Em que pese a ojeriza dos neoliberais, é preciso um planejamento sistêmico do desenvolvimento para que o Brasil vá além dos biocombustíveis na busca de um novo paradigma energético
O Sol é, e sempre será, nosso, quaisquer que sejam as vicissitudes da política. No que diz respeito à energia solar, o Brasil poderá contar com uma vantagem comparativa permanente que lhe confere o clima. No entanto, para que esta vantagem se concretize, é necessário potencializá-la pela pesquisa e por investimentos nos equipamentos apropriados. Dada a importância do aproveitamento da energia solar captada pela fotossíntese, convém olhar além dos biocombustíveis e avançar na direção das demais formas de aproveitamento dessa energia.
A revista Fortune recentemente assinalou uma corrida por parte de várias empresas para adquirir terrenos situados no deserto de Mojave, nos estados da Califórnia, de Nevada e do Arizona, com o objetivo de ali instalar centrais elétricas movidas a energia solar. Os maiores bancos americanos estão envolvidos e os preços da terra dispararam: antes da última crise financeira, chegaram a US$ 25 mil por hectare em lugares onde os mesmos terrenos, há poucos anos, não valiam mais de US$ 1.250. Segundo estimativas, o mercado da energia solar vai movimentar nos Estados Unidos US$ 45 bilhões em 2020. A Ausra, uma empresa recém-formada em Palo Alto, anunciou que vaiconstruir projetos de 1 GW por ano. Por sua vez, a OptiSolar, de Hayward, assumiu o controle de mais 40 mil hectares para instalação de usinas fotovoltaicas com potência total de 9 GW.
Trata-se de uma mudança significativa de escala, já que a maior usina fotovoltaica em funcionamento é de 15 MW. A empresa espanhola Abengoa, muito ativa no seu país de origem, está montando uma usina de 280 MW no Arizona.
Espanha e Portugal são dois outros países que apostaram na energia solar. Além disso, na Cúpula Euro-Mediterrânea, realizada em Paris em julho, foi aprovado um plano de aproveitamento da energia solar na África do Norte. Este integraria um esquema ambicioso – e caro, estimado em 45 bilhões de euros – de construção de uma super rede que permitiria aos países europeus compartilhar a energia elétrica produzida a partir de diferentes fontes renováveis: energia solar na África do Norte, energia eólica no Reino Unido e na Dinamarca, e energia geotérmica na Islândia e na Itália.
Exuberância no deserto
Em paralelo a esses investimentos já em curso, são desenhados projetos futuristas voltados ao aproveitamento das áreas desérticas. O mais empolgante é o assim chamado Floresta do Saara (The Guardian, 2 de setembro), que propõe a utilização de água de mar e de energia solar para produzir alimentos em estufas construídas no deserto, transformado em trechos de vegetação luxuriante, sem que haja necessidade de cavar poços de água doce e assim exaurir os aquíferos, como ocorreu em várias partes do mundo.
Pilotos já estão funcionando em Tenerife, ilha espanhola na costa do Marrocos, no Omã e nos Emirados Árabes Unidos. O custo relativamente módico de um projeto com 20 hectares de estufas combinadas com usina solar funcionando à base de coletores solares de 10 MW foi estimado em cerca de 80 milhões de euros. Os entusiastas dessa tecnologia estimam que a sua instalação sobre 1% dos desertos existentes no nosso planeta poderia produzir um quinto do consumo total da energia no mundo. Por sua vez, 20 mil hectares de estufas responderiam pela evaporação de 1 milhão de toneladas de água do mar por dia.
Não tenho competência para avaliar esses números e a rentabilidade dos projetos acima descritos. Mas o seu interesse potencial para o Nordeste semi-árido é evidente, tanto pelo aproveitamento da energia solar quanto pela valorização da água do mar. Neste último contexto, vale a pena assinalar o projeto da Seawater Foundation, realizado no Deserto de Sonora, no México, aproveitando a água de mar trazida por canal para fomentar o cultivo de uma planta – a salicórnia, em certos países conhecida como aspargo-do-mar – que, além de ser um alimento apreciado, presta-se muito bem à extração de biodiesel.
Voltando à fonte solar, em setembro a Conferência Européia sobre a Energia Solar Fotovoltaica reuniu em Valença, na Espanha, 4 mil cientistas de 87 países. A exposição técnica contou com 700 participantes e milhares de visitantes. Foi provavelmente a maior conferência internacional recente sobre energia.
A aplicação dessa tecnologia está conhecendo taxas de crescimento anual de cerca de 40%. A produção em 2007 foi de 3,8 GW, empregando 70 mil pessoas na Europa e movimentando 9 bilhões de euros. A Associação da Indústria Européia Fotovoltaica (Epia) considera que essa fonte poderia cobrir em 2020 de 10% a 12% do consumo total da eletricidade na Europa em vez dos 3% atualmente previstos. É que ela está prestes a se tornar competitiva: como já é o caso no Sul da Itália, e deveria ser em 2015 na Espanha e no Sul da França e, em 2020, no resto da Europa.
Esses exemplos servem para mostrar a necessidade de abordar o conjunto das energias renováveis, e não apenas os biocombustíveis, na definição de um paradigma energético sustentável para o Brasil, buscando a melhor combinação das diferentes opções à mão. Para tanto, é necessário reabilitar o quanto antes o conceito de planejamento sistêmico do desenvolvimento, em que pese a ojeriza que lhe tinham os neoliberais.