Quando, além de navegar e descartar, vive também é preciso
Por Eduardo Shor
Algumas pessoas esperaram o século XXI redentor. Outras apostaram na revolução tecnológica, com o predomínio das máquinas sobre o ser humano, no planeta Terra: uma espécie de “agora, sim, desta vez é um caminho sem volta; os bytes venceram a parada”. Houve, ainda, as que mantiveram antigas promessas: “Janeiro largo o cigarro e escalo o Everest para celebrar, com a turma, os 20 anos da nossa formatura na faculdade”.
Estas pessoas mal sabiam que estavam diante de um dos começos de século mais iconoclastas em toda a História. Uma década em que, mais do que nunca, viu-se o ruir de estruturas arcaicas, que à primeira vista aparentavam ser tão sólidas. Mas eram velhas e de pouca credibilidade, como as juras de dezembro. São os anos em que as tradicionais imagens dos caciques da política ou da economia podem valer de 1 bilhão de dólares a 1 centavo, do dia para a noite. Época em que blogs e twitters funcionam como o ventilador que espalha fatos, versões e lama no mar de informações da sociedade.
A Enron, uma das maiores companhias americanas de energia, quebrou em 2001, após manipulação de balanços financeiros, entre outras fraudes. Devido às consequências da crise financeira que agitou as ondas do mercado este ano, empresas como GM e Chrysler pediram dinheiro emprestado ao presidente dos EUA, Barack Obama, e fecharam diversas fábricas, fisgando o emprego de milhares de funcionários. Investidores naufragaram e grandes bancos do país afundaram. O Lehman Brothers, de 158 anos, perdeu US$ 7 bilhões em nove meses e faliu. Sobrou a carcaça.
No Brasil, muito também veio à tona. O Partido dos Trabalhadores viveu uma de suas maiores crises de ética, com demissão de importantes ministros do governo Lula. Hoje, é o senador José Sarney quem vive às voltas com investigações, as quais podem provar que a reputação de um nome nem sempre é imortal. E tome lama.
Tanto na terra como no mar
“O mar está cheio de lixo. Por ser gigantesco, acreditavase que ele seria o único corpo d’água com capacidade de autodepuração sem limites, diferente dos rios. Atualmente, a contaminação em determinados pontos é tão grande que as águas perdem essa função. E a poluição acumula”, explica o professor Sabetai Calderoni, doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo.
Para estudar os resíduos que têm chegado à superfície, nos primeiros dias de agosto um grupo de pesquisadores da Universidade de San Diego, nos EUA, resolveu encarar as marés. Divididos em duas embarcações, os membros do Projeto Kaisei alcançaram uma região do Oceano Pacífico a cerca de 2 mil quilômetros da costa da Califórnia, conhecida como Caminho do Lixo.
Devido à ação de ventos e correntes marítimas, os detritos acumularam-se em uma área que se acredita ter duas vezes o tamanho do Texas, estado de origem do ex-presidente americano George W. Bush, com cerca de 4 milhões de toneladas de plástico. Um dos objetivos da missão é coletar objetos e estudar a massa de resíduos. No décimo dia de viagem, o grupo encontrou no mar uma boia de pesca feita de vidro, maior do que uma bola de basquete, com idade estimada entre 20 e 30 anos. Há artigos variados.
O lixo depositado nos córregos, por exemplo, vai para os rios. E os rios desembocam no mar. “A quantidade de lixo que passou a ser gerada pelo padrão de consumo disseminado mundo afora é enorme, ainda mais com uso intensivo de embalagens descartáveis”, ressalta Calderoni.
Ele explica que o lixo é prejudicial de todas as formas. Mesmo nos aterros mais bem preparados, o chorume escorre, entra no lençol freático e alcança rios e mares. Às vezes, ao longo dos anos, é uma fissura que causa o vazamento do chorume e o líquido acaba contaminando a água. Uma das soluções para amenizar o problema é a criação das centrais de reciclagem. Isso, claro, como último recurso: antes de se pensar em reciclar, é preciso repensar o consumo, reduzir e reutilizar os materiais.
Ele explica que o lixo é prejudicial de todas as formas. Mesmo nos aterros mais bem preparados, o chorume escorre, entra no lençol freático e alcança rios e mares. Às vezes, ao longo dos anos, é uma fissura que causa o vazamento do chorume e o líquido acaba contaminando a água. Uma das soluções para amenizar o problema é a criação das centrais de reciclagem. Isso, claro, como último recurso: antes de se pensar em reciclar, é preciso repensar o consumo, reduzir e reutilizar os materiais.
Em um local banhado por outros mares, na Europa, algumas medidas têm sido tomadas, tendo em vista um modelo mais sustentável.
O professor conta que as fábricas de automóvel europeias tornaram-se responsáveis pelo recolhimento das carcaças dos carros. Assim, elas acabaram mudando o próprio processo produtivo, para facilitar o reaproveitamento de materiais descartados com o veículo. Na Suíça, especificamente, como o consumidor passou a pagar pela quantidade de lixo descartada em casa, as pessoas começaram a deixar as caixas dos produtos no próprio supermercado. Por sua vez, os supermercados pressionaram a indústria para que fossem produzidas embalagens mais adequadas e em menor volume.
No século da simultaneidade, do on-line, do desgaste precoce, da fama meteórica das personalidades, do excesso, do desmoronamento de tradições, do quebrar de reputações, da multiplicidade de conteúdos, da renovação constante e da rápida descartabilidade de tudo isso, a necessidade de aprender a lidar com o que ficou antigo ou inutilizado também é urgente.
“O Brasil gera US$ 2 bilhões por ano com a reciclagem do lixo domiciliar, embora tenhamos capacidade de alcançar algo em torno de US$ 10 bilhões. Isso poderia se traduzir em melhor infraestrutura e qualidade de vida para a população”, acredita Calderoni, sem considerar números do lixo industrial, entulho, entre outras tantas sujeiras que assolam o País.