Apesar de controverso, o debate sobre o pico da produção de petróleo indica que a saída energética para o mundo é diversificar
Há vários argumentos sobre por que os investimentos em energias alternativas e suas tecnologias sofrerão com a crise financeira cuja face mais visível é o estouro da bolha das hipotecas nos EUA: da falta de crédito para novos empreendimentos, passando pelo desestímulo na forma de preços mais baixos para o petróleo e o gás natural, até a velha retórica de que não é possível dar-se ao luxo de optar por formas caras de energia em meio ao que pode ser uma depressão mundial. Estas análises não só ignoram que a queima de combustíveis fósseis e as mudanças climáticas são irmãs siamesas, mas esquivam-se de uma discussão que vai além da visão imediatista do mercado – o peak oil, ou pico da produção de petróleo, a pedra-mestra da economia global.
O primeiro alerta de que a oferta de combustíveis fósseis é finita foi soado em 1949 pelo geofísico americano Marion King Hubbert, então pesquisador da Shell, que estimou em 2 trilhões de barris a quantidade de petróleo no mundo. Hubbert mostrou que, depois de descobertas reservas em uma dada região – um campo individualou todo o planeta -, a produção aumenta exponencialmente devido à maior extração e ao incremento na quantidade e na eficiência da infra-estrutura necessária.
Em algum ponto, a produção atinge seu pico e começa a declinar, até que o recuo também se torne exponencial. Em 1956, Hubbert estimou que o pico da produção de petróleo dos EUA chegaria no início da década de 70.
“Quase todo mundo, dentro e fora da indústria do petróleo, rejeitou a análise de Hubbert”, relata o geólogo Kenneth S. Deffeys no livro Hubbert’s Peak. “A controvérsia correu solta até 1970, quando a produção americana de óleo cru começou a cair. Hubbert estava certo.” Dadas as bases construídas por Hubbert, a discussão passou a abranger o pico da produção mundial de petróleo e a opor, basicamente, dois campos: de um lado os chamados “cornucópios”, que defendem que mais recursos naturais se tornam disponíveis à medida que seus preços sobem ou se desenvolve mais tecnologia, e de outro os “catastrofistas”, que prevêem o fim da era do petróleo barato, com efeitos dramáticos para o mundo.
A discórdia é resumida em uma aposta, feita em agosto de 2005, entre o investidor Matthew Simmons, autor de um livro que prevê o colapso da economia mundial a partir do pico do petróleo na Arábia Saudita, e John Tierney, colunista do The New York Times. Depois ler uma entrevista de Simmons, Tierney o desafiou e ambos acordaram os termos da aposta: se a média dos preços do barril de petróleo ao longo do ano de 2010 for de US$ 200 (ajustados à inflação) ou mais, Simmons leva US$ 10 mil mais juros. Se for inferior, Tierney fica com a bolada. O resultado será conhecido em 1o de janeiro de 2011.
Uma janela de tempo
O petróleo que alimenta a economia – usado não apenas para movimentar carros e aviões, mas para produzir alimentos e manufaturar a miríade de produtos que define a vida moderna – é resultado de uma combinação de fatores físicos que não acontece todo dia: a existência de uma camada de rochas sedimentares, contendo matéria orgânica, que esteve em uma profundidade, grosso modo, de 2,2 a 4,5 quilômetros, submetida a temperaturas em torno de 180oC durante milhões de anos.
Tais condições favorecem as reações químicas que quebram as cadeias de hidrocarbonetos – constituídas de átomos de hidrogênio e carbono – presentes na matéria orgânica e formam desde o óleo usado para fazer gasolina até o metano, principal ingrediente do gás natural. Por isso o petróleo é tão distinto das cadeias de hidrocarbonetos produzidas por plantas e animais, como, por exemplo, a “cera” em nossos ouvidos.
