Em meio à ocupação desordenada que esgota mananciais, 618 hectares de Mata Atlântica conservada e remunerada “semeiam” água para a Grande São Paulo
Em seu blog na internet, o delegado de polícia aposentado Eduardo Cardoso de Mello registra as mudanças nasua propriedade desde que passou a receber uma ajuda financeira para não fazer mudanças. Explico. Eduardo é um dos doze premiados pela Fundação O Boticário por serviços ambientais.
A Fundação lançou o Projeto Oásis em 2006, cujo objetivo é a proteção de mananciais da Grande São Paulo e sua consequente contribuição para a manutenção da qualidade da água da Represa do Guarapiranga, que abastece cerca de 4 milhões de pessoas.
Mas toda essa história começa muito antes. As florestas nativas de uma bacia hidrográfica desempenham funções hidrológicas, influenciando a qualidade e a quantidade de água. As árvores interceptam a água da chuva, que chega lentamente ao solo e se infiltra nos lençóis subterrâneos ou escoa para os cursos d’água, abastecendo os mananciais.
Nesse caminho, a água é filtrada por diferentes camadas do solo e pelas raízes das plantas, o que regula a quantidade de sedimentos e nutrientes presentes nela e diminui a sua turbidez. A perda da vegetação florestal compromete essa dinâmica e, consequentemente, a disponibilidade e qualidade da água. Sem árvores, a chuva cai diretamente no solo e o arrasta em processos de erosão, causando o assoreamento.
Com mais terra chegando aos rios, a capacidade das represas de armazenar água é reduzida. A ideia é estabelecer uma ação preventiva, explica Maísa Guapyassú, responsável pelo Projeto Oásis, diante de um cenário que, em geral, se busca corrigir, restaurar os danos já causados. Os proprietários premiados não precisam ser experts em conservação ambiental – basta manter o que existe do jeito que está.
A Fazenda Nossa Senhora da Piedade está localizada em Parelheiros, na Área de Proteção Ambiental Municipal Capivari- Monos, remanescente de Mata Atlântica, berço fundamental de águas da Grande São Paulo. Eduardo herdou os 274 hectares do pai, senhor Geraldo, e tem um carinho especial pela região. São pelo menos 42 nascentes identificadas só na área dele, o que levou a propriedade a ser escolhida para participar do Oásis.
Atualmente, o projeto conta com doze propriedades cadastradas, que juntas protegem 618 hectares de Mata Atlântica em São Paulo. Essa área abriga 41.824 metros quadrados de rios e 75 nascentes.
Funciona assim: os donos das propriedades selecionadas estabelecem contrato com a Fundação O Boticário, em que se comprometem a conservar suas áreas naturais. Em troca, recebem apoio técnico e financeiro para o manejo voltado para a conservação das mesmas.
Para as premiações financeiras aos proprietários foram estabelecidas faixas de tamanho de propriedade, e para cada uma foi determinado o valor máximo de R$ 370 por hectare/ano. O modelo é inspirado no trabalho feito pela prefeitura de Nova York com os proprietários de terra das pequenas cidades localizadas na Bacia do Rio Hudson. Se a prefeitura fosse construir estações de tratamento nessa região, o custo do metro cúbico da água seria três vezes maior, calcularam os americanos.
Eduardo mora em São Paulo, mas vai com freqüência a sua fazenda. Ali percorre as trilhas que levam a cachoeiras de água gelada cristalina, conversa com o caseiro Edmilson, um alagoano há 17 anos instalado em uma pequena casa do lado da água, com esposa, filho, nora e as duas netas. Depois ou junto com a natureza, a maior paixão de Edmilson é a neta Ana Carolina, que segue de mãos dadas com o avô pelo mato denso sem medo e fica atenta a qualquer visita estrangeira.
Dos participantes do projeto, Eduardo tem o maior índice para pagamento dos serviços ambientais. Isso significa que ele recebe R$ 370 por hectare/ano para deixar toda a exuberância da sua fazenda o mais original possível e resistir a tentações de venda para construtoras e incorporadores que por ventura lhe façam ofertas. Mesmo assim, ele conta que plantou na década de 80 alguns eucaliptos e pinheiros na entrada da propriedade e próximo à casa do caseiro. “Não sabia, achei que ficaria bonito.”
