Eventos extremos despertam o Brasil para um dos primos pobres da Convenção do Clima. A área científica sai na frente
Por José Alberto Gonçalves
Seca na Amazônia e no Pantanal, inundações em Santa Catarina, no Norte e no Nordeste, veranicos que prejudicam lavouras no Centro-Sul. Ainda não há elementos para afirmar categoricamente que o aquecimento global provocou os eventos climáticos extremos que vêm sacudindo o Brasil. Mas ao menos estes foram suficientes para atrair a atenção pública para um dos primos pobres das negociações climáticas, o tema da adaptação às mudanças climáticas, um dos quatro eixos centrais do Plano de Ação de Bali – aprovado na 13ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança Climática (COP-13).
Marginalizado nas negociações da Convenção do Clima, o tema da adaptação era ignorado mais ainda no Brasil, que aparentemente não apresenta riscos tão iminentes e catastróficos como os que assombram o continente africano, países pobres do Sul da Ásia e países-ilhas, já duramente afetados por secas e inundações.
Estudos divulgados nos últimos dois anos, porém, mostram que há motivos de sobra para acender o sinal amarelo no País. Cenários projetados pelas pesquisas apontam a diminuição da oferta de água para o abastecimento e a geração elétrica e da área favorável aos principais cultivos agrícolas, como bem sintetiza a edição de dezembro de 2008 da revista Parcerias Estratégicas [1], do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Se na área científica a preocupação com vulnerabilidade e adaptação no Brasil já mobiliza dezenas de instituições, nos governos e na sociedade a movimentação em torno do assunto ainda é letárgica. Mais uma vez, a ciência caminha muito à frente da área política, que patina em declarações genéricas sobre o assunto e ainda não produziu ao menos o esboço de um plano nacional de adaptação.
“O Brasil está praticamente no zero nessa questão”, lamenta Márcio Santilli, coordenador de mudanças climáticas do Instituto Socioambiental (ISA). Embora reconheça que estão em curso projetos de pesquisa relevantes a respeito do tema, ele critica a falta de uma estratégia nacional, com diagnóstico das principais vulnerabilidades e um plano para o País enfrentá-las.
Lógica perversa
Fazer a lição de casa também ajudaria o País a ter voz mais ativa nas negociações sobre adaptação na Convenção do Clima. Como assinala uma fonte do governo federal, que preferiu não se identificar, o Brasil precisa desempenhar papel de maior liderança no processo, ao lado de Índia, China e África do Sul, para fortalecer as demandas dos países-ilhas, dos africanos e das nações do grupo LDC (menos desenvolvidas, na sigla em inglês), onde se situam as regiões mais vulneráveis do planeta ao aquecimento global.
“Há uma lógica perversa nas negociações climáticas. Os mais pobres são os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas causadas sobretudo pelas emissões históricas do mundo rico. Mas têm maior dificuldade de acessar recursos e não possuem condição institucional adequada para executar seus planos”, comenta a fonte do governo.
Segundo Carlos Nobre, coordenador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os países menos desenvolvidos da África e do Sul da Ásia, que possuem perto de 1,3 bilhão de habitantes, respondem por apenas 2,6% de todos os gases-estufa emitidos historicamente. “São esses países que sofrerão – e já estão sofrendo – as mais graves consequências das mudanças climáticas. Isso apresenta um dilema ético sem precedentes em termos de número de pessoas afetadas”, diz Nobre.
Passos importantes para internalizar o tema na agenda climática brasileira foram o lançamento do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, em dezembro de 2008, e a aprovação no início de junho de 2009 da lei que instituiu a política sobre mudanças climáticas na cidade de São Paulo. Os dois instrumentos incluem diretrizes de adaptação, como a implementação de um sistema de alerta precoce de secas na Defesa Civil e a recuperação de várzeas na capital paulista, para minimizar riscos de enchentes. No entanto, quase nada se fez para pôr em prática ações de adaptação previstas no Plano Nacional, que, como observa Nobre, coloca maior ênfase na mitigação de emissões.
Setores do governo federal defendem uma conduta mais cautelosa no assunto. Antes de avançar no desenho de medidas de adaptação, preferem esperar pela conclusão de estudos com projeções mais confiáveis sobre o comportamento do clima em diferentes regiões. O argumento nesse caso é o de que o País pode desperdiçar dinheiro em ações definidas com base em grau ainda elevado de incerteza científica.
