Estávamos à toa na vida, quando a tempestade de poeira passou, deixando um rastro de preocupação. Serão as mudanças climáticas? Virão outras, tão fortes quanto?
A poeira cobriu Canberra, a capital australiana, na terça-feira, dia 22, mas só virou manchete global no dia seguinte, quando chegou a Sydney. “Como sempre na Austrália, não foi realmente notícia enquanto não tornou a Harbour Bridge invisível”, escreveu uma comentarista, referindo-se à ponte que, com a Opera House, compõe o cartão postal da cidade. Uma notícia e tanto: foi a pior tempestade de areia a atingir a costa leste australiana em 70 anos, elevando os níveis de poluição em 1.500 vezes.
A exceção está no fato de que a poeira sacudiu Sydney. Comuns no interior do continente, as tempestades fazem parte das conexões entre ar, solo e oceanos – e mais recentemente o homem, que alterou a paisagem nas bordas das regiões mais áridas com a agricultura e a pecuária. Antes da massa de areia que surpreendeu os Sydneysiders na quarta-feira, a maior tempestade registrada em áreas urbanas varreu Melbourne em fevereiro de 1983. Coincidência ou não, ano em que o El Niño causou devastadora seca no já seco continente australiano. Em julho de 2009, a Nasa anunciou a chegada de mais um El Niño, fenômeno derivado do aquecimento anormal das águas da superfície do Oceano Pacífico, que em geral ocorre em intervalos de três a sete anos. Na Austrália, o El Niño é associado à probabilidade elevada de condições climáticas secas. No Brasil, em geral, altera o padrão de chuvas no Sul, Sudeste e Nordeste.
O quanto o El Niño – variação natural do sistema climático – é influenciado pelo aquecimento global decorrente das mudanças climáticas que provavelmente têm as atividades humanas como causa é uma questão em aberto. Em março passado, ouvi Michael McPhaden, pesquisador da National Oceanic and Atmospheric Administration dos EUA, dizer que os registros do El Niño desde 1865 mostram variabilidade, mas há muita incerteza quanto a alterações futuras. “O aquecimento global levará a um El Niño permanente? Em caso positivo, a consequência poderia ser uma seca permanente na Australia”, disse.
Boa parte do sul da Austrália está entrando em seu 11o ano de seca mas, ironicamente, o que originou a tempestade de areia que chegou a Sydney foi a chuva. Fortes chuvas no início do ano transportaram sedimentos para a região do Lago Eyre, localizado na epicentro seco do estado de South Australia. A seca que se seguiu, aliada à baixa cobertura vegetal, deixou os sedimentos prontos para alçar vôo e a passagem de uma frente fria foi o gatilho para que a massa de poeira cruzasse 1.500 km até chegar à cidade. No caminho, arrastou boa parte da camada superficial do solo, imprescindível para a agricultura.
Assim como pode ter sido causada pelas mudanças climáticas – ou seu impacto no El Niño –, a tempestade pode ter também seu efeito. A poeira passou por Sydney – e outros locais da costa leste – e foi parar no Mar da Tasmânia, carregando um bocado de ferro, nutriente importante para as algas – que além de base da cadeia alimentar marinha, fixam até 40% do carbono atmosférico global, de acordo com Christel Hassler, da University of Technology Sydney.
O dia em que Sydney parou para deixar a poeira passar coincidiu com reuniões de líderes mundiais em Nova York em preparação para o encontro de Copenhague em dezembro, quando os países devem decidir como prosseguir na mitigação das mudanças climáticas. Será que a força da tempestade pode dar um empurrãozinho?