À sua maneira, a Igreja progressista e movimentos sociais, como MST e MAB, falam a língua da sustentabilidade.
Já centrais sindicais ainda mostram apego a um velho jeito de pensar
Por Ana Cristina D’Angelo
A defesa da terra, a da água, a da energia e a da qualidade de vida eram tratadas de maneira estanque antes de o termo sustentabilidade abarcar estas urgências do planeta e a situação, de fato, se agravar. Três pilares de uma conhecida esquerda – Igreja progressista, movimentos sociais e organizações sindicais – há muito trabalham para uma mudança no modelo econômico que resulte em melhor distribuição de renda e em uma vida mais sã para os habitantes do Brasil continental.
A troca do modelo não veio, nem se sabe se virá, mas a sustentabilidade, como conhecida e defendida hoje, promove parcerias e encontros antes impensados. Página22 foi atrás desses três atores políticos, na tentativa de perceber como entendem e incluem a nova pauta em suas respectivas missões e maneiras de atuar ao longo do tempo.
Se a causa, anteriormente só conhecida como “verde” pelos ambientalistas, ficou algum tempo dissociada do “social”, a inevitável dependência recíproca começa a se desenhar entre os movimentos sociais.
Os sindicatos, no entanto, ainda aparentam estranheza com a temática e estimulam um debate que tangencia o tema, mas ainda está longe de perceber a participação de todos nesta etapa do conhecimento. A Igreja, que optou pelos pobres, acredita que estes serão os maiores atingidos por mudanças climáticas, falta de água e energia, mas acrescenta sentidos ao discurso evangélico. “A sustentabilidade planetária enriquece o entendimento do Evangelho. Quando falamos em conversão do pecado, podemos entender que se trata de uma conversão do comportamento da humanidade. Ou produzimos e consumimos de maneira diferente ou todos corremos risco”, afirma Dirceu Fumagalli, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra.
Unindo as pontas
Uma experiência de aproximação emblemática das chamadas causas verdes com o social se deu no Pontal do Paranapanema, na década de 80. Cláudio Pádua estava na região para estudar o mico-leão-dourado, espécie ameaçada de extinção, quando chegaram dezenas de assentados do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). “Achávamos que íamos perder tudo, porque estávamos ali por razões diferentes; nós, a biodiversidade, eles, a ocupação da terra. O tempo veio mostrar que havia possibilidade de nos unir e que nós tínhamos mais em comum do que pensávamos”, afirma a esposa de Cláudio, fundadora e hoje presidente da ONG Ipê, Suzana Machado Pádua.
Do MST partiu a ideia do trabalho em conjunto para reflorestamento. A terra dos assentamentos era degradada e conflitos violentos ocorriam pela posse. O casal deu início a um workshop, “sem muita pretensão”. Cláudio teve reuniões com José Rainha e outros líderes do movimento e viu que acreditavam piamente na parceria. “Percebemos que eles estavam ali para produzir numa terra conseguida a muito custo e queriam sobreviver daquilo; nós mudamos o rumo da ONG e passamos a trabalhar com aquela realidade.”
Primeiramente, foram os workshops sobre o que plantar, como plantar, o reflorestamento e seus benefícios. “Eu, que estava acompanhando meu marido no projeto de pesquisa para o doutorado, me apaixonei pela educação ambiental e mudei minha vida naquele processo, fiz mestrado e doutorado sobre o tema, entrevistando as famílias do MST”, acrescenta Suzana.
Hoje cerca de 80 famílias de assentados sobrevivem de plantar café orgânico e foram criados 27 viveiros comunitários que geram renda para os trabalhadores do Pontal. Outros produtos abriram caminho ao longo dos anos, como camisetas com patchwork do mico-leão e bucha vegetal com o selo sustentável.
Mas Suzana pontua que a qualidade de vida na região ainda é precária – o que não impede que o MST tenha clareza da pauta da conservação. “A mentalidade do movimento mudou muito. As famílias que não participam do projeto também querem trabalhar, porque estão vendo a melhora ambiental, as oportunidades.” A relação não foi paternalista. “Esta experiência nos transformou, vimos que dava para acoplar universos aparentemente muito distintos. Houve uma responsabilidade sutil de ambas as partes. Se isso é possível no Pontal, é possível em qualquer lugar do mundo”, declara.
