Onde a cobrança pelo uso da água virou realidade, os investimentos dos comitês de bacia já representam um terço do necessário para salvar os rios
Processo muito lento, complexo e emperrado pela sobreposição de leis estaduais e federais regulando rios de uma mesma bacia, mas controlados ou pela União ou pelos estados. Não faltam nós a serem desatados no processo de implementação da cobrança pelo uso da água no Brasil (leia quadro). O que poucos perceberam, porém, é que, onde o instrumento virou realidade, o dinheiro arrecadado já funciona como mola propulsora de investimentos, sobretudo em tratamento de esgoto. E mais: a aplicação dos recursos arrecadados segue lógica inversa à do modelo centralizado, historicamente predominante no setor hídrico nacional.
A cobrança pelo uso da água é um dos seis instrumentos de gestão dos recursos hídricos previstos na Lei 9.433, a Lei das Águas, promulgada em janeiro de 1997. Tem como finalidade induzir ao uso racional da água, especialmente em bacias com sérios problemas de escassez, poluição e conflitos entre usuários. No caso das bacias federais, a Agência Nacional de Águas (ANA) cobra usuários da água bruta (retirada diretamente dos rios), principalmente indústrias, agricultores e empresas de saneamento. Quanto mais água é captada e mais efluentes não tratados são lançados nos rios, mais elevado é o valor da cobrança.
É distinta da conta de água paga pelos consumidores residenciais, que cobre apenas custos de tratamento e distribuição. O dinheiro arrecadado pela ANA é repassado às agências de água das bacias, que, entre outras funções, são incumbidas de aplicá-lo segundo as prioridades estabelecidas pelos comitês no plano de bacia.
Nesse novo modelo descentralizado de gestão da água, os recursos da cobrança são investidos conforme as diretrizes e prioridades definidas no plano de bacia, que estabelece metas de recuperação ambiental e orça os gastos necessários para atingi-las. O planejamento de ações de melhoria ambiental na bacia possibilita aos comitês avaliar potenciais conflitos pelo uso da água e os principais problemas de qualidade e escassez de maneira mais integrada, pois os rios não respeitam limites de municípios, de estados, e nem de países.
No PCJ, o orçamento este ano é previsto em R$ 40 milhões, em uma conta que soma a cobrança federal e a estadual e o repasse de R$ 5 milhões do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro) de São Paulo. Como a contrapartida exigida nos projetos é de 35%, em média, é possível projetar investimento aproximado de R$ 60 milhões este ano, que representa cerca de um terço do montante anual estimado para recuperar as três bacias do PCJ em um horizonte de 20 anos.
“O recurso arrecadado permitiu ao comitê ter um montante que deixou de ser insignificante. Com um terço do investimento assegurado com a cobrança, municípios têm mais fôlego para correr atrás dos outros financiamentos para inteirar os 100%”, comemora Luiz Roberto Moretti, secretário-executivo do PCJ, comitê que é uma das principais referências para o novo modelo de gestão hídrica instaurado em 1997.
Como um efeito cascata, descreve Moretti, “organismos estaduais e federais percebem o esforço e a capacidade de investimento da região e fica até mais fácil conseguir recursos para a execução das obras”.
Com base na experiência acumulada desde antes do início da cobrança, os comitês vão identificando necessidades específicas de suas bacias. O PCJ, por exemplo, resolveu manter em 60% este ano o percentual dos recursos destinados ao tratamento de esgoto, como em 2008, e iniciou em 2007, em parceria com a ANA e a ONG The Nature Conservancy (TNC), o projeto piloto do programa Produtor de Água, que visa emunerar agricultores que conservam o solo, nascentes e mata ciliar e recuperam pastagens degradadas pelo sistema de pagamento por serviços ambientais (PSA). Esse instrumento econômico já é utilizado em Extrema (MG) e na Bacia do Guarapiranga, na Zona Sul da capital paulista.
