Símbolo de purificação e de proteção nas diversas religiões, é percebida como essência da vida até para os que não professam crenças
Por Rachel Biderman Furriela
A água é elemento vital para todos os seres e historicamente tem convidado os humanos à reflexão e à transcendência. É símbolo de purificação, regeneração ou proteção em muitas religiões e percebida como essência da vida até para os que não professam crenças. À água é atribuído o poder da cura e do afastamento de perigos. Pelo batismo com água, em muitas religiões, acredita-se ser possível receber a palavra de Deus e sua bênção libertadora.
A grandiosidade do mar, das cataratas, ou a virulência das tempestades assustam e ao mesmo tempo inebriam o pensamento humano, inspirando o reconhecimento da existência divina, considerada para muitos o único ser capaz de gerar um bem de tamanho esplendor.
Para os católicos a água é usada no batismo, libertando a alma do pecado original, tornando o corpo um templo onde Deus habita. Os católicos usam a água benta, uma mistura de água e sal consagrada pelos sacerdotes, para benzer-se ao entrarem ou saírem das igrejas, num sinal de busca de proteção contra o maligno. Entre os católicos, é comum ainda a busca de cura pelas águas, como é o caso da fonte do Santuário de Lourdes, na França. Para os cristãos ortodoxos, a água benta é usada em rituais de exorcismo e bênçãos. Na Bíblia cristã, a água é citada como elemento purificador e com poder de cura. E mais, a água lembra o próprio Cristo, considerado “água viva” (Evangelho de São João, Capítulo 4, Versículo 10).
No Antigo Testamento, texto sagrado para judeus e cristãos, há várias menções à importância da água. No livro Números, o Senhor disse a Moisés o seguinte: “Toma os levitas do meio dos israelitas e purifica-os. Eis como farás para purificá-los: asperge-os com a água da expiação e eles passem uma navalha sobre todo o corpo, lavem suas vestes e purifiquemse a si mesmos”. No Livro de Ezequiel, é dito: “Derramarei sobre vós águas puras, que vos purificarão de todas as vossas imundícies e de todas as vossas abominações”.
Desperdício proibido No judaísmo, a proteção da natureza e das criações divinas é fundamental. Prevalece a visão de que Deus é o proprietário de tudo no mundo, e que nós somos os fiéis depositários, com a missão de cuidar de sua obra. Cabe a cada um assumir essa missão, independentemente do auxílio ou engajamento de outros. A religião proíbe o desperdício e a destruição da obra divina.
O Corão, livro sagrado do Islã, faz diversas menções à água. Na religião há rituais de ablução necessários para purificação antes de entrada na mesquita para orações. O livro é muito explícito sobre o sentido da água: de água é feito todo ser vivente (Corão 21:30). Para
o Islã, água é uma dádiva de Deus e prova de sua existência. Dos ensinamentos do Profeta Maomé constam orientações de cuidados com a água, prevenindo as pessoas de banharem-se ou tomarem água contaminada.
As fontes de água são consideradas sagradas também em várias religiões. O Rio Jordão, partilhado entre Israel, Síria e Jordânia nos dias de hoje, é importante para cristãos, muçulmanos e judeus. Acredita-se que foi nesse rio que João Batista batizou o Cristo. O Antigo Testamento referia-se ao vale do Rio Jordão como um jardim divino. Em suas margens estão enterrados muitos dos companheiros de Maomé.
Na Índia, o Rio Ganges é considerado sagrado. Uma das maiores aspirações no hinduísmo é morrer na cidade de Varanasi, às margens do Rio Ganges. Acredita-se que a morte nesse local interrompa o ciclo de encarnação e reencarnação, rumo à vida eterna. O banho nas águas do Ganges é ritual purificador, o que hoje gera enormes preocupações em termos de saúde pública, dada sua contaminação.
Se a água é provida de espírito, ou se nos transporta para perto de espíritos elevados, se nos foi oferecida por dádiva divina, ou se é fruto de evoluções geológicas, não nos é concedido compreender integralmente ainda. Qual seja sua origem, merece respeito. Independente de seu poder de nos ligar ao eterno ou permitir acesso a outros povos e terras por mares e rios, se lava nossa alma, ou higieniza nosso ser, é de se louvar sua existência. Tem o mérito de nos lembrar das fontes de origem da vida, e da importância da proteção de todas as formas de vida. Sem água no ventre da mãe, uma criança não prospera.
Sem água, o corpo não funciona. Sem água, as mentes não produzem. Seria a água um meio de aproximação ou um lugar de encontro com Deus?
Poderia a água constituir um instrumento de construção da paz? Impossível responder, mas é possível acreditar.
*Coordenadora Adjunta do Gvces