Luiz Varref, engenheiro florestal do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST, lembra que a conservação da terra é pilar da fundação do movimento na década de 80. No primeiro congresso do MST, em 1984, o cuidado com a natureza aparece como pauta essencial. Em 1996, o movimento avança no debate e propõe ações de conservação. No congresso de 2000, a sustentabilidade é levantada como a principal bandeira, com ênfase na agroecologia.
O movimento parte, então, para a criação da Bionatur, empresa de hortaliças orgânicas, e a Leite Sul, que reúne cooperativas leiteiras no Sul do País para produção de leite orgânico. Só no Rio Grande do Sul, são 14 mil unidades produtivas envolvidas. Em 2005, é criado o centro de manejo da biodiversidade, juntamente com o Ministério do Meio Ambiente, que funciona como uma escola de formação nos 6.300 assentamentos.
Hoje o MST tem associação com 42 cursos de formação em agroecologia, cursos técnicos, graduação e, agora, especialização. “É óbvio que isso tudo tem seus limites. Se no Sul avançamos bastante, no Norte e no Nordeste ainda precisamos de outras parcerias, recursos do governo para assistência técnica e escoamento da produção. O crédito sustentável precisa ser real para quem cumpre a legislação ambiental”, pontua.
A causa principal do MST – a reforma agrária – está longe de ser atingida. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, 28 mil famílias foram assentadas em 2007 e 2008 e 21 terras quilombolas foram regularizadas no período pelos governos federal e estadual. “Isso não significa nada, nesse ritmo levaremos mil anos para regularizar a terra”, diz Dirceu Fumagalli, da CPT.
O País está longe de mudar a lógica da apropriação da terra. No entanto, o MST soube perceber as oportunidades de pequenos e consistentes passos através das parcerias com organizações como o Greenpeace, universidades e a bem-sucedida aliança com o Ipê, no Pontal do Paranapanema.
Outro grupo que tem encontrado suas brechas para ações sustentáveis e pertinentes é o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Em vez de prestar um atendimento pontual – o que o nome sugere na primeira leitura -, o MAB discute a matriz energética brasileira e, de quebra, o modelo social em que estamos inseridos, de consumo elevado e degradação ambiental.
“Não dá para limitar a discussão a uma alternativa de modelo energético, temos de informar os militantes da necessidade de mudança de comportamento”, diz Marco Antônio Trierveiler, liderança do MAB.
Quando o debate é a matriz energética, o MAB tem todo o arcabouço formado da crítica ao modelo. “Vemos água e energia apropriadas pelas maiores empresas mundiais. A hidreletricidade é uma das mais lucrativas indústrias do mundo e cobra as maiores tarifas dos consumidores”, sintetiza Marco Antônio.
Na articulação com a população e com os atingidos por barragens de usinas, a atuação do MAB envolve cerca de 1 milhão de pessoas, e entre 50 mil e 60 mil têm contato mais próximo com o movimento. Unir-se a iniciativas internacionais tem sido uma alternativa interessante, tendo em vista que a maioria dos países desenvolvidos “exporta” filiais de suas empresas para países periféricos, onde a oferta de energia é mais abundante.
Em paralelo, o MAB tem feito uma ampla campanha pela tarifa social, com custos subsidiados para famílias de baixa renda, o que já resultou em vitórias em algumas concessionárias de energia brasileiras.
Nesse quesito, analisa Trierveiler, a entidade busca apoio de diferentes setores da sociedade, mas admite que seria importante aprimorar essas relações. “Criou-se uma separação irreal entre os movimentos sociais e ambientalistas. Quando uma barragem destrói a população de peixes numa região, os pescadores não têm o que comer”, exemplifica.
Essa estreita visão de separação persistiu por um tempo considerável, avalia Trierveiler, mas ele acredita que os movimentos estão amadurecendo e percebem que não basta batalhar por um setor ou uma causa, mas ter a amplitude de uma mudança independentemente de governos, empresas ou instituições.
“Há necessidade de informação básica. Muitas populações atingidas não sabem sequer ler e escrever e não têm a real dimensão do que acontece. Estamos abertos a parcerias com gente especializada que leve o debate ambiental para estas áreas”, diz.