O dinheiro da cobrança também tem ajudado a enfrentar uma fragilidade estrutural de muitas prefeituras: a incapacidade de formular projetos bem orçados, com cronograma exequível e proposta técnica consistente.Para contornar situação muito comum ao poder público, o PCJ vem estimulando as prefeituras a criar grupos de acompanhamento dos projetos com funcionários de carreira, a fim de evitar a descontinuidade após as eleições. O grupo é um elo entre o comitê de bacia e a prefeitura, com ganhos qualitativos na elaboração de projetos. “A ideia foi um fracasso quando a lançamos em 2006. Mas insistimos na proposta e ano passado conseguimos a adesão de três prefeituras “, diz Francisco Lahóz, coordenador-geral da Agência de Água PCJ.
No comitê do Paraíba do Sul, o Ceivap, a estratégia para melhorar o relacionamento com as prefeituras será conduzida em parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF), que enfrenta dificuldades parecidas na análise de projetos de saneamento. Além da continuidade na capacitação de técnicos na elaboração de projetos, iniciada em 2007, o Ceivap terá como ponto focal na prefeitura o gestor municipal de contratos (GMC), figura criada pela CEF.
Também é objetivo do Ceivap integrar sua capacitação com a proporcionada aos municípios pela CEF de modo a racionalizar esforços. Um bom projeto conta com mais vantagem não apenas no momento da seleção de propostas, pelo comitê de bacia, como também para captar verbas de fontes como a própria CEF e o Ministério das Cidades. E nem precisa ser o projeto da obra em si. Muitas vezes, a prefeitura não possui dinheiro para preparar o projeto executivo de uma obra de grande envergadura, a exemplo de uma estação de tratamento de esgoto (ETE). O Ceivap detectou a dificuldade e modificou radicalmente a distribuição dos recursos, diminuindo de 60% para 34% a destinada às ETEs no plano de investimentos de 2008. “A redução foi determinada pelo Ceivap com o propósito de aplicar dinheiro na elaboração de projetos, visando a alavancagem de recursos de outras fontes”, explica Hendrik Lucchesi Mansur, coordenador de gestão da agência do Paraíba do Sul (Agevap).
Um dos casos que motivaram o Ceivap a redesenhar sua estratégia de investimento foi o da Prefeitura de Barra Mansa (RJ), que recebeu R$ 650 mil da cobrança para formular um projeto executivo de saneamento. Graças ao projeto, Barra Mansa obteve um contrato de R$ 41,5 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal (PAC) para a realização de obras de saneamento.
É, portanto, mais uma indicação do efeito cascata que a cobrança promove. Desde a criação, em 2003, o Ceivap arrecadou cerca de R$ 41,6 milhões. Mas o valor alavancado pela cobrança, entre contrapartidas e recursos do Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas (Prodes), da ANA, alcança R$ 82 milhões. Mansur observa que investimentos como os do PAC em Barra Mansa não entram no montante alavancado pela cobrança, embora sejam efeito indireto da implementação do instrumento.
Há, porém, nós a serem desatados para que o novo modelo funcione a pleno vapor. Um deles é a morosidade da implementação da cobrança. Desde que a Lei das Águas foi promulgada, em 1997, apenas dois comitês federais iniciaram a cobrança. A ANA prevê que até o primeiro semestre de 2010 o sistema também comece a funcionar no Comitê do São Francisco, com previsão de arrecadação anual de R$ 44,1 milhões das cobranças federal e estadual. Até 2015, outros três comitês federais terão iniciado a cobrança, segundo a ANA: os dos rios Doce, Paranaíba e Grande.
O gerente de cobrança da ANA, Patrick Thomas, considera normal o ritmo lento de implementação do mecanismo. “Precisamos considerar a complexidade do processo. O Comitê do São Francisco opera em sete unidades federativas, com elevado grau de diversidade institucional e regional”, exemplifica. Thomas prevê que, até meados da próxima década, a arrecadação federal e estadual com a cobrança alcançará pelo menos R$ 140 milhões ao ano em todo o País.
Inspiração francesa
No âmbito estadual, a cobrança pelo uso da água já ocorre no Ceará, Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo. Minas Gerais aprovou o mecanismo no final de março. Segundo Laura Stela Naliato, diretora de recursos hídricos da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, mais quatro comitês estaduais devem iniciar a cobrança até 2010, inclusive o do Alto Tietê, com atuação na Grande São Paulo e previsão de arrecadação anual de até R$ 30 milhões.