No entanto, uma das principais autoridades em clima na ciência brasileira rema no sentido inverso. Para o cientista do Inpe, não é necessário ou desejável ter certeza absoluta sobre cenários de mudanças climáticas futuras para agir no terreno da adaptação em regiões como o litoral.
“O nível do mar estará em elevação por séculos. Mesmo não sendo possível projetar precisamente a trajetória temporal dessa elevação, o desenvolvimento de planos de adaptação para as zonas costeiras é mandatório já a partir do presente.”
Na dianteira
Na falta de esforço integrado no governo federal em torno do eixo da adaptação, cada ministério segue rumo próprio. O MCT, por exemplo, atua em três frentes: participação nas negociações da convenção do clima, formulação de políticas e fomento à produção científica. Na esfera das políticas, cinco oficinas foram realizadas de março a junho deste ano, com a participação de representantes de órgãos públicos, organizações não governamentais, instituições acadêmicas e entidades do setor privado.
Promovidas pelo CGEE, as oficinas recolheram sugestões para a elaboração de políticas de ciência, tecnologia e inovação referentes a vulnerabilidades, impactos e adaptação às mudanças climáticas.
Tendo como subsídio a edição de dezembro da revista Parcerias Estratégicas, do CGEE, as oficinas trataram dos temas de agropecuária (Brasília), recursos hídricos e energia (São Paulo), zonas costeiras, áreas urbanas e saúde (Rio de Janeiro), florestas e biodiversidade (Brasília) e Semiárido (Recife).
Na frente científica, a demanda é pela produção de mapeamentos mais detalhados e regionalizados sobre as vulnerabilidades do País. Por serem globais, os modelos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) têm baixa resolução. É como se estivéssemos observando uma imagem muito distante.
Quanto mais nos aproximamos (resolução mais alta), mais detalhes percebemos naquela mesma imagem. Um dos projetos nessa linha será o mapeamento de vulnerabilidades nas áreas de agricultura, desertificação, energia e saúde, que deverá começar até o fim deste ano. Como explica Haroldo Machado Filho, assessor especial da Coordenação-Geral de Mudança Global do Clima, do MCT, que organiza o trabalho, os modelos globais geram informações conflitantes nos cenários futuros para o regime de chuvas e a temperatura. Com os resultados, que devem estar prontos ao longo de 2010, será possível formular planos de adaptação menos custosos, pois baseados em projeções mais seguras, conta Machado Filho. O MCT recebeu doação para o projeto de quase US$ 600 mil do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).
Segundo Nobre, do Inpe, mais de 70 instituições nacionais estão elaborando 26 estudos integrados – com equipes multidisciplinares – sobre mitigação, impactos, vulnerabilidade e adaptação, sob o guarda-chuva da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas (Rede Clima), do MCT. Nos Estados, há iniciativas de destaque, como o Programa Fapesp de Pesquisas em Mudanças Climáticas Globais, além de programas similares no Amazonas e em Pernambuco.
Enquanto os cientistas se mexem, o projeto de lei que estabelece a política nacional de mudanças climáticas não sai das gavetas do Congresso Nacional. O projeto contempla a adaptação em vários de seus artigos e nortearia estados e municípios na execução de políticas para o tema. Mas, como adverte Santilli, do ISA, o tema da adaptação não ficou de escanteio somente na agenda de governos e parlamentares. Boa parte das ONGs ambientalistas mais influentes, empresas e mídia também cochilou no assunto e agora desperta para a urgência do assunto em suas agendas climáticas.
Mão fechada – Fundo de Adaptação provê menos de 2% dos recursos necessários
Uma das árduas batalhas da COP- 15 em Copenhague será negociar compromissos mais ambiciosos de apoio financeiro e tecnológico dos países ricos aos países em desenvolvimento com maior vulnerabilidade às alterações climáticas, para ações de adaptação. O secretariado da Convenção do Clima calcula em pelo menos US$ 100 bilhões o montante anual para as nações em desenvolvimento executarem medidas como construção de diques para contenção de enchentes, realocação de moradias, recuperação florestal em encostas de morros e melhorias genéticas e tecnológicas na agricultura.
Até o momento, contudo, a carteira do Fundo de Adaptação do Protocolo de Kyoto, que começa a operar este ano, está a anos-luz das necessidades do mundo em desenvolvimento. O mecanismo é alimentado pelo repasse de 2% dos créditos de carbono emitidos pela ONU para os projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) ao Banco Mundial, administrador dos recursos do fundo. Os créditos são vendidos no mercado de carbono pelo banco, que repassa o dinheiro ao fundo, voltado para o financiamento de projetos dos países em desenvolvimento.