Chão de fábrica
Um impulso parece necessário para que se entenda nas fábricas o que é sustentabilidade, e sejam vislumbradas as múltiplas possibilidades de parcerias entre patrões e empregados.
José Pereira dos Santos, secretário nacional de formação da Força Sindical, admite que a central cometeu um equívoco no passado, ao entender que política se tratava de um conjunto externo de medidas e ações, ao qualos filiados não teriam acesso. E por isso foram alijados de informações sobre as novas tendências e uma nova forma de entender o mundo e seus desafios de organização social e política.
“Agora, começamos a ver a necessidade de um projeto de formação mais arrojado para os trabalhadores, com o entendimento interno de que a política deve ser bem esclarecida para nossos filiados.”
A proposta da Força para o próximo congresso nacional é um projeto de formação de líderes sindicais que contemple o meio ambiente, o local de trabalho e a qualidade de vida do trabalhador. “Havia uma visão de que questões ambientais eram frescura, mas, além disso, acredito que muitos dirigentes tinham medo de dar formação e maior preparo a seus pares, por receio de perder seu lugar”, revela José Pereira.
A participação dos trabalhadores nos projetos de responsabilidade social das empresas, contudo, anda a passos lentos. Segundo o líder da Força, as empresas transmitem as informações que interessam a elas e caberá ao sindicato mostrar o outro lado. Sem ter parcerias em vista.
Como todos os entrevistados para esta reportagem, contudo, a Força Sindical diz estar aberta a outras associações na área da sustentabilidade, com universidades, ONGs, fundações ou quem queira apresentar projetos. O diretor de Políticas Públicas do Ethos, Caio Magri, vê uma ausência forte de informação na base sindical brasileira com relação ao novo momento. “Os sindicatos não conseguiram se apropriar do conhecimento na área de responsabilidade social. Os relatórios das empresas nesse sentido abrem várias possibilidades de debate, mas muitos entendem como ameaça à sua representação, têm preconceito.”
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) foi procurada pela reportagem, mas não deu retorno sobre a participação no tema. Segundo Caio Magri, no entanto, o próximo congresso da CUT, este mês, trará ao País os responsáveis pela aliança entre ambientalistas e trabalhadores nos Estados Unidos, trunfo da campanha de Barack Obama e que teve peso considerável na eleição do atual presidente americano.
Abaixo a Ditadura e Salve o Planeta
Em seus tempos de Movimento Estudantil, Caio Magri sentou-se a várias mesas para negociar posições, acordos, e foi para a rua quando a hora pedia protestos e manifestações. O que o movia? A necessidade de viver em um mundo menos desigual, mais justo e mais livre. Cerca de 30 anos depois, o atual diretor de Políticas Públicas do Instituto Ethos recorda-se da militância clandestina na Liberdade e Luta (Libelu), braço estudantil da Organização Socialista Internacionalista.
A despeito dos – e graças a eles – novos tempos democráticos, ele consegue fazer um paralelo dos seus dias de luta daquela época e os de agora, com a bandeira da sustentabilidade. “Vejo um trabalho forte de articulação política, pequenos avanços e parcerias, muito parecido com nossas práticas nas organizações de esquerda. Você agrega vários setores para depois fazer uma ação mais impactante. E, também em comum, a sustentabilidade tem a importância da transparência do processo, o discurso é límpido”, compara.
“Não basta ter baixa emissão de carbono se a empresa tem altos índices de corrupção”. Dessa maneira, discursos ambientais, sociais e políticos se fundem na tal sustentabilidade. O ano de 1989, para o diretor, foi emblemático pela queda do Muro de Berlim e por acentuar a percepção da diversidade de movimentos e a entrada de outros temas, que não apenas a relação capital/trabalho, dominante no debate da esquerda.
Sua grata surpresa foi perceber, um pouco mais adiante, que o terceiro setor avançava, costurando diálogos até então impensados entre empresas e movimentos sociais. “Fiquei hipnotizado ao perceber que parcerias eram possíveis. O processo nem sempre é tranquilo e cada um precisa mesmo defender sua pauta. Mas tudo é uma negociação permanente, um esforço multissetorial.”[:en]À sua maneira, a Igreja progressista e movimentos sociais, como MST e MAB, falam a língua da sustentabilidade.