Hoje ele cuida de replantar espécies típicas da Mata Atlântica como pitanga, gabiroba, araçá, refazer pontes que ruíram com o tempo e fazer trilhas na floresta que possam ajudar a percorrer uma área tão grande. A maioria das áreas naturais da região da Represa do Guarapiranga está nas mãos de particulares. Dono do Sítio dos Morros há cerca de 20 anos, Manoel Messias de Oliveira Filho conta que comprou a terra de uma família que tinha no extrativismo sua fonte de renda.
Hoje, ele se diz feliz por poder desfrutar da floresta conservada. “Adoro tudo aquilo intato, porque tem palmitos, animais, o ar é completamente diferente. Eu vivo perto do centro da cidade e, quando estou no sítio, parece que estou em outro mundo, aquele frescor do mato. Uma vez, um colega meu foicomigo até lá e comentou que entendia por que as pessoas da região viviam tanto, afinal viviam em um paraíso”, conta.
Maísa Guapyassú diz que a Fundação O Boticário espera que o Projeto Oásis sirva de estímulo para governos e outras instituições investirem em iniciativas similares, ampliando, assim, as ações voltadas para a conservação da natureza no Brasil. O projeto conta com patrocínio da Mitsubishicorporation Foundation for the Americas, apoio institucional da Secretaria do Meio Ambiente do Estado e da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, e a colaboração do escritório Losso, Tomasetti & Leonardo Sociedade de Advogados e da Fundação Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (Fabhat)
Entenda o que é PSA – O pagamento por serviços ambientais (PSA), cujo modelo está baseado no conceito provedor-recebedor, entra na pauta como um mecanismo de compensação financeira àqueles que estejam contribuindo para conservar os recursos naturais. Considerando que os produtores rurais estão entre os mais contundentes usuários das riquezas do planeta, o PSA é defendido como um modelo em consonância com a legislação ambiental. Da mesma forma que o proprietário de terra que degrada uma área de preservação permanente, cujos efeitos ultrapassam sua área privada, deve pagar por sua recuperação, conforme o Código Florestal, ele também deveria receber caso siga o caminho inverso e todos possam se beneficiar com o resultado de suas práticas de conservação. Em setembro de 2006, a edição 1 de Página22 trouxe um Especial sobre o tema. Confira.[:en]Em meio à ocupação desordenada que esgota mananciais, 618 hectares de Mata Atlântica conservada e remunerada “semeiam” água para a Grande São Paulo
Em seu blog na internet, o delegado de polícia aposentado Eduardo Cardoso de Mello registra as mudanças nasua propriedade desde que passou a receber uma ajuda financeira para não fazer mudanças. Explico. Eduardo é um dos doze premiados pela Fundação O Boticário por serviços ambientais.
A Fundação lançou o Projeto Oásis em 2006, cujo objetivo é a proteção de mananciais da Grande São Paulo e sua consequente contribuição para a manutenção da qualidade da água da Represa do Guarapiranga, que abastece cerca de 4 milhões de pessoas.
Mas toda essa história começa muito antes. As florestas nativas de uma bacia hidrográfica desempenham funções hidrológicas, influenciando a qualidade e a quantidade de água. As árvores interceptam a água da chuva, que chega lentamente ao solo e se infiltra nos lençóis subterrâneos ou escoa para os cursos d’água, abastecendo os mananciais.
Nesse caminho, a água é filtrada por diferentes camadas do solo e pelas raízes das plantas, o que regula a quantidade de sedimentos e nutrientes presentes nela e diminui a sua turbidez. A perda da vegetação florestal compromete essa dinâmica e, consequentemente, a disponibilidade e qualidade da água. Sem árvores, a chuva cai diretamente no solo e o arrasta em processos de erosão, causando o assoreamento.
Com mais terra chegando aos rios, a capacidade das represas de armazenar água é reduzida. A ideia é estabelecer uma ação preventiva, explica Maísa Guapyassú, responsável pelo Projeto Oásis, diante de um cenário que, em geral, se busca corrigir, restaurar os danos já causados. Os proprietários premiados não precisam ser experts em conservação ambiental – basta manter o que existe do jeito que está.
A Fazenda Nossa Senhora da Piedade está localizada em Parelheiros, na Área de Proteção Ambiental Municipal Capivari- Monos, remanescente de Mata Atlântica, berço fundamental de águas da Grande São Paulo. Eduardo herdou os 274 hectares do pai, senhor Geraldo, e tem um carinho especial pela região. São pelo menos 42 nascentes identificadas só na área dele, o que levou a propriedade a ser escolhida para participar do Oásis.
