Para quem acha que canguru é a coisa mais típica da Austrália, vale dar uma olhada no banheiro. Em oito de dez banheiros australianos – como o da casa em que moro (foto) em Western Australia – a privada tem dois botões: um para descargas leves, com 3 litros, e outro para serviços mais pesados, com 6 litros. Inventada em 1980 por um australiano, a privada dual flush reduziu em quase 70% o uso de água na maioria das residências e hoje é obrigatória em qualquer nova construção. Dizem alguns que é um presente da Austrália para o mundo – é usada em mais de 30 países.
Não é de estranhar que com 70% do território cobertos por desertos ou semi-desertos, a Austrália seja celeiro de invenções para reduzir o uso de água. Seco por natureza, o continente sofre também os efeitos das mudanças climáticas, especialmente nas áreas mais importantes economicamente, a costa leste e o sudoeste. Nessas regiões, os índices de precipitação caíram nas últimas décadas, enquanto as temperaturas aumentaram.
Se o meio ambiente impõe limites a ponto de restringir a ocupação – quase 90% dos habitantes vivem nas cidades próximas ao litoral –, é também fonte de riqueza econômica. Agricultura e mineração respondem por quase 60% das exportações e fazem da economia australiana um estranho no ninho entre as nações industrializadas: assim como em muitos países em desenvolvimento, a ênfase é nas commodities em vez dos produtos manufaturados. O rico subsolo australiano garante que a quase totalidade da energia consumida venha do carvão, também um dos principais produtos de exportação.
Desde a eleição de Kevin Rudd como primeiro-ministro em 2007, o país deu uma guinada em favor de políticas ambientais ambiciosas, como o projeto em apreciação no Parlamento para instituir um sistema de cap-and-trade para as emissões de carbono. Outra é a iniciativa para ajudar países da região, como a Indonésia, a preservar suas florestas. Mas com o boom mineral apenas em estado dormente, os australianos mantêm padrão de vida confortável e ainda há muita campanha país afora para convencer o cidadão comum de que as atividades humanas nada têm a ver com o aquecimento global.
Por tudo isso, a Austrália é um caso interessante a se observar quanto aos dilemas que a humanidade enfrenta no século XXI e as soluções de que precisa. Que mix de tecnologias e fontes de energia vai substituir os combustíveis fósseis? Como as economias nacionais e a global se transformarão com as mudanças climáticas? Que esquemas serão usados para lidar com a escassez de recursos vitais como a água? Como transformar comportamentos? Como vão se reorganizar comunidades e localidades? Que papel podem desempenhar as tecnologias e as mídias digitais para enfrentar o enorme desafio social de redesenhar o modo em que vivemos?
Esse último ponto é um dos que mais me aguçam a curiosidade nos últimos tempos – trata-se de um novo ambiente, esse digital, em que soluções jamais imaginadas podem florescer? – e tenho a impressão de que vai aparecer com freqüência aqui na minha metade do *De-lá-prá-cá*. A outra é capitaneada pela Regina Scharf, escrevendo de Santa Fé, Novo México, às terças-feiras. De modo geral, a intenção é manter olhos e ouvidos abertos para casos, fatos e idéias, como a dual flush, que possam despertar o interesse ou engatilhar novas invenções do outro lado do mundo, no Brasil.
Como nem só de dual flush vive a Austrália, aí vai (foto do canguru) mais um produto típico dessa terra que já esteve bem mais perto de nós.