Embora negros e pobres sejam os mais afetados pela degradação, o movimento ambiental é excessivamente loiro e mais para o abonado. Mas uma reação se forma, emergindo do movimento inclusivo dos green jobs
Somos todos iguais perante a poluição – mas alguns são mais iguais que outros. A degradação ambiental é injusta e afeta predominantemente as minorias e os mais pobres. O exemplo clássico é o da progressiva escassez e contaminação da água em áreas áridas – as meninas têm que ir cada vez mais longe para encher suas jarras, perdendo a chance de frequentar a escola. Ou, para usar um exemplo que está na moda: o dos países em desenvolvimento, que pagarão o grosso da conta das mudanças climáticas, embora não sejam os principais responsáveis históricos pelo fenômeno.
O que falta, nesses casos, é justiça ambiental – embora o ministro Carlos Minc prefira a expressão “racismo ambiental”, que usou recentemente na crítica à importação de lixo inglês.
A injustiça ambiental fica bem evidente em um estudo pioneiro da Amigos da Terra britânica, divulgado em 1999 [1]. A organização descobriu que 662 fábricas inscritas na lista oficial de maiores poluidoras da Inglaterra e do País de Gales ficavam em áreas habitadas por populações com renda anual inferior a 15 mil libras. Em contraste, apenas cinco unidades estavam em bairros onde a população tinha renda média superior a 30 mil libras.
Pode-se, naturalmente, discutir se as fábricas foram empurradas para bairros mais pobres, ou se os bairros mais pobres proliferaram em terrenos desvalorizados pela presença das fábricas. Nenhuma das duas hipóteses muda o fato de que os menos favorecidos ficaram com o pepino.
Outro exemplo: nos anos 90, o sociólogo americano Robert Bullard, um dos principais acadêmicos a discutir a justiça ambiental, verificou que os bairros negros hospedavam seis dos oito incineradores de lixo e todos os cinco aterros sanitários municipais de Houston, maior cidade do Texas. Isto, embora a comunidade negra representasse apenas 28% da população. Aliás, a mulher de Bullard, a advogada Linda McKeever Bullard, defendeu um grupo de moradores negros na luta contra a instalação de um aterro perto de suas casas. A ação, do fim dos anos 70, é considerada a primeira a usar o argumento da discriminação ambiental nos Estados Unidos.
Se pobres, negros e outras minorias estão mais expostos, assume-se que eles também deveriam ser os mais engajados. Obviamente, não é o que se vê. Tirando as exceções honrosas – como os seringueiros do Acre ou os plantadores de árvores quenianos liderados pela Nobel Wangari Maathai –, o movimento ambientalista é excessivamente loiro e mais para o abonado. E isso não só no Brasil.
As possíveis razões são muitas. As minorias muitas vezes preferem se envolver em brigas consideradas mais urgentes, como os movimentos sociais e a luta por igualdade. Já os mais pobres, seja da cor que forem, têm de correr atrás do pão de cada dia. Além disso, os dois grupos devem se sentir como forasteiros nesse debate, no qual não se vêm representados.
Nos Estados Unidos, cresce o esforço para integrar minorias à mobilização pela sustentabilidade. Lisa Jackson, primeira diretora negra da agência ambiental Americana, a EPA, tem falado na necessidade de engajá-las, porque o “ambientalismo” não vem num tamanho único. Precisamos da ajuda de todos, não só dos que se autointitulam ambientalistas”.
Na verdade, já existe até mesmo a African-American Environmentalist Association, que há mais de 20 anos busca envolver a comunidade negra dos EUA no debate ambiental. Mas a sua atuação é razoavelmente discreta.