Atualmente, o projeto conta com doze propriedades cadastradas, que juntas protegem 618 hectares de Mata Atlântica em São Paulo. Essa área abriga 41.824 metros quadrados de rios e 75 nascentes.
Funciona assim: os donos das propriedades selecionadas estabelecem contrato com a Fundação O Boticário, em que se comprometem a conservar suas áreas naturais. Em troca, recebem apoio técnico e financeiro para o manejo voltado para a conservação das mesmas.
Para as premiações financeiras aos proprietários foram estabelecidas faixas de tamanho de propriedade, e para cada uma foi determinado o valor máximo de R$ 370 por hectare/ano. O modelo é inspirado no trabalho feito pela prefeitura de Nova York com os proprietários de terra das pequenas cidades localizadas na Bacia do Rio Hudson. Se a prefeitura fosse construir estações de tratamento nessa região, o custo do metro cúbico da água seria três vezes maior, calcularam os americanos.
Eduardo mora em São Paulo, mas vai com freqüência a sua fazenda. Ali percorre as trilhas que levam a cachoeiras de água gelada cristalina, conversa com o caseiro Edmilson, um alagoano há 17 anos instalado em uma pequena casa do lado da água, com esposa, filho, nora e as duas netas. Depois ou junto com a natureza, a maior paixão de Edmilson é a neta Ana Carolina, que segue de mãos dadas com o avô pelo mato denso sem medo e fica atenta a qualquer visita estrangeira.
Dos participantes do projeto, Eduardo tem o maior índice para pagamento dos serviços ambientais. Isso significa que ele recebe R$ 370 por hectare/ano para deixar toda a exuberância da sua fazenda o mais original possível e resistir a tentações de venda para construtoras e incorporadores que por ventura lhe façam ofertas. Mesmo assim, ele conta que plantou na década de 80 alguns eucaliptos e pinheiros na entrada da propriedade e próximo à casa do caseiro. “Não sabia, achei que ficaria bonito.”
Hoje ele cuida de replantar espécies típicas da Mata Atlântica como pitanga, gabiroba, araçá, refazer pontes que ruíram com o tempo e fazer trilhas na floresta que possam ajudar a percorrer uma área tão grande. A maioria das áreas naturais da região da Represa do Guarapiranga está nas mãos de particulares. Dono do Sítio dos Morros há cerca de 20 anos, Manoel Messias de Oliveira Filho conta que comprou a terra de uma família que tinha no extrativismo sua fonte de renda.
Hoje, ele se diz feliz por poder desfrutar da floresta conservada. “Adoro tudo aquilo intato, porque tem palmitos, animais, o ar é completamente diferente. Eu vivo perto do centro da cidade e, quando estou no sítio, parece que estou em outro mundo, aquele frescor do mato. Uma vez, um colega meu foicomigo até lá e comentou que entendia por que as pessoas da região viviam tanto, afinal viviam em um paraíso”, conta.
Maísa Guapyassú diz que a Fundação O Boticário espera que o Projeto Oásis sirva de estímulo para governos e outras instituições investirem em iniciativas similares, ampliando, assim, as ações voltadas para a conservação da natureza no Brasil. O projeto conta com patrocínio da Mitsubishicorporation Foundation for the Americas, apoio institucional da Secretaria do Meio Ambiente do Estado e da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, e a colaboração do escritório Losso, Tomasetti & Leonardo Sociedade de Advogados e da Fundação Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (Fabhat)
Entenda o que é PSA – O pagamento por serviços ambientais (PSA), cujo modelo está baseado no conceito provedor-recebedor, entra na pauta como um mecanismo de compensação financeira àqueles que estejam contribuindo para conservar os recursos naturais. Considerando que os produtores rurais estão entre os mais contundentes usuários das riquezas do planeta, o PSA é defendido como um modelo em consonância com a legislação ambiental. Da mesma forma que o proprietário de terra que degrada uma área de preservação permanente, cujos efeitos ultrapassam sua área privada, deve pagar por sua recuperação, conforme o Código Florestal, ele também deveria receber caso siga o caminho inverso e todos possam se beneficiar com o resultado de suas práticas de conservação. Em setembro de 2006, a edição 1 de Página22 trouxe um Especial sobre o tema. Confira.