Mas agora o país está “na moda”. Parte do entusiasmo pode ser o bom e velho fascínio pelo novo, pelo diferente, pela sede de emoções. Mas outra parte do encanto mais recente dos meus colegas estrangeiros, ansiosos em “experimentar” o País, pode dizer algo interessante para nós, brasileiros.
Talvez os jovens americanos e europeus, especialmente aqueles preocupados com um futuro melhor – mais justo e mais verde -, enxerguem no Brasilo que eles não mais encontram em sua terra natal: a chance de viver em um país em franca construção, com oportunidades para seguir um caminho novo, diferente do trilhado pela geração de seus pais e de seus países. A possibilidade de “fazer melhor”.
Se a intenção é fazer melhor, o Brasil pode mesmo sair na frente. Em edição recente, a revista The Economist elogiou os avanços nacionais na educação, na geração de emprego formal e na redução da desigualdade. Para a revista, pouco afeita a exageros, o País apresenta desempenho social melhor que seus pares China e Índia. Ao que se acrescenta uma democracia mais sólida e estável, em paz com seus vizinhos, além de uma sociedade civilorganizada, tanto na esfera social como na ambiental.
Claro que o Brasil está longe de corresponder ao retrato – por vezes reducionista – da revista inglesa. Ainda temos uma sociedade indecentemente desigual, problemas ambientais graves e um crescimento baseado muito no desenvolvimentismo dos anos 70 e pouco na sustentabilidade exigida para o novo século.
Ainda há muito por fazer. E, no caminho, as idéias ufanistas do passado não nos ajudam. O Brasil não é “o país do futuro”. Não somos a Terra Prometida. Deus não é brasileiro. Mas meus amigos gringos e a The Economist podem estar corretos em sinalizar, cada um a seu jeito, que o Brasil atual apresenta algumas oportunidades reais de se fazer diferente, de se fazer melhor.
Não somos “a Terra Prometida”, mas talvez sejamos um país que promete. Não somos “o” país do futuro, mas tem muita gente apostando no futuro do Brasil.
* mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela London Schoolof Economics and Political Science