Dez anos é o tempo mínimo para a produção comercial de bioenergia de terceira geração – prazo bem curto para se definir uma política estratégica sobre o tema
Por Ignacy Sachs*
A energia da controvérsia é o subtítulo de um livro sobre os biocombustíveis, organizado pelo professor Ricardo Abramovay e lançado este ano pela Editora Senac. Partidários e adversários dos biocombustíveis continuam a travar uma renhida batalha sobre as consequências potenciais da competição entre bioenergia e alimentos por recursos escassos – terras agricultáveis e água.
A passagem à segunda e à terceira geração dos biocombustíveis – etanol celulósico e biocombustíveis produzidos à base de algas – acabaria com essa polêmica.
O etanol celulósico vai utilizar como matéria-prima resíduos agrícolas e florestais, além de gramíneas perenes e árvores de crescimento rápido, acentuando a complementaridade entre a produção de alimentos e de bioenergia. Esta é a opção tomada pela China, que planeja para o ano 2020 a substituição de 31 milhões de toneladas de gasolina por etanol produzido com resíduos agrícolas. Por sua vez, as algas e as plantas halófilas, suscetíveis de serem transformadas em bioenergia, crescem em água doce ou salgada e, portanto, não requerem nenhum hectare de terras cultiváveis.
Daí surge uma questão estratégica.Que importância atribuir a pesquisas sobre a segunda e a terceira geração dos biocombustíveis de maneira a acelerar o seu aproveitamento em escala industrial? Os primeiros a efetuar este pulo do gato (leapfrogging) desfrutarão de vantagens comparativas no mercado.
As numerosas espécies de algas – mais de 100 mil – diferem em tamanho e formas, desde micróbios unicelulares até sargaços longos de dezenas de metros, formando uma verdadeira floresta. Várias espécies têm a capacidade de crescer rapidamente, dobrando de volume a cada 6 horas. Algumas têm um conteúdo de óleo de 50%, o que faz com que tenham uma produtividade por hectare várias vezes superior à do dendezeiro ou da soja.
É possível cultivar algas no deserto em açudes ou nas usinas de tratamento de água. Um projeto na cidade de Saint Paul, no Estado de Minnesota, nos EUA, propõe-se a cultivar algas para remover o nitrogênio e o fósforo das águas usadas antes de jogá-las no Rio Mississippi. Da mesma maneira, pensa-se em reciclar o gás carbônico emitido por usinas elétricas movidas a carvão.
A produção de biocombustíveis à base de algas atrai também a atenção da indústria aeronáutica. A Sapphire Energy, a mais importante empresa americana do ramo, pretende colocar no mercado cerca de 4 milhões de litros de biocombustível de algas em 2011. A sua produção deve alcançar cerca de 400 milhões de litros por ano em 2018 e 4bilhões de litros em 2025.
Não faltam estimativas mirabolantes do potencial de biocombustíveis à base de algas. Salt Lake, no Estado de Utah, é um sério candidato para liderar a corrida com um potencial avaliado em US$ 250 bilhões por ano! Segundo outro cálculo, uma área de 2 milhões de hectares seria suficiente para abastecer integralmente os Estados Unidos com diesel. Na mesma ordem, há quem pense que a energia produzida de algas em uma parte do deserto de Saara, usando água do mar, daria para substituir o consumo mundial atual da energia fóssil.
Ainda não estamos lá. A energia obtida de algas continua cara e os mais otimistas pensam que pelo menos dez anos serão necessários para viabilizar a sua produção comercial. Mas, para definir uma estratégia de pulo do gato, dez anos representam um prazo muito curto. Tanto mais que o Brasil dispõe de condições excepcionais para se lançar na produção de biocombustíveis de algas.
Ao falar da terceira geração dos biocombustíveis, convém mencionar também a fotossíntese artificial, tema de um importante projeto pilotado pela Universidade de Uppsala, na Suécia, contando com uma rede de pesquisadores europeus. Cientistas americanos estão empenhados num projeto similar no Brookhaven National Laboratory. O objetivo é conseguir a produção do hidrogênio com água e energia solar, valendo-se de uma abordagem biomimética (inspirada nas soluções que a natureza encontra). Em paralelo, são estudadas cianobactérias e algas verdes que têm a capacidade de usar a energia solar para obter hidrogênio de água.
O progresso técnico não é uma panaceia que resolve todos os problemas da humanidade. Um talotimismo epistemológico seria descabido. Tampouco convém subestimar o papel da pesquisa tecnológica, deixando-se ir a um pessimismo desmobilizador diante da ameaça de mudanças climáticas deletérias. O importante é fazer com que o progresso técnico caminhe de mãos dadas com a organização social apropriada dos processos produtivos, de modo a enfrentar simultaneamente os desafios da mudança climática e das desigualdades abissais na distribuição da renda.
*Ecossocioeconomista da École des Houtes Études en Sciences Sociales