Boa parte das travas que retêm um progresso mais acelerado de implantação dos novos instrumentos têm origem no modelo institucional do Estado federativo brasileiro. Inspirado na França, o Brasil redesenhou seu sistema em 1997, quando foi promulgada a Lei das Águas.
O sistema francês possuicomo pilares a gestão descentralizada participativa por bacia e a água dotada de valor econômico. Após esbarrar na desconfiança inicial da sociedade sobre o novo sistema, instituído em 1964, a França o consolidou nas décadas de 1970 e 1980. Hoje suas seis agências de bacia arrecadam anualmente cerca de 2 bilhões de euros.
Há, contudo, uma diferença básica entre os dois países. A França é um exemplo de república unitária, em que o poder central é exercido sobre todo o território, que possui apenas rios nacionais. Seis agências de bacia centralizam a cobrança e a aplicação do dinheiro. Já o Brasil é uma república federativa, com legislações estaduais e nacional regulando os recursos hídricos, regidos pela dupla dominialidade.
O PCJ driblou o embaraço institucional realizando o que chamam de três-em-um. Isto é, os três comitês com atuação em suas bacias – um federal e dois estaduais – reúnem-se no mesmo plenário e câmaras técnicas, aprovando deliberações conjuntas. Tratam as bacias estaduais e a federal como uma única unidade de planejamento e gestão.
O desafio agora é centralizar a cobrança federal e estadual em uma única agência de bacia. Para economizar gastos de custeio e evitar desperdício de dinheiro na sobreposição de papéis, acelerar procedimentos e reduzir a burocracia, o PCJ pretende criar a Fundação Agência de Bacias PCJ, entidade de direito privado que centralizaria o papel de gestora única do dinheiro arrecadado na cobrança federal e estadual.
Para isso, porém, União e Estados terão de falar a mesma língua na operação do novo modelo hídrico, pois a legislação mineira não aceita a figura jurídica da fundação de direito privado para exercer a função de agência de bacia. Como se vê, sangue-frio e alta dose de paciência são mais que necessários para desatar os nós que emperram um avanço mais veloz da implementação do novo modelo de gestão hídrica.
Como desatar os nós da cobrança – Fontes: ANA, Agência PCJ, Agevap, WWF, Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e Rede das Águas
Dupla gestão: existência de rios federais e estaduais causa burocracia, retarda a implementação da cobrança e outros instrumentos de gestão e confusões com os usuários.
Solução: gestão compartilhada para rios estaduais e federais com uma única agência de bacia, que centralizaria as cobranças federal e estadual num único boleto e a aplicação dos recursos.
Leis em colisão: falta sintonia entre leis federais e estaduais, o que se nota na composição variável dos comitês e nos obstáculos para criar uma agência única por bacia.
Solução: harmonizar as legislações de modo que a gestão da bacia seja compartilhada, sem prejuízo da existência de subcomitês.
Aplicação de recursos: os comitês não são informados sobre a aplicação de recursos em projetos de recuperação ambiental das bacias que não contam com repasses da cobrança.
Solução: obrigar os governos federal, estaduais e municipais a informar e consultar os comitês sobre investimentos de modo que se efetuem em consonância com o plano de bacia.
Projetos fracos: uma das principais dificuldades enfrentadas pelos comitês é a falta de bons projetos para receber recursos da cobrança.
Solução: criar grupos nas prefeituras com funcionários de carreira para participar de capacitações, elaborar projetos mais consistentes e funcionar como elo entre o comitê e o poder local.
Sociedade civil: ONGs influentes se retiraram de comitês importantes como o do Alto Tietê, na Grande São Paulo, e não dispõem de recursos e programas para acompanhar o processo.
Solução: reconhecer o papel de interesse público da participação social, com provisão de verbas dos fundos e da cobrança para qualificar a atuação das entidades nos comitês.
Informação pública: páginas na internet de comitês e sistemas de gerenciamento hídrico, como o paulista, são bastante desatualizadas e de difícil compreensão pelo cidadão comum.