Levando em conta que o Conselho do MDL emitiu até meados de junho quase 300 milhões de reduções certificadas de emissões (RCEs) desde 2006, quando o MDL começou a funcionar, em tese o fundo contaria com aproximadamente 60 milhões de euros (US$ 84 milhões) – caso os créditos fossem vendidos a 10 euros a tonelada, valor próximo ao das cotações de mercado no mês passado.
Na hipótese mais otimista do secretariado da Convenção, o fundo arrecadaria no máximo US$ 300 milhões anuais entre 2008 e 2012, caso houvesse uma reação espetacular nas cotações das RCEs.
“Há um reconhecimento geral de que os 2% são bastante insuficientes”, assinala Haroldo Machado Filho, assessor especial da Coordenação-Geral de Mudança Global do Clima, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Na arena de Copenhague, o Brasil vai brigar pela inclusão no Fundo de Adaptação de parte do dinheiro dos negócios dos outros dois mecanismos instituídos em Kyoto para viabilizar a redução nas emissões dos países do Anexo 1 da Convenção do Clima – o comércio de emissões e a Implementação Conjunta.
Mesmo assim, a reserva de 2% das permissões (allowances, no jargão de Kyoto, equivalentes a uma tonelada de CO2 cada uma) para o fundo não resultaria em mais que US$ 4 bilhões no período de 2008 a 2012. Seria uma cifra bem melhor que o US$ 1,5 bilhão do aporte total do fundo no cenário mais otimista previsto pela ONU com o dinheiro das RCEs. Mas ainda muito longe do necessário.
Diante da dificuldade de ampliar as fontes no Protocolo de Kyoto, o Brasil discute com outros países em desenvolvimento a criação de um mecanismo financeiro na Convenção do Clima e o estabelecimento de obrigações de apoio financeiro e tecnológico para as nações ricas. Os novos mecanismos seriam acessíveis a qualquer país em desenvolvimento, mas a ajuda seria dada prioritariamente aos países menos desenvolvidos, às nações africanas e aos países-ilhas, que correm os riscos mais graves e iminentes.
Eventos extremos despertam o Brasil para um dos primos pobres da Convenção do Clima. A área científica sai na frente
Seca na Amazônia e no Pantanal, inundações em Santa Catarina, no Norte e no Nordeste, veranicos que prejudicam lavouras no Centro-Sul. Ainda não há elementos para afirmar categoricamente que o aquecimento global provocou os eventos climáticos extremos que vêm sacudindo o Brasil. Mas ao menos estes foram suficientes para atrair a atenção pública para um dos primos pobres das negociações climáticas, o tema da adaptação às mudanças climáticas, um dos quatro eixos centrais do Plano de Ação de Bali – aprovado na 13ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança Climática (COP-13).
Marginalizado nas negociações da Convenção do Clima, o tema da adaptação era ignorado mais ainda no Brasil, que aparentemente não apresenta riscos tão iminentes e catastróficos como os que assombram o continente africano, países pobres do Sul da Ásia e países-ilhas, já duramente afetados por secas e inundações.
Estudos divulgados nos últimos dois anos, porém, mostram que há motivos de sobra para acender o sinal amarelo no País. Cenários projetados pelas pesquisas apontam a diminuição da oferta de água para o abastecimento e a geração elétrica e da área favorável aos principais cultivos agrícolas, como bem sintetiza a edição de dezembro de 2008 da revista Parcerias Estratégicas [1], do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Se na área científica a preocupação com vulnerabilidade e adaptação no Brasil já mobiliza dezenas de instituições, nos governos e na sociedade a movimentação em torno do assunto ainda é letárgica. Mais uma vez, a ciência caminha muito à frente da área política, que patina em declarações genéricas sobre o assunto e ainda não produziu ao menos o esboço de um plano nacional de adaptação.
“O Brasil está praticamente no zero nessa questão”, lamenta Márcio Santilli, coordenador de mudanças climáticas do Instituto Socioambiental (ISA). Embora reconheça que estão em curso projetos de pesquisa relevantes a respeito do tema, ele critica a falta de uma estratégia nacional, com diagnóstico das principais vulnerabilidades e um plano para o País enfrentá-las.