“Há condições geológicas que quase garantem que mais exploração será um desperdício de dinheiro e esforço”, escreve Deffeys. Quando as empresas de petróleo escolhem um local para exploração, estão buscando evidências de que a geologia daquele lugar reúne as condições necessárias e, muitas vezes, apenas parte delas está presente. Não há déficit de produto no mercado que faça com que a Terra acelere o processo de formação do que chamamos de petróleo, lembra o autor de Hubbert’s Peak. É por isso que ele é considerado não-renovável – a oferta futura depende de milhões de anos de atividade geológica.
Sob pressão
Os defensores do pico do petróleo afirmam que o problema não é o fim do petróleo disponível no mundo, mas o aumento na dificuldade de extração. Quando se perfura um poço, a pressão faz o petróleo subir quase sem esforço, explica o site The Oil Drum, mantido por cientistas e estudantes de pós-graduação. Quando a pressão cai, torna-se necessário injetar gás para repressurizar o poço. Finalmente, quando tal técnica não é mais suficiente, o petróleo é lentamente bombeado para cima. Além disso, as companhias de petróleo tendem a explorar primeiro os melhores campos, deixando os menores ou mais desafiadores para depois.
A produção de uma área tende a aumentar até que aproximadamente metade do petróleo tenha sido extraído e, então, começa a declinar, como ocorreu nos EUA e em outras regiões, com exceção do Oriente Médio. O pico das descobertas de novos reservatórios foi atingido em 1964 e, desde então, foram encontrados poucos campos considerados grandes. Um deles é o de Tupi, na Bacia de Santos, que contém de 5 a 8 bilhões de barris de óleo – o suficiente para atender a demanda mundial por cerca de três meses.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a produção mundial aumentou cerca de 20% de 1995 a 2005, alcançando 84,7 milhões de barris por dia. Em 2006 foram produzidos 85,5 milhões e, em 2007, 85,6 milhões de barris diários. Para alguns, o pico já passou – Deffeys, por exemplo, diz que ele ocorreu em 2005 – e o mundo está vivendo em um platô antes que a produção comece a declinar. Outros, como o britânico Colin J. Campbell, previram que o pico ocorrerá antes de 2010. Em 2000, Campbell fundou a Associação para o Estudo do Pico do Petróleo e do Gás, uma das organizações mais ativas na tentativa de alertar o público sobre o fim do petróleo barato.
Do outro lado, pesquisadores como Peter McCabe, da CSIRO, entidade governamental da Austrália que serve a indústria, defendem que a idéia do pico é equivocada por não levar em consideração fontes não-convencionais como o xisto betuminoso, novas tecnologias para explorar campos dados como “mortos” e descobertas de novas fontes de petróleo convencional. “Porque a extração de novos recursos torna-se viável à medida que os preços sobem, não é possível estabelecer uma quantidade finita de recursos energéticos que estará disponível no futuro”, escreveu McCabe. Por este ponto de vista, o formato da curva de produção do petróleo é determinado pela demanda e não pela disponibilidade de recursos naturais.
Depois do pico Os preços vêm subindo desde 2003 e, em julho de 2008, ultrapassaram os US$ 140 por barril, fazendo velhos inimigos do pico do petróleo reverem posições. Foi o caso de Daniel Yergin, presidente da Cambridge Energy Research Associates (Cera), consultoria famosa por rebater as previsões catastrofistas do fim do petróleo barato. Até mesmo a AIE – que reflete os interesses de seus membros, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – passou a alertar quanto à escassez. Em julho, seu economista-chefe, Fatih Birol, admitiu que o pico do petróleo “ocorrerá um dia, mas não sabemos quando”. A produção de petróleo convencional por nações fora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) provavelmente atingirá seu auge em breve, acrescentou, mas restarão as reservas do cartel e fontes não convencionais – cuja extração não depende de poços, caso do xisto, dos óleos pesados e da areia de alcatrão.
