Hoje foi assinado o compromisso de desmatamento zero por parte dos frigoríficos na Amazônia. Vamos começar logo pela pergunta latente: o consumidor já pode comprar carne no supermercado sem peso na consciência? Não, ainda não. Na melhor das hipóteses, só depois de dois anos as empresas serão capazes de dar garantias robustas sobre os produtos que comercializam.
Isso porque o ponto de partida é um total vazio de informações. Com o caos fundiário na Amazônia, os frigoríficos não sabem ao certo quem são seus fornecedores indiretos, muito menos o status socioambiental de cada fazenda. Pra complicar ainda mais, um único animal passa por diversas propriedades antes de chegar ao abate.
Tem fazendeiro que só cria bezerros e depois vende para quem cria o garrote (boi “adolescente”), que depois vende para quem faz a engorda , que finalmente vende o animal para o frigorífico.
Pelos termos do compromisso, Bertin, Marfrig, JBS-Friboi e Minerva terão seis meses para comprovar que nenhum de seus fornecedores diretos (fazendas de engorda) promoveu desmatamento a partir da data de hoje. E mais dois anos para garantir o mesmo quanto aos fornecedores de seus fornecedores, ou seja, toda a cadeia.
Mas as empresas ainda terão três missões, para as quais não há prazo definido: banir de suas cadeias o trabalho escravo e qualquer propriedade que tenha invadido unidades de conservação e terras indígenas. Além disso, estabelecer sistemas de rastreabilidade “confiáveis e internacionalmente aceitos” para garantir a origem de todos os produtos e subprodutos.
Funciona assim: não basta dar selo de garantia para a terra, é preciso garantir o produto. Afinal, boi caminha. Vai saber por quais outras pastagens passou aquele animal, se ele veio de área desmatada ou não. Na edição 34 de Página 22, publicamos uma reportagem que explica, tecnicamente, como é difícil garantir a idoneidade ambiental da picanha no supermercado sem monitorar os animais.
Depois de assinado o histórico compromisso, a impressão que fica é que fazer o mínimo da lição de casa já foi tão complicado, que as questões mais refinadas ficarão para o futuro. Perguntamos ao Paulo Adário, coordenador do Greenpeace, se a rastreabilidade boi a boi é imprescindível para garantir o desmatamento zero. A resposta:
“É muito importante. Não sei se é imprescindível. Temos que pensar melhor sobre isso”.