Ao se considerar critérios como industrialização, capacitação e sustentabilidade, chega-se a uma lista de países quase igual à dos participantes do G-20
Por José Eli da veiga
É incrível que alguém ainda acredite que a mitigação do aquecimento global deva ser assumida apenas pelas nações mais ricas, pois delas seriam as responsabilidades históricas.
Mesmo que tal postura pudesse ter inequívoco fundamento ético, o que está muito longe de acontecer, ela acabou se tornando incongruente até de um ponto de vista estritamente lógico. A participação desse grupo de países nas emissões globais despencou de quase 85%, em 1990, para 44%, em 2004. Hoje ela pode estar em torno de 40%, e talvez se aproxime de apenas um terço quando começar a vigorar um novo regime do clima, a partir de 2012.
Quando surgiu o Protocolo de Kyoto, adotar apenas esse critério de responsabilidade histórica era um caminho prático para mitigar o aquecimento, mesmo que fosse discutível em termos éticos. Agora, ao menos dois outros critérios não podem mais ser evitados, para que se identifique a lista das nações que precisam agir: capacitação e sustentabilidade.
É óbvio que quem possui mais capacidade de resposta, principalmente em termos de inovação tecnológica, tem obrigação moral de fazer muito mais, inclusive ajudando os que não a possuem. Também é evidente que o crescente peso relativo das emissões cria o dever de planejar, no mínimo, sua estabilização.
Pelo critério da capacitação chega-se a uma lista parecida com a das discutíveis responsabilidades históricas, embora em ordem bem diferente. Suécia, Finlândia e Suíça, por exemplo, ocupam os três primeiros lugares na classificação, embora com irrisórios pesos relativos nas emissões. Em 2004 eram, respectivamente, de 0,08%, 0,07% e 0,11%. E há duas exceções, pois Israel e Taiwan, que também têm ínfimas contribuições para o aquecimento global, estão em 4º e 15º lugares em termos de capacitação.
Todavia o panorama se altera profundamente quando se usa o critério da sustentabilidade, pois adquirem grave importância as emissões das nações da semiperiferia, mais conhecidas por emergentes, cuja ascensão econômica já permite que sejam agrupadas sob o rótulo de “Segundo Mundo”. Além dos casos mais óbvios – China, Indonésia, Brasil e Índia -, também entram na lista o México, a África do Sul, o Irã e a Arábia Saudita, por exemplo.
Então, para que sejam levados em conta simultaneamente os três critérios – industrialização, capacitação e sustentabilidade -, pode-se montar um índice composto, ou sintético, de responsabilidade pelo aquecimento global. Foi o que fez o jovem pesquisador na Unicamp Petterson Vale. Em trabalho apresentado em março, na conferência científica de Copenhague, ele usou as melhores bases de dados disponíveis para tirar médias.
O principal resultado foi uma lista de países que corresponde quase que exatamente à dos participantes do G-20. Em 2004 já saíam desse grupo 82% das emissões globais. Em 2012 essa participação certamente estará próxima de 90%.
Isso mostra a relevância que terá a cúpula de Pittsburgh, nos EUA, em setembro, para que os países realmente responsáveis pelo problema cheguem a um acordo que possa garantir o sucesso da conferência de dezembro em Copenhague. Se o G-20 tiver uma proposta, ela certamente será acatada pelas mais de 190 nações que terão direito a voto, mas que, em imensa maioria, serão grandes vítimas das mais previsíveis consequências do aquecimento, sem que para ele contribuam.
No momento não é essa a perspectiva mais realista, principalmente porque estão sem poder de liderança os três principais atores: Estados Unidos, União Europeia e China. Entretanto, esse cenário pode ser positivamente alterado se os dois primeiros forem capazes de se comprometer em oferecer ao terceiro amplo e fácil acesso às tecnologias de que ele mais necessita (leia-se energia nuclear).
Caso isso ocorra, a maior dificuldade passará a ser a conquista dos apoios da Índia e do Brasil, os dois grandes atores de segundo escalão que até agora tentam fugir de suas responsabilidades. Poderão vir a ser apontados como os dois principais vilões que inviabilizaram um bom acordo sobre a mitigação do aquecimento global.
O pior é que há sérios sinais de que alguns setores do governo Lula não estejam preocupados com essa possibilidade. Alguns porque não acreditam na seriedade do problema para o futuro da humanidade, e outros porque também têm fortes vínculos com os setores empresariais ligados às energias fósseis, hostis à transição para uma economia de baixo carbono. Por isso torcem discretamente para que não surja uma boa proposta do G-20 para a conferência de dezembro em Copenhague, o que certamente significará seu fracasso.[:en]Ao se considerar critérios como industrialização, capacitação e sustentabilidade, chega-se a uma lista de países quase igual à dos participantes do G-20
Por José Eli da veiga
É incrível que alguém ainda acredite que a mitigação do aquecimento global deva ser assumida apenas pelas nações mais ricas, pois delas seriam as responsabilidades históricas.