Lógica perversa
Fazer a lição de casa também ajudaria o País a ter voz mais ativa nas negociações sobre adaptação na Convenção do Clima. Como assinala uma fonte do governo federal, que preferiu não se identificar, o Brasil precisa desempenhar papel de maior liderança no processo, ao lado de Índia, China e África do Sul, para fortalecer as demandas dos países-ilhas, dos africanos e das nações do grupo LDC (menos desenvolvidas, na sigla em inglês), onde se situam as regiões mais vulneráveis do planeta ao aquecimento global.
“Há uma lógica perversa nas negociações climáticas. Os mais pobres são os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas causadas sobretudo pelas emissões históricas do mundo rico. Mas têm maior dificuldade de acessar recursos e não possuem condição institucional adequada para executar seus planos”, comenta a fonte do governo.
Segundo Carlos Nobre, coordenador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os países menos desenvolvidos da África e do Sul da Ásia, que possuem perto de 1,3 bilhão de habitantes, respondem por apenas 2,6% de todos os gases-estufa emitidos historicamente. “São esses países que sofrerão – e já estão sofrendo – as mais graves consequências das mudanças climáticas. Isso apresenta um dilema ético sem precedentes em termos de número de pessoas afetadas”, diz Nobre.
Passos importantes para internalizar o tema na agenda climática brasileira foram o lançamento do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, em dezembro de 2008, e a aprovação no início de junho de 2009 da lei que instituiu a política sobre mudanças climáticas na cidade de São Paulo. Os dois instrumentos incluem diretrizes de adaptação, como a implementação de um sistema de alerta precoce de secas na Defesa Civil e a recuperação de várzeas na capital paulista, para minimizar riscos de enchentes. No entanto, quase nada se fez para pôr em prática ações de adaptação previstas no Plano Nacional, que, como observa Nobre, coloca maior ênfase na mitigação de emissões.
Setores do governo federal defendem uma conduta mais cautelosa no assunto. Antes de avançar no desenho de medidas de adaptação, preferem esperar pela conclusão de estudos com projeções mais confiáveis sobre o comportamento do clima em diferentes regiões. O argumento nesse caso é o de que o País pode desperdiçar dinheiro em ações definidas com base em grau ainda elevado de incerteza científica.
No entanto, uma das principais autoridades em clima na ciência brasileira rema no sentido inverso. Para o cientista do Inpe, não é necessário ou desejável ter certeza absoluta sobre cenários de mudanças climáticas futuras para agir no terreno da adaptação em regiões como o litoral.
“O nível do mar estará em elevação por séculos. Mesmo não sendo possível projetar precisamente a trajetória temporal dessa elevação, o desenvolvimento de planos de adaptação para as zonas costeiras é mandatório já a partir do presente.”
Na dianteira
Na falta de esforço integrado no governo federal em torno do eixo da adaptação, cada ministério segue rumo próprio. O MCT, por exemplo, atua em três frentes: participação nas negociações da convenção do clima, formulação de políticas e fomento à produção científica. Na esfera das políticas, cinco oficinas foram realizadas de março a junho deste ano, com a participação de representantes de órgãos públicos, organizações não governamentais, instituições acadêmicas e entidades do setor privado.
Promovidas pelo CGEE, as oficinas recolheram sugestões para a elaboração de políticas de ciência, tecnologia e inovação referentes a vulnerabilidades, impactos e adaptação às mudanças climáticas.
Tendo como subsídio a edição de dezembro da revista Parcerias Estratégicas, do CGEE, as oficinas trataram dos temas de agropecuária (Brasília), recursos hídricos e energia (São Paulo), zonas costeiras, áreas urbanas e saúde (Rio de Janeiro), florestas e biodiversidade (Brasília) e Semiárido (Recife).
Na frente científica, a demanda é pela produção de mapeamentos mais detalhados e regionalizados sobre as vulnerabilidades do País. Por serem globais, os modelos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) têm baixa resolução. É como se estivéssemos observando uma imagem muito distante.
Quanto mais nos aproximamos (resolução mais alta), mais detalhes percebemos naquela mesma imagem. Um dos projetos nessa linha será o mapeamento de vulnerabilidades nas áreas de agricultura, desertificação, energia e saúde, que deverá começar até o fim deste ano. Como explica Haroldo Machado Filho, assessor especial da Coordenação-Geral de Mudança Global do Clima, do MCT, que organiza o trabalho, os modelos globais geram informações conflitantes nos cenários futuros para o regime de chuvas e a temperatura. Com os resultados, que devem estar prontos ao longo de 2010, será possível formular planos de adaptação menos custosos, pois baseados em projeções mais seguras, conta Machado Filho. O MCT recebeu doação para o projeto de quase US$ 600 mil do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).