Solução: tornar prioritária a prestação pública de informações atualizadas pelos sistemas de gerenciamento dos recursos hídricos e comitês de bacia.[:en]
Onde a cobrança pelo uso da água virou realidade, os investimentos dos comitês de bacia já representam um terço do necessário para salvar os rios
Processo muito lento, complexo e emperrado pela sobreposição de leis estaduais e federais regulando rios de uma mesma bacia, mas controlados ou pela União ou pelos estados. Não faltam nós a serem desatados no processo de implementação da cobrança pelo uso da água no Brasil (leia quadro). O que poucos perceberam, porém, é que, onde o instrumento virou realidade, o dinheiro arrecadado já funciona como mola propulsora de investimentos, sobretudo em tratamento de esgoto. E mais: a aplicação dos recursos arrecadados segue lógica inversa à do modelo centralizado, historicamente predominante no setor hídrico nacional.
A cobrança pelo uso da água é um dos seis instrumentos de gestão dos recursos hídricos previstos na Lei 9.433, a Lei das Águas, promulgada em janeiro de 1997. Tem como finalidade induzir ao uso racional da água, especialmente em bacias com sérios problemas de escassez, poluição e conflitos entre usuários. No caso das bacias federais, a Agência Nacional de Águas (ANA) cobra usuários da água bruta (retirada diretamente dos rios), principalmente indústrias, agricultores e empresas de saneamento. Quanto mais água é captada e mais efluentes não tratados são lançados nos rios, mais elevado é o valor da cobrança.
É distinta da conta de água paga pelos consumidores residenciais, que cobre apenas custos de tratamento e distribuição. O dinheiro arrecadado pela ANA é repassado às agências de água das bacias, que, entre outras funções, são incumbidas de aplicá-lo segundo as prioridades estabelecidas pelos comitês no plano de bacia.
Nesse novo modelo descentralizado de gestão da água, os recursos da cobrança são investidos conforme as diretrizes e prioridades definidas no plano de bacia, que estabelece metas de recuperação ambiental e orça os gastos necessários para atingi-las. O planejamento de ações de melhoria ambiental na bacia possibilita aos comitês avaliar potenciais conflitos pelo uso da água e os principais problemas de qualidade e escassez de maneira mais integrada, pois os rios não respeitam limites de municípios, de estados, e nem de países.
No PCJ, o orçamento este ano é previsto em R$ 40 milhões, em uma conta que soma a cobrança federal e a estadual e o repasse de R$ 5 milhões do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro) de São Paulo. Como a contrapartida exigida nos projetos é de 35%, em média, é possível projetar investimento aproximado de R$ 60 milhões este ano, que representa cerca de um terço do montante anual estimado para recuperar as três bacias do PCJ em um horizonte de 20 anos.
“O recurso arrecadado permitiu ao comitê ter um montante que deixou de ser insignificante. Com um terço do investimento assegurado com a cobrança, municípios têm mais fôlego para correr atrás dos outros financiamentos para inteirar os 100%”, comemora Luiz Roberto Moretti, secretário-executivo do PCJ, comitê que é uma das principais referências para o novo modelo de gestão hídrica instaurado em 1997.
Como um efeito cascata, descreve Moretti, “organismos estaduais e federais percebem o esforço e a capacidade de investimento da região e fica até mais fácil conseguir recursos para a execução das obras”.
Com base na experiência acumulada desde antes do início da cobrança, os comitês vão identificando necessidades específicas de suas bacias. O PCJ, por exemplo, resolveu manter em 60% este ano o percentual dos recursos destinados ao tratamento de esgoto, como em 2008, e iniciou em 2007, em parceria com a ANA e a ONG The Nature Conservancy (TNC), o projeto piloto do programa Produtor de Água, que visa emunerar agricultores que conservam o solo, nascentes e mata ciliar e recuperam pastagens degradadas pelo sistema de pagamento por serviços ambientais (PSA). Esse instrumento econômico já é utilizado em Extrema (MG) e na Bacia do Guarapiranga, na Zona Sul da capital paulista.