Já centrais sindicais ainda mostram apego a um velho jeito de pensar
Por Ana Cristina D’Angelo
A defesa da terra, a da água, a da energia e a da qualidade de vida eram tratadas de maneira estanque antes de o termo sustentabilidade abarcar estas urgências do planeta e a situação, de fato, se agravar. Três pilares de uma conhecida esquerda – Igreja progressista, movimentos sociais e organizações sindicais – há muito trabalham para uma mudança no modelo econômico que resulte em melhor distribuição de renda e em uma vida mais sã para os habitantes do Brasil continental.
A troca do modelo não veio, nem se sabe se virá, mas a sustentabilidade, como conhecida e defendida hoje, promove parcerias e encontros antes impensados. Página22 foi atrás desses três atores políticos, na tentativa de perceber como entendem e incluem a nova pauta em suas respectivas missões e maneiras de atuar ao longo do tempo.
Se a causa, anteriormente só conhecida como “verde” pelos ambientalistas, ficou algum tempo dissociada do “social”, a inevitável dependência recíproca começa a se desenhar entre os movimentos sociais.
Os sindicatos, no entanto, ainda aparentam estranheza com a temática e estimulam um debate que tangencia o tema, mas ainda está longe de perceber a participação de todos nesta etapa do conhecimento. A Igreja, que optou pelos pobres, acredita que estes serão os maiores atingidos por mudanças climáticas, falta de água e energia, mas acrescenta sentidos ao discurso evangélico. “A sustentabilidade planetária enriquece o entendimento do Evangelho. Quando falamos em conversão do pecado, podemos entender que se trata de uma conversão do comportamento da humanidade. Ou produzimos e consumimos de maneira diferente ou todos corremos risco”, afirma Dirceu Fumagalli, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra.
Unindo as pontas
Uma experiência de aproximação emblemática das chamadas causas verdes com o social se deu no Pontal do Paranapanema, na década de 80. Cláudio Pádua estava na região para estudar o mico-leão-dourado, espécie ameaçada de extinção, quando chegaram dezenas de assentados do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). “Achávamos que íamos perder tudo, porque estávamos ali por razões diferentes; nós, a biodiversidade, eles, a ocupação da terra. O tempo veio mostrar que havia possibilidade de nos unir e que nós tínhamos mais em comum do que pensávamos”, afirma a esposa de Cláudio, fundadora e hoje presidente da ONG Ipê, Suzana Machado Pádua.
Do MST partiu a ideia do trabalho em conjunto para reflorestamento. A terra dos assentamentos era degradada e conflitos violentos ocorriam pela posse. O casal deu início a um workshop, “sem muita pretensão”. Cláudio teve reuniões com José Rainha e outros líderes do movimento e viu que acreditavam piamente na parceria. “Percebemos que eles estavam ali para produzir numa terra conseguida a muito custo e queriam sobreviver daquilo; nós mudamos o rumo da ONG e passamos a trabalhar com aquela realidade.”
Primeiramente, foram os workshops sobre o que plantar, como plantar, o reflorestamento e seus benefícios. “Eu, que estava acompanhando meu marido no projeto de pesquisa para o doutorado, me apaixonei pela educação ambiental e mudei minha vida naquele processo, fiz mestrado e doutorado sobre o tema, entrevistando as famílias do MST”, acrescenta Suzana.
Hoje cerca de 80 famílias de assentados sobrevivem de plantar café orgânico e foram criados 27 viveiros comunitários que geram renda para os trabalhadores do Pontal. Outros produtos abriram caminho ao longo dos anos, como camisetas com patchwork do mico-leão e bucha vegetal com o selo sustentável.
Mas Suzana pontua que a qualidade de vida na região ainda é precária – o que não impede que o MST tenha clareza da pauta da conservação. “A mentalidade do movimento mudou muito. As famílias que não participam do projeto também querem trabalhar, porque estão vendo a melhora ambiental, as oportunidades.” A relação não foi paternalista. “Esta experiência nos transformou, vimos que dava para acoplar universos aparentemente muito distintos. Houve uma responsabilidade sutil de ambas as partes. Se isso é possível no Pontal, é possível em qualquer lugar do mundo”, declara.
