Estudiosos e organizações denunciam usos e abusos da publicidade, em especial a voltada para as crianças
Por Rachel Biderman*
Os paradoxos da sociedade de consumo são um dos principais temas das reflexões contemporâneas no campo da sustentabilidade. O economista político Ladislau Dowbor, professor titular da PUC de São Paulo, chama atenção para a desigualdade de oportunidades de consumo, comparando necessidades não atendidas- em razão da escassez de recursos e da pobreza -, com a opulência dos abusos do consumo de prioridade duvidosa.
Ele questiona o ciclo de trabalho excessivo, o hiperconsumo e o endividamento. Prega um consumo inteligente, pautado pelo bom senso e pela redistribuição do esforço social, para que todos possam ter acesso ao trabalho, aos bens fundamentais para o desenvolvimento pessoal, e para que se dê condições ao equilíbrio ambiental.
Hazel Henderson, estudiosa inglesa, questiona o estilo de vida das sociedades materialistas, aponta estudos de psicólogos sobre o vício de ver TV em excesso e critica o mundo de fantasia criado pela publicidade. Como saída, propõe a “contrapublicidade”, mecanismo pelo qual conteúdos independentes acessem espaços de mídia, contrapondo informações à publicidade veiculada pelas empresas, para o esclarecimento da sociedade sobre bens e serviços. Por meio desse instrumento de controle social, projeta um novo modelo de disseminação de informação para os consumidores, com a finalidade de aproximar os conteúdos de propaganda à verdade.
Mais uma autora contemporânea, Juliet Schor, impacta o leitor com dados e argumentos relacionados à mercantilização da infância, baseados em pesquisa que faz sobre o campo publicitário. Denuncia que a categoria cultural “infância” tem sido produzida para ser vendida pela indústria do marketing. Explica como se constrói a relação entre as crianças consumidoras e os atores que passam a vida tentando “tirar dinheiro” delas. Demonstra como as crianças se tornaram um público autônomo, capaz de tomar decisões, com dinheiro próprio e poder de influência sobre outros consumidores, como os seus pais. E mais, denuncia que a sociedade contemporânea não está apenas mercantilizando as crianças, mas fazendo com que elas se mercantilizem sozinhas.
Segundo o Center for a New American Dream, uma ONG dos EUA, as crianças americanas são bombardeadas por cerca de 100 propagandas por dia, e 40 mil comerciais de TV por ano. Por trás dessa enxurrada, especialistas em marketing, psicologia e educação infantil constroem um imaginário estimulando o desejo por bens, serviços e conteúdos que assediam crianças e pais todos os dias. Eles alertam, ainda, que há 25 anos as empresas americanas gastavam anualmente US$ 100 milhões na promoção de produtos para crianças, cifra que hoje salta para US$ 17 bilhões. A ONG conta que, naquele país, o marketing antes era dirigido primordialmente a crianças entre 8 e 12 anos de idade, e agora está voltado para aquelas a partir dos 2 anos, que nem sequer saíram das fraldas.
Tudo isso gera enorme pressão sobre a psiquê das crianças, o que ocasiona apego ao materialismo e consumismo, e induz a problemas como depressão, obesidade, violência e estresse familiar. No Brasil, onde seguimos o mesmo caminho, algumas ONGs começam a lutar contra o abuso da vulnerabilidade do público infantil,revelando os principais impactos da indústria do marketing sobre esse alvo fácil e incapaz de discernir sobre as opções que lhes são apresentadas.
O Instituto Alana possui um projeto que visa proteger as crianças, pais e famílias desse achaque. Tem defendido adoção de marco regulatório pelo Congresso Nacional e estimulado ações no Judiciário para o mesmo fim. O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) também desenvolve um trabalho importante, por meio da denúncia de abusos. Recentemente, por exemplo, o Idec estudou a composição dos lanches de alguns restaurantes fast-food, e encontrou excesso de gordura trans, gordura saturada e sódio nos lanches preferidos das crianças.
As ações denunciadas por essas ONGs certamente violam os direitos mais básicos e o que elas têm de mais belo: sua pureza e ingenuidade.
*Coordenadora-adjunta do Gvces e doutoranda em Administração Pública e Governo na FGV