O dinheiro da cobrança também tem ajudado a enfrentar uma fragilidade estrutural de muitas prefeituras: a incapacidade de formular projetos bem orçados, com cronograma exequível e proposta técnica consistente.Para contornar situação muito comum ao poder público, o PCJ vem estimulando as prefeituras a criar grupos de acompanhamento dos projetos com funcionários de carreira, a fim de evitar a descontinuidade após as eleições. O grupo é um elo entre o comitê de bacia e a prefeitura, com ganhos qualitativos na elaboração de projetos. “A ideia foi um fracasso quando a lançamos em 2006. Mas insistimos na proposta e ano passado conseguimos a adesão de três prefeituras “, diz Francisco Lahóz, coordenador-geral da Agência de Água PCJ.
No comitê do Paraíba do Sul, o Ceivap, a estratégia para melhorar o relacionamento com as prefeituras será conduzida em parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF), que enfrenta dificuldades parecidas na análise de projetos de saneamento. Além da continuidade na capacitação de técnicos na elaboração de projetos, iniciada em 2007, o Ceivap terá como ponto focal na prefeitura o gestor municipal de contratos (GMC), figura criada pela CEF.
Também é objetivo do Ceivap integrar sua capacitação com a proporcionada aos municípios pela CEF de modo a racionalizar esforços. Um bom projeto conta com mais vantagem não apenas no momento da seleção de propostas, pelo comitê de bacia, como também para captar verbas de fontes como a própria CEF e o Ministério das Cidades. E nem precisa ser o projeto da obra em si. Muitas vezes, a prefeitura não possui dinheiro para preparar o projeto executivo de uma obra de grande envergadura, a exemplo de uma estação de tratamento de esgoto (ETE). O Ceivap detectou a dificuldade e modificou radicalmente a distribuição dos recursos, diminuindo de 60% para 34% a destinada às ETEs no plano de investimentos de 2008. “A redução foi determinada pelo Ceivap com o propósito de aplicar dinheiro na elaboração de projetos, visando a alavancagem de recursos de outras fontes”, explica Hendrik Lucchesi Mansur, coordenador de gestão da agência do Paraíba do Sul (Agevap).
Um dos casos que motivaram o Ceivap a redesenhar sua estratégia de investimento foi o da Prefeitura de Barra Mansa (RJ), que recebeu R$ 650 mil da cobrança para formular um projeto executivo de saneamento. Graças ao projeto, Barra Mansa obteve um contrato de R$ 41,5 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal (PAC) para a realização de obras de saneamento.
É, portanto, mais uma indicação do efeito cascata que a cobrança promove. Desde a criação, em 2003, o Ceivap arrecadou cerca de R$ 41,6 milhões. Mas o valor alavancado pela cobrança, entre contrapartidas e recursos do Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas (Prodes), da ANA, alcança R$ 82 milhões. Mansur observa que investimentos como os do PAC em Barra Mansa não entram no montante alavancado pela cobrança, embora sejam efeito indireto da implementação do instrumento.
Há, porém, nós a serem desatados para que o novo modelo funcione a pleno vapor. Um deles é a morosidade da implementação da cobrança. Desde que a Lei das Águas foi promulgada, em 1997, apenas dois comitês federais iniciaram a cobrança. A ANA prevê que até o primeiro semestre de 2010 o sistema também comece a funcionar no Comitê do São Francisco, com previsão de arrecadação anual de R$ 44,1 milhões das cobranças federal e estadual. Até 2015, outros três comitês federais terão iniciado a cobrança, segundo a ANA: os dos rios Doce, Paranaíba e Grande.
O gerente de cobrança da ANA, Patrick Thomas, considera normal o ritmo lento de implementação do mecanismo. “Precisamos considerar a complexidade do processo. O Comitê do São Francisco opera em sete unidades federativas, com elevado grau de diversidade institucional e regional”, exemplifica. Thomas prevê que, até meados da próxima década, a arrecadação federal e estadual com a cobrança alcançará pelo menos R$ 140 milhões ao ano em todo o País.
Inspiração francesa
No âmbito estadual, a cobrança pelo uso da água já ocorre no Ceará, Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo. Minas Gerais aprovou o mecanismo no final de março. Segundo Laura Stela Naliato, diretora de recursos hídricos da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, mais quatro comitês estaduais devem iniciar a cobrança até 2010, inclusive o do Alto Tietê, com atuação na Grande São Paulo e previsão de arrecadação anual de até R$ 30 milhões.