Segundo Nobre, do Inpe, mais de 70 instituições nacionais estão elaborando 26 estudos integrados – com equipes multidisciplinares – sobre mitigação, impactos, vulnerabilidade e adaptação, sob o guarda-chuva da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas (Rede Clima), do MCT. Nos Estados, há iniciativas de destaque, como o Programa Fapesp de Pesquisas em Mudanças Climáticas Globais, além de programas similares no Amazonas e em Pernambuco.
Enquanto os cientistas se mexem, o projeto de lei que estabelece a política nacional de mudanças climáticas não sai das gavetas do Congresso Nacional. O projeto contempla a adaptação em vários de seus artigos e nortearia estados e municípios na execução de políticas para o tema. Mas, como adverte Santilli, do ISA, o tema da adaptação não ficou de escanteio somente na agenda de governos e parlamentares. Boa parte das ONGs ambientalistas mais influentes, empresas e mídia também cochilou no assunto e agora desperta para a urgência do assunto em suas agendas climáticas.
Mão fechada – Fundo de Adaptação provê menos de 2% dos recursos necessários
Uma das árduas batalhas da COP- 15 em Copenhague será negociar compromissos mais ambiciosos de apoio financeiro e tecnológico dos países ricos aos países em desenvolvimento com maior vulnerabilidade às alterações climáticas, para ações de adaptação. O secretariado da Convenção do Clima calcula em pelo menos US$ 100 bilhões o montante anual para as nações em desenvolvimento executarem medidas como construção de diques para contenção de enchentes, realocação de moradias, recuperação florestal em encostas de morros e melhorias genéticas e tecnológicas na agricultura.
Até o momento, contudo, a carteira do Fundo de Adaptação do Protocolo de Kyoto, que começa a operar este ano, está a anos-luz das necessidades do mundo em desenvolvimento. O mecanismo é alimentado pelo repasse de 2% dos créditos de carbono emitidos pela ONU para os projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) ao Banco Mundial, administrador dos recursos do fundo. Os créditos são vendidos no mercado de carbono pelo banco, que repassa o dinheiro ao fundo, voltado para o financiamento de projetos dos países em desenvolvimento.
Levando em conta que o Conselho do MDL emitiu até meados de junho quase 300 milhões de reduções certificadas de emissões (RCEs) desde 2006, quando o MDL começou a funcionar, em tese o fundo contaria com aproximadamente 60 milhões de euros (US$ 84 milhões) – caso os créditos fossem vendidos a 10 euros a tonelada, valor próximo ao das cotações de mercado no mês passado.
Na hipótese mais otimista do secretariado da Convenção, o fundo arrecadaria no máximo US$ 300 milhões anuais entre 2008 e 2012, caso houvesse uma reação espetacular nas cotações das RCEs.
“Há um reconhecimento geral de que os 2% são bastante insuficientes”, assinala Haroldo Machado Filho, assessor especial da Coordenação-Geral de Mudança Global do Clima, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Na arena de Copenhague, o Brasil vai brigar pela inclusão no Fundo de Adaptação de parte do dinheiro dos negócios dos outros dois mecanismos instituídos em Kyoto para viabilizar a redução nas emissões dos países do Anexo 1 da Convenção do Clima – o comércio de emissões e a Implementação Conjunta.
Mesmo assim, a reserva de 2% das permissões (allowances, no jargão de Kyoto, equivalentes a uma tonelada de CO2 cada uma) para o fundo não resultaria em mais que US$ 4 bilhões no período de 2008 a 2012. Seria uma cifra bem melhor que o US$ 1,5 bilhão do aporte total do fundo no cenário mais otimista previsto pela ONU com o dinheiro das RCEs. Mas ainda muito longe do necessário.
Diante da dificuldade de ampliar as fontes no Protocolo de Kyoto, o Brasil discute com outros países em desenvolvimento a criação de um mecanismo financeiro na Convenção do Clima e o estabelecimento de obrigações de apoio financeiro e tecnológico para as nações ricas. Os novos mecanismos seriam acessíveis a qualquer país em desenvolvimento, mas a ajuda seria dada prioritariamente aos países menos desenvolvidos, às nações africanas e aos países-ilhas, que correm os riscos mais graves e iminentes.
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