Luiz Varref, engenheiro florestal do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST, lembra que a conservação da terra é pilar da fundação do movimento na década de 80. No primeiro congresso do MST, em 1984, o cuidado com a natureza aparece como pauta essencial. Em 1996, o movimento avança no debate e propõe ações de conservação. No congresso de 2000, a sustentabilidade é levantada como a principal bandeira, com ênfase na agroecologia.
O movimento parte, então, para a criação da Bionatur, empresa de hortaliças orgânicas, e a Leite Sul, que reúne cooperativas leiteiras no Sul do País para produção de leite orgânico. Só no Rio Grande do Sul, são 14 mil unidades produtivas envolvidas. Em 2005, é criado o centro de manejo da biodiversidade, juntamente com o Ministério do Meio Ambiente, que funciona como uma escola de formação nos 6.300 assentamentos.
Hoje o MST tem associação com 42 cursos de formação em agroecologia, cursos técnicos, graduação e, agora, especialização. “É óbvio que isso tudo tem seus limites. Se no Sul avançamos bastante, no Norte e no Nordeste ainda precisamos de outras parcerias, recursos do governo para assistência técnica e escoamento da produção. O crédito sustentável precisa ser real para quem cumpre a legislação ambiental”, pontua.
A causa principal do MST – a reforma agrária – está longe de ser atingida. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, 28 mil famílias foram assentadas em 2007 e 2008 e 21 terras quilombolas foram regularizadas no período pelos governos federal e estadual. “Isso não significa nada, nesse ritmo levaremos mil anos para regularizar a terra”, diz Dirceu Fumagalli, da CPT.
O País está longe de mudar a lógica da apropriação da terra. No entanto, o MST soube perceber as oportunidades de pequenos e consistentes passos através das parcerias com organizações como o Greenpeace, universidades e a bem-sucedida aliança com o Ipê, no Pontal do Paranapanema.
Outro grupo que tem encontrado suas brechas para ações sustentáveis e pertinentes é o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Em vez de prestar um atendimento pontual – o que o nome sugere na primeira leitura -, o MAB discute a matriz energética brasileira e, de quebra, o modelo social em que estamos inseridos, de consumo elevado e degradação ambiental.
“Não dá para limitar a discussão a uma alternativa de modelo energético, temos de informar os militantes da necessidade de mudança de comportamento”, diz Marco Antônio Trierveiler, liderança do MAB.
Quando o debate é a matriz energética, o MAB tem todo o arcabouço formado da crítica ao modelo. “Vemos água e energia apropriadas pelas maiores empresas mundiais. A hidreletricidade é uma das mais lucrativas indústrias do mundo e cobra as maiores tarifas dos consumidores”, sintetiza Marco Antônio.
Na articulação com a população e com os atingidos por barragens de usinas, a atuação do MAB envolve cerca de 1 milhão de pessoas, e entre 50 mil e 60 mil têm contato mais próximo com o movimento. Unir-se a iniciativas internacionais tem sido uma alternativa interessante, tendo em vista que a maioria dos países desenvolvidos “exporta” filiais de suas empresas para países periféricos, onde a oferta de energia é mais abundante.
Em paralelo, o MAB tem feito uma ampla campanha pela tarifa social, com custos subsidiados para famílias de baixa renda, o que já resultou em vitórias em algumas concessionárias de energia brasileiras.
Nesse quesito, analisa Trierveiler, a entidade busca apoio de diferentes setores da sociedade, mas admite que seria importante aprimorar essas relações. “Criou-se uma separação irreal entre os movimentos sociais e ambientalistas. Quando uma barragem destrói a população de peixes numa região, os pescadores não têm o que comer”, exemplifica.
Essa estreita visão de separação persistiu por um tempo considerável, avalia Trierveiler, mas ele acredita que os movimentos estão amadurecendo e percebem que não basta batalhar por um setor ou uma causa, mas ter a amplitude de uma mudança independentemente de governos, empresas ou instituições.
“Há necessidade de informação básica. Muitas populações atingidas não sabem sequer ler e escrever e não têm a real dimensão do que acontece. Estamos abertos a parcerias com gente especializada que leve o debate ambiental para estas áreas”, diz.