Mesmo que tal postura pudesse ter inequívoco fundamento ético, o que está muito longe de acontecer, ela acabou se tornando incongruente até de um ponto de vista estritamente lógico. A participação desse grupo de países nas emissões globais despencou de quase 85%, em 1990, para 44%, em 2004. Hoje ela pode estar em torno de 40%, e talvez se aproxime de apenas um terço quando começar a vigorar um novo regime do clima, a partir de 2012.
Quando surgiu o Protocolo de Kyoto, adotar apenas esse critério de responsabilidade histórica era um caminho prático para mitigar o aquecimento, mesmo que fosse discutível em termos éticos. Agora, ao menos dois outros critérios não podem mais ser evitados, para que se identifique a lista das nações que precisam agir: capacitação e sustentabilidade.
É óbvio que quem possui mais capacidade de resposta, principalmente em termos de inovação tecnológica, tem obrigação moral de fazer muito mais, inclusive ajudando os que não a possuem. Também é evidente que o crescente peso relativo das emissões cria o dever de planejar, no mínimo, sua estabilização.
Pelo critério da capacitação chega-se a uma lista parecida com a das discutíveis responsabilidades históricas, embora em ordem bem diferente. Suécia, Finlândia e Suíça, por exemplo, ocupam os três primeiros lugares na classificação, embora com irrisórios pesos relativos nas emissões. Em 2004 eram, respectivamente, de 0,08%, 0,07% e 0,11%. E há duas exceções, pois Israel e Taiwan, que também têm ínfimas contribuições para o aquecimento global, estão em 4º e 15º lugares em termos de capacitação.
Todavia o panorama se altera profundamente quando se usa o critério da sustentabilidade, pois adquirem grave importância as emissões das nações da semiperiferia, mais conhecidas por emergentes, cuja ascensão econômica já permite que sejam agrupadas sob o rótulo de “Segundo Mundo”. Além dos casos mais óbvios – China, Indonésia, Brasil e Índia -, também entram na lista o México, a África do Sul, o Irã e a Arábia Saudita, por exemplo.
Então, para que sejam levados em conta simultaneamente os três critérios – industrialização, capacitação e sustentabilidade -, pode-se montar um índice composto, ou sintético, de responsabilidade pelo aquecimento global. Foi o que fez o jovem pesquisador na Unicamp Petterson Vale. Em trabalho apresentado em março, na conferência científica de Copenhague, ele usou as melhores bases de dados disponíveis para tirar médias.
O principal resultado foi uma lista de países que corresponde quase que exatamente à dos participantes do G-20. Em 2004 já saíam desse grupo 82% das emissões globais. Em 2012 essa participação certamente estará próxima de 90%.
Isso mostra a relevância que terá a cúpula de Pittsburgh, nos EUA, em setembro, para que os países realmente responsáveis pelo problema cheguem a um acordo que possa garantir o sucesso da conferência de dezembro em Copenhague. Se o G-20 tiver uma proposta, ela certamente será acatada pelas mais de 190 nações que terão direito a voto, mas que, em imensa maioria, serão grandes vítimas das mais previsíveis consequências do aquecimento, sem que para ele contribuam.
No momento não é essa a perspectiva mais realista, principalmente porque estão sem poder de liderança os três principais atores: Estados Unidos, União Europeia e China. Entretanto, esse cenário pode ser positivamente alterado se os dois primeiros forem capazes de se comprometer em oferecer ao terceiro amplo e fácil acesso às tecnologias de que ele mais necessita (leia-se energia nuclear).
Caso isso ocorra, a maior dificuldade passará a ser a conquista dos apoios da Índia e do Brasil, os dois grandes atores de segundo escalão que até agora tentam fugir de suas responsabilidades. Poderão vir a ser apontados como os dois principais vilões que inviabilizaram um bom acordo sobre a mitigação do aquecimento global.
O pior é que há sérios sinais de que alguns setores do governo Lula não estejam preocupados com essa possibilidade. Alguns porque não acreditam na seriedade do problema para o futuro da humanidade, e outros porque também têm fortes vínculos com os setores empresariais ligados às energias fósseis, hostis à transição para uma economia de baixo carbono. Por isso torcem discretamente para que não surja uma boa proposta do G-20 para a conferência de dezembro em Copenhague, o que certamente significará seu fracasso.