No mercado de apostas do peak oil estão em jogo nada menos do que os US$ 65 trilhões da economia global. Os que apostam em energias alternativas podem sofrer fortes emoções, porque seus investimentos voltaram – diante do recuo do preço do barril para cerca de US$ 60 em outubro – a ser considerados arriscados. Os que apostam em esticar a dependência da queima de combustíveis fósseis… estes se esquecem de que ela tem uma irmã siamesa.[:en]Apesar de controverso, o debate sobre o pico da produção de petróleo indica que a saída energética para o mundo é diversificar
Há vários argumentos sobre por que os investimentos em energias alternativas e suas tecnologias sofrerão com a crise financeira cuja face mais visível é o estouro da bolha das hipotecas nos EUA: da falta de crédito para novos empreendimentos, passando pelo desestímulo na forma de preços mais baixos para o petróleo e o gás natural, até a velha retórica de que não é possível dar-se ao luxo de optar por formas caras de energia em meio ao que pode ser uma depressão mundial. Estas análises não só ignoram que a queima de combustíveis fósseis e as mudanças climáticas são irmãs siamesas, mas esquivam-se de uma discussão que vai além da visão imediatista do mercado – o peak oil, ou pico da produção de petróleo, a pedra-mestra da economia global.
O primeiro alerta de que a oferta de combustíveis fósseis é finita foi soado em 1949 pelo geofísico americano Marion King Hubbert, então pesquisador da Shell, que estimou em 2 trilhões de barris a quantidade de petróleo no mundo. Hubbert mostrou que, depois de descobertas reservas em uma dada região – um campo individualou todo o planeta -, a produção aumenta exponencialmente devido à maior extração e ao incremento na quantidade e na eficiência da infra-estrutura necessária.
Em algum ponto, a produção atinge seu pico e começa a declinar, até que o recuo também se torne exponencial. Em 1956, Hubbert estimou que o pico da produção de petróleo dos EUA chegaria no início da década de 70.
“Quase todo mundo, dentro e fora da indústria do petróleo, rejeitou a análise de Hubbert”, relata o geólogo Kenneth S. Deffeys no livro Hubbert’s Peak. “A controvérsia correu solta até 1970, quando a produção americana de óleo cru começou a cair. Hubbert estava certo.” Dadas as bases construídas por Hubbert, a discussão passou a abranger o pico da produção mundial de petróleo e a opor, basicamente, dois campos: de um lado os chamados “cornucópios”, que defendem que mais recursos naturais se tornam disponíveis à medida que seus preços sobem ou se desenvolve mais tecnologia, e de outro os “catastrofistas”, que prevêem o fim da era do petróleo barato, com efeitos dramáticos para o mundo.
A discórdia é resumida em uma aposta, feita em agosto de 2005, entre o investidor Matthew Simmons, autor de um livro que prevê o colapso da economia mundial a partir do pico do petróleo na Arábia Saudita, e John Tierney, colunista do The New York Times. Depois ler uma entrevista de Simmons, Tierney o desafiou e ambos acordaram os termos da aposta: se a média dos preços do barril de petróleo ao longo do ano de 2010 for de US$ 200 (ajustados à inflação) ou mais, Simmons leva US$ 10 mil mais juros. Se for inferior, Tierney fica com a bolada. O resultado será conhecido em 1o de janeiro de 2011.
Uma janela de tempo
O petróleo que alimenta a economia – usado não apenas para movimentar carros e aviões, mas para produzir alimentos e manufaturar a miríade de produtos que define a vida moderna – é resultado de uma combinação de fatores físicos que não acontece todo dia: a existência de uma camada de rochas sedimentares, contendo matéria orgânica, que esteve em uma profundidade, grosso modo, de 2,2 a 4,5 quilômetros, submetida a temperaturas em torno de 180oC durante milhões de anos.
Tais condições favorecem as reações químicas que quebram as cadeias de hidrocarbonetos – constituídas de átomos de hidrogênio e carbono – presentes na matéria orgânica e formam desde o óleo usado para fazer gasolina até o metano, principal ingrediente do gás natural. Por isso o petróleo é tão distinto das cadeias de hidrocarbonetos produzidas por plantas e animais, como, por exemplo, a “cera” em nossos ouvidos.