Chão de fábrica
Um impulso parece necessário para que se entenda nas fábricas o que é sustentabilidade, e sejam vislumbradas as múltiplas possibilidades de parcerias entre patrões e empregados.
José Pereira dos Santos, secretário nacional de formação da Força Sindical, admite que a central cometeu um equívoco no passado, ao entender que política se tratava de um conjunto externo de medidas e ações, ao qualos filiados não teriam acesso. E por isso foram alijados de informações sobre as novas tendências e uma nova forma de entender o mundo e seus desafios de organização social e política.
“Agora, começamos a ver a necessidade de um projeto de formação mais arrojado para os trabalhadores, com o entendimento interno de que a política deve ser bem esclarecida para nossos filiados.”
A proposta da Força para o próximo congresso nacional é um projeto de formação de líderes sindicais que contemple o meio ambiente, o local de trabalho e a qualidade de vida do trabalhador. “Havia uma visão de que questões ambientais eram frescura, mas, além disso, acredito que muitos dirigentes tinham medo de dar formação e maior preparo a seus pares, por receio de perder seu lugar”, revela José Pereira.
A participação dos trabalhadores nos projetos de responsabilidade social das empresas, contudo, anda a passos lentos. Segundo o líder da Força, as empresas transmitem as informações que interessam a elas e caberá ao sindicato mostrar o outro lado. Sem ter parcerias em vista.
Como todos os entrevistados para esta reportagem, contudo, a Força Sindical diz estar aberta a outras associações na área da sustentabilidade, com universidades, ONGs, fundações ou quem queira apresentar projetos. O diretor de Políticas Públicas do Ethos, Caio Magri, vê uma ausência forte de informação na base sindical brasileira com relação ao novo momento. “Os sindicatos não conseguiram se apropriar do conhecimento na área de responsabilidade social. Os relatórios das empresas nesse sentido abrem várias possibilidades de debate, mas muitos entendem como ameaça à sua representação, têm preconceito.”
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) foi procurada pela reportagem, mas não deu retorno sobre a participação no tema. Segundo Caio Magri, no entanto, o próximo congresso da CUT, este mês, trará ao País os responsáveis pela aliança entre ambientalistas e trabalhadores nos Estados Unidos, trunfo da campanha de Barack Obama e que teve peso considerável na eleição do atual presidente americano.
Abaixo a Ditadura e Salve o Planeta
Em seus tempos de Movimento Estudantil, Caio Magri sentou-se a várias mesas para negociar posições, acordos, e foi para a rua quando a hora pedia protestos e manifestações. O que o movia? A necessidade de viver em um mundo menos desigual, mais justo e mais livre. Cerca de 30 anos depois, o atual diretor de Políticas Públicas do Instituto Ethos recorda-se da militância clandestina na Liberdade e Luta (Libelu), braço estudantil da Organização Socialista Internacionalista.
A despeito dos – e graças a eles – novos tempos democráticos, ele consegue fazer um paralelo dos seus dias de luta daquela época e os de agora, com a bandeira da sustentabilidade. “Vejo um trabalho forte de articulação política, pequenos avanços e parcerias, muito parecido com nossas práticas nas organizações de esquerda. Você agrega vários setores para depois fazer uma ação mais impactante. E, também em comum, a sustentabilidade tem a importância da transparência do processo, o discurso é límpido”, compara.
“Não basta ter baixa emissão de carbono se a empresa tem altos índices de corrupção”. Dessa maneira, discursos ambientais, sociais e políticos se fundem na tal sustentabilidade. O ano de 1989, para o diretor, foi emblemático pela queda do Muro de Berlim e por acentuar a percepção da diversidade de movimentos e a entrada de outros temas, que não apenas a relação capital/trabalho, dominante no debate da esquerda.
Sua grata surpresa foi perceber, um pouco mais adiante, que o terceiro setor avançava, costurando diálogos até então impensados entre empresas e movimentos sociais. “Fiquei hipnotizado ao perceber que parcerias eram possíveis. O processo nem sempre é tranquilo e cada um precisa mesmo defender sua pauta. Mas tudo é uma negociação permanente, um esforço multissetorial.”