No campo de Treblinka, na Polônia, 70 anos após o início da Segunda Guerra Mundial, o que mais choca é o que não existe
Por Eduardo Shor*
A área do antigo campo de concentração de Treblinka, na Polônia, nada mais é, hoje, do que uma vasta região verde. Em Auschwitz, a algumas horas dali, boa parte da infraestrutura da máquina de destruição nazista permaneceu intacta. As cercas de arame farpado, os alojamentos dos prisioneiros, os postos de patrulha dos soldados, a parede de fuzilamento, a grade das prisões.
Mas, em meio às altas árvores e aos voos dos pássaros de Treblinka, não sobrou um resquício sequer de crueldade. Apenas a estranha sensação de pisar um local onde foram mortas mais de 800 mil pessoas, em, aproximadamente, dois anos. E perceber isso talvez já seja mais pesado do que olhar qualquer ruína.
A história de Treblinka sempre doeu mais na carne do que nos olhos. Franz Stangl, comandante do campo entre agosto de 1942 e o mesmo mês de 1943, transformou a estação de trem que recebia os prisioneiros em cenário de conto de fadas, para mascarar o destino das pessoas. Pintou as plataformas, colocou placas bem elaboradas, enfeitou o local com flores e mandou instalar um relógio. Os ponteiros marcavam sempre 3 horas.
Ponteiros marcavam sempre 3 horas. É bem possível que não existam tempo e massacre tão bem documentados na história do planeta do que os dos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. São cerca de 60 Museus em todo o mundo, nos EUA, Japão, África do Sul, Holanda, Alemanha, entre outros países.
Treblinka, por sua vez, é hoje a leitura das ações do homem em suas entrelinhas. Quem visita o lugar precisa de um pouco mais de atenção para se dar conta de onde está. Na falta da estrutura do campo de concentração em si, deve interpretar o grande volume de história presente na escassez de informações disponíveis. O campo é agora um espaço em branco, para repensar conceitos, ética, valorização ou desvalorização humana. A pausa. O que mais choca é o que não existe. E a maneira sutil de mesmo o que é destruído permanecer incômodo e intacto.
Ironicamente, a devastação promovida pelos nazistas foi em algum sentido mais inclusiva do que sonham ser muitas instituições democráticas. Tiveram direito à morte ricos e pobres, homens e mulheres, velhos e crianças, letrados e analfabetos, moradores dos subúrbios e os dos grandes centros urbanos. Até Treblinka foram transportados cidadãos das mais diversas origens e idiomas. Grupos da Grécia, Macedônia, Alemanha, Áustria, França, Eslováquia, Polônia. Populações de ciganos e judeus.
O campo foi destruído pelo Exército alemão, quando o ditador Adolf Hitler avaliou que perderia a guerra. O interesse era apagar provas de genocídio. Quem chega à área do campo não tem uma visão muito diferente da de uma reserva ecológica ou de um jardim botânico. Aos olhos do século XXI, pode parecer uma área de preservação ambiental, como é um terço do território polonês, de acordo com dados da Câmara de Comércio Brasil-Polônia.
Mas, com uma instalação de 17 mil pedras distribuídas em uma grande área, em homenagem às vítimas e suas nações de origem, Treblinka é fruto de outro tipo de natureza. No começo de 1943, temendo o desmantelamento do campo e a matança generalizada, os prisioneiros organizaram uma revolta. No entanto, acabaram descobertos antes que pudessem escapar dos limites do campo. Mais de 300 venceram as cercas, mas destes, em torno de 200 foram recapturados e mortos.
A insustentabilidade da nossa civilização não começou nem se encerrou em Auschwitz ou Treblinka. Em muitas regiões ainda há seres humanos que, em graus variados, investem na desvalorização da vida, na desigualdade, na indiferença, na corrupção, no abuso. Setenta anos depois do setembro em que a Alemanha invadiu a Polônia, e teve início uma das piores guerras testemunhadas pelos povos, o que as sociedades e as pessoas aprenderam com tudo isso?
*Jornalista, visitou os campos de Treblinka e Auschwitz em agosto (Excepcionalmente, este texto substitui o da colunista Daniela Gomes Pinto)