“Há condições geológicas que quase garantem que mais exploração será um desperdício de dinheiro e esforço”, escreve Deffeys. Quando as empresas de petróleo escolhem um local para exploração, estão buscando evidências de que a geologia daquele lugar reúne as condições necessárias e, muitas vezes, apenas parte delas está presente. Não há déficit de produto no mercado que faça com que a Terra acelere o processo de formação do que chamamos de petróleo, lembra o autor de Hubbert’s Peak. É por isso que ele é considerado não-renovável – a oferta futura depende de milhões de anos de atividade geológica.
Sob pressão
Os defensores do pico do petróleo afirmam que o problema não é o fim do petróleo disponível no mundo, mas o aumento na dificuldade de extração. Quando se perfura um poço, a pressão faz o petróleo subir quase sem esforço, explica o site The Oil Drum, mantido por cientistas e estudantes de pós-graduação. Quando a pressão cai, torna-se necessário injetar gás para repressurizar o poço. Finalmente, quando tal técnica não é mais suficiente, o petróleo é lentamente bombeado para cima. Além disso, as companhias de petróleo tendem a explorar primeiro os melhores campos, deixando os menores ou mais desafiadores para depois.
A produção de uma área tende a aumentar até que aproximadamente metade do petróleo tenha sido extraído e, então, começa a declinar, como ocorreu nos EUA e em outras regiões, com exceção do Oriente Médio. O pico das descobertas de novos reservatórios foi atingido em 1964 e, desde então, foram encontrados poucos campos considerados grandes. Um deles é o de Tupi, na Bacia de Santos, que contém de 5 a 8 bilhões de barris de óleo – o suficiente para atender a demanda mundial por cerca de três meses.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a produção mundial aumentou cerca de 20% de 1995 a 2005, alcançando 84,7 milhões de barris por dia. Em 2006 foram produzidos 85,5 milhões e, em 2007, 85,6 milhões de barris diários. Para alguns, o pico já passou – Deffeys, por exemplo, diz que ele ocorreu em 2005 – e o mundo está vivendo em um platô antes que a produção comece a declinar. Outros, como o britânico Colin J. Campbell, previram que o pico ocorrerá antes de 2010. Em 2000, Campbell fundou a Associação para o Estudo do Pico do Petróleo e do Gás, uma das organizações mais ativas na tentativa de alertar o público sobre o fim do petróleo barato.
Do outro lado, pesquisadores como Peter McCabe, da CSIRO, entidade governamental da Austrália que serve a indústria, defendem que a idéia do pico é equivocada por não levar em consideração fontes não-convencionais como o xisto betuminoso, novas tecnologias para explorar campos dados como “mortos” e descobertas de novas fontes de petróleo convencional. “Porque a extração de novos recursos torna-se viável à medida que os preços sobem, não é possível estabelecer uma quantidade finita de recursos energéticos que estará disponível no futuro”, escreveu McCabe. Por este ponto de vista, o formato da curva de produção do petróleo é determinado pela demanda e não pela disponibilidade de recursos naturais.
Depois do pico Os preços vêm subindo desde 2003 e, em julho de 2008, ultrapassaram os US$ 140 por barril, fazendo velhos inimigos do pico do petróleo reverem posições. Foi o caso de Daniel Yergin, presidente da Cambridge Energy Research Associates (Cera), consultoria famosa por rebater as previsões catastrofistas do fim do petróleo barato. Até mesmo a AIE – que reflete os interesses de seus membros, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – passou a alertar quanto à escassez. Em julho, seu economista-chefe, Fatih Birol, admitiu que o pico do petróleo “ocorrerá um dia, mas não sabemos quando”. A produção de petróleo convencional por nações fora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) provavelmente atingirá seu auge em breve, acrescentou, mas restarão as reservas do cartel e fontes não convencionais – cuja extração não depende de poços, caso do xisto, dos óleos pesados e da areia de alcatrão.
No mercado de apostas do peak oil estão em jogo nada menos do que os US$ 65 trilhões da economia global. Os que apostam em energias alternativas podem sofrer fortes emoções, porque seus investimentos voltaram – diante do recuo do preço do barril para cerca de US$ 60 em outubro – a ser considerados arriscados. Os que apostam em esticar a dependência da queima de combustíveis fósseis… estes se esquecem de que ela tem uma irmã siamesa.