A inovação colaborativa, no modelo dos projetos de open source software, chega ao mundo corporativo e promete benefícios para a sociedade como um todo
Por Flavia Pardini
Neste mês de setembro, preste atenção nas notícias de tecnologia. O netfix, serviço on-line de aluguel de DVDs nos EUA, anuncia o vencedor de um prêmio para melhorar em pelo menos 10% seu sistema de recomendação de filmes. Dois grupos disputam US$ 1 milhão, mas o importante é como a empresa chegou até a eles.
Lançada em 2006, a competição foi aberta a qualquer pessoa e contou com 51 mil participantes de 186 países, agrupados em cerca de 41 mil equipes. Em 26 de junho, o grupo BellKor’s Pragmatic Chaos apresentou uma solução que melhoraria o sistema da empresa em 10,09%, abrindo uma janela final de 30 dias para que outros grupos tentassem alcançá-los. No último dia do prazo, 26 de julho, um coletivo de grupos previamente competindo solo – apropriadamente chamado de The Ensemble – apresentou solução que incrementaria em 10,10% a tecnologia Netflix. O resultado final ainda está nas mãos do Netflix, mas os efeitos do prêmio já se delineiam. Os clientes Netflix poderão contar com um sistema aperfeiçoado de recomendações, pelo qual a empresa pagará muito menos do que se tivesse contratado 50 mil pessoas para encarar, por dois anos, a tarefa.
O modelo aberto e colaborativo que beneficia o Netflix é visto como promissor em um mundo cada vez mais complexo. “Algumas pessoas de nossa equipe acham que esta é a maneira pela qual os problemas serão solucionados no futuro. Grandes problemas, com grandes grupos ao redor do mundo colaborando pela internet”, disse um dos integrantes do The Ensemble à revista Wired. A internet é chave nessa equação, como mostra a história do open source software.
É ela que permite a colaboração no desenvolvimento e a ampla distribuição, sem custo, do produto final – no caso de software, informação. Para os pesquisadores Eric Von Hippel e Georg von Krogh [http://opensource.mit.edu/papers/hippelkrogh.pdf], os projetos de open source software são uma alternativa bem-sucedida aos modelos convencionais de inovação e permitem a coexistência de incentivos ao investimento privado e à ação coletiva. Trata-se, acreditam, de um modo de organizar-se para a inovação que pode trazer “o melhor dos dois mundos” para a sociedade. Esse modo de operar começa a deixar o reino dos geeks e a pegar no mundo corporativo. Na Cisco Systems, multinacional que desenha e vende tecnologia e serviços de comunicação e networking, a colaboração chegou à gestão por meio das redes sociais. John Chambers, presidente da Cisco, diz que tais tecnologias são “o modelo de negócio para os líderes do século XXI” e garante que a empresa abandonou o comando-e-controle em favor da colaboração-e-trabalho-emequipe. “Quando eu viro para a direita, 67,7 mil pessoas viram para a direita”, diz Chambers [http://www.businessweek.com/magazine/content/09_12/b4124030877661.htm], referindo-se ao número de empregados da Cisco. “Isso é um poder enorme. Mas não é o futuro.” O futuro, completa, é tomar decisões a partir de um processo replicável e que oferece escala e rapidez, mas também flexibilidade. A empresa hoje opera “redes de negócio” internas, com “conselhos” que buscam realizar oportunidades de US$ 10 bilhões, “comitês” que correm atrás de oportunidades de US$ 1 bilhão e “grupos de trabalho” para apoiar ambos [http://www.cisco.com/web/about/ciscoitatwork/downloads/ciscoitatwork/pdf/CollaborativeExecutiveGuide.pdf ].
Pessoas de diferentes grupos juntam-se para formar “comitês operacionais” e colaborar. A Cisco também mudou o sistema de remuneração para recompensar aqueles que agem de forma colaborativa, focando no bem geral da empresa. Ao trazer as ferramentas da web 2.0 para a estratégia de gestão, a companhia se capacita a acessa o conhecimento “estocado” em empregados, fornecedores, clientes e até no público em geral – e garante que os efeitos no bottom line são positivos. Para além da gestão corporativa, o modo open source de operar vem sendo cada vez mais adotado, em particular pelas indústrias criativas. Mas a grande promessa – não sem riscos – é o que ele pode produzir em termos de inovação social. “A enorme escala de contribuições e colaboração humana que a web e suas tecnologias associadas tornam possível tem potencial para gerar grandes benefícios, em aplicações como assistência de saúde, resposta a desastres, desenvolvimento internacional ou programas de energia sustentável”, escreve Ben Schneiderman, diretor do Human Computer Interaction Laboratory da Universidade de Maryland [http://www.cs.umd.edu/~ben/whitworth-Socio-Tec-foreword.pdf]. “Também levanta riscos equivalentes, com o avanço de ideologias terroristas, a negação de liberdades civis e a opressão por dirigentes cruéis. A tecnologia aumenta tanto o bem quanto o mal, mas o discurso aberto, o design participativo e o livre fluxo de informação podem levar à conscientização que derrota a discriminação e a opressão.”