Boa parte das travas que retêm um progresso mais acelerado de implantação dos novos instrumentos têm origem no modelo institucional do Estado federativo brasileiro. Inspirado na França, o Brasil redesenhou seu sistema em 1997, quando foi promulgada a Lei das Águas.
O sistema francês possuicomo pilares a gestão descentralizada participativa por bacia e a água dotada de valor econômico. Após esbarrar na desconfiança inicial da sociedade sobre o novo sistema, instituído em 1964, a França o consolidou nas décadas de 1970 e 1980. Hoje suas seis agências de bacia arrecadam anualmente cerca de 2 bilhões de euros.
Há, contudo, uma diferença básica entre os dois países. A França é um exemplo de república unitária, em que o poder central é exercido sobre todo o território, que possui apenas rios nacionais. Seis agências de bacia centralizam a cobrança e a aplicação do dinheiro. Já o Brasil é uma república federativa, com legislações estaduais e nacional regulando os recursos hídricos, regidos pela dupla dominialidade.
O PCJ driblou o embaraço institucional realizando o que chamam de três-em-um. Isto é, os três comitês com atuação em suas bacias – um federal e dois estaduais – reúnem-se no mesmo plenário e câmaras técnicas, aprovando deliberações conjuntas. Tratam as bacias estaduais e a federal como uma única unidade de planejamento e gestão.
O desafio agora é centralizar a cobrança federal e estadual em uma única agência de bacia. Para economizar gastos de custeio e evitar desperdício de dinheiro na sobreposição de papéis, acelerar procedimentos e reduzir a burocracia, o PCJ pretende criar a Fundação Agência de Bacias PCJ, entidade de direito privado que centralizaria o papel de gestora única do dinheiro arrecadado na cobrança federal e estadual.
Para isso, porém, União e Estados terão de falar a mesma língua na operação do novo modelo hídrico, pois a legislação mineira não aceita a figura jurídica da fundação de direito privado para exercer a função de agência de bacia. Como se vê, sangue-frio e alta dose de paciência são mais que necessários para desatar os nós que emperram um avanço mais veloz da implementação do novo modelo de gestão hídrica.
Como desatar os nós da cobrança – Fontes: ANA, Agência PCJ, Agevap, WWF, Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e Rede das Águas
Dupla gestão: existência de rios federais e estaduais causa burocracia, retarda a implementação da cobrança e outros instrumentos de gestão e confusões com os usuários.
Solução: gestão compartilhada para rios estaduais e federais com uma única agência de bacia, que centralizaria as cobranças federal e estadual num único boleto e a aplicação dos recursos.
Leis em colisão: falta sintonia entre leis federais e estaduais, o que se nota na composição variável dos comitês e nos obstáculos para criar uma agência única por bacia.
Solução: harmonizar as legislações de modo que a gestão da bacia seja compartilhada, sem prejuízo da existência de subcomitês.
Aplicação de recursos: os comitês não são informados sobre a aplicação de recursos em projetos de recuperação ambiental das bacias que não contam com repasses da cobrança.
Solução: obrigar os governos federal, estaduais e municipais a informar e consultar os comitês sobre investimentos de modo que se efetuem em consonância com o plano de bacia.
Projetos fracos: uma das principais dificuldades enfrentadas pelos comitês é a falta de bons projetos para receber recursos da cobrança.
Solução: criar grupos nas prefeituras com funcionários de carreira para participar de capacitações, elaborar projetos mais consistentes e funcionar como elo entre o comitê e o poder local.
Sociedade civil: ONGs influentes se retiraram de comitês importantes como o do Alto Tietê, na Grande São Paulo, e não dispõem de recursos e programas para acompanhar o processo.
Solução: reconhecer o papel de interesse público da participação social, com provisão de verbas dos fundos e da cobrança para qualificar a atuação das entidades nos comitês.
Informação pública: páginas na internet de comitês e sistemas de gerenciamento hídrico, como o paulista, são bastante desatualizadas e de difícil compreensão pelo cidadão comum.
Solução: tornar prioritária a prestação pública de informações atualizadas pelos sistemas de gerenciamento dos recursos hídricos e comitês de bacia.