O verdadeiro expoente dessa mobilização é o grupo Green for All, organização de Oakland, na Califórnia, que busca gerar “empregos verdes”, como a instalação de painéis solares ou a construção de sistemas de transportes coletivos, de modo a minimizar dois problemas: o aquecimento global e a pobreza urbana. O cérebro por trás da Green for All é Van Jones, advogado negro formado em Yale e, até o começo de setembro, conselheiro do presidente Barack Obama – posição à qual teve de renunciar devido à pressão republicana e a algumas declarações polêmicas. Segundo Jones, os empregos verdes são a grande oportunidade de reintegrar ao mercado de trabalho populações marginalizadas, sem treinamento ou recémsaídas das prisões.
“Trata-se de um modelo de resgate de comunidades descartadas”, comenta Jones, num perfil seu publicado pela revista The New Yorker. “Existe uma ideia de que há pessoas descartáveis, num planeta descartável. Tínhamos que discutir isso por aí.”[:en]Embora negros e pobres sejam os mais afetados pela degradação, o movimento ambiental é excessivamente loiro e mais para o abonado. Mas uma reação se forma, emergindo do movimento inclusivo dos green jobs
Somos todos iguais perante a poluição – mas alguns são mais iguais que outros. A degradação ambiental é injusta e afeta predominantemente as minorias e os mais pobres. O exemplo clássico é o da progressiva escassez e contaminação da água em áreas áridas – as meninas têm que ir cada vez mais longe para encher suas jarras, perdendo a chance de frequentar a escola. Ou, para usar um exemplo que está na moda: o dos países em desenvolvimento, que pagarão o grosso da conta das mudanças climáticas, embora não sejam os principais responsáveis históricos pelo fenômeno.
O que falta, nesses casos, é justiça ambiental – embora o ministro Carlos Minc prefira a expressão “racismo ambiental”, que usou recentemente na crítica à importação de lixo inglês.
A injustiça ambiental fica bem evidente em um estudo pioneiro da Amigos da Terra britânica, divulgado em 1999 [1]. A organização descobriu que 662 fábricas inscritas na lista oficial de maiores poluidoras da Inglaterra e do País de Gales ficavam em áreas habitadas por populações com renda anual inferior a 15 mil libras. Em contraste, apenas cinco unidades estavam em bairros onde a população tinha renda média superior a 30 mil libras.
Pode-se, naturalmente, discutir se as fábricas foram empurradas para bairros mais pobres, ou se os bairros mais pobres proliferaram em terrenos desvalorizados pela presença das fábricas. Nenhuma das duas hipóteses muda o fato de que os menos favorecidos ficaram com o pepino.
Outro exemplo: nos anos 90, o sociólogo americano Robert Bullard, um dos principais acadêmicos a discutir a justiça ambiental, verificou que os bairros negros hospedavam seis dos oito incineradores de lixo e todos os cinco aterros sanitários municipais de Houston, maior cidade do Texas. Isto, embora a comunidade negra representasse apenas 28% da população. Aliás, a mulher de Bullard, a advogada Linda McKeever Bullard, defendeu um grupo de moradores negros na luta contra a instalação de um aterro perto de suas casas. A ação, do fim dos anos 70, é considerada a primeira a usar o argumento da discriminação ambiental nos Estados Unidos.
Se pobres, negros e outras minorias estão mais expostos, assume-se que eles também deveriam ser os mais engajados. Obviamente, não é o que se vê. Tirando as exceções honrosas – como os seringueiros do Acre ou os plantadores de árvores quenianos liderados pela Nobel Wangari Maathai –, o movimento ambientalista é excessivamente loiro e mais para o abonado. E isso não só no Brasil.
As possíveis razões são muitas. As minorias muitas vezes preferem se envolver em brigas consideradas mais urgentes, como os movimentos sociais e a luta por igualdade. Já os mais pobres, seja da cor que forem, têm de correr atrás do pão de cada dia. Além disso, os dois grupos devem se sentir como forasteiros nesse debate, no qual não se vêm representados.
Nos Estados Unidos, cresce o esforço para integrar minorias à mobilização pela sustentabilidade. Lisa Jackson, primeira diretora negra da agência ambiental Americana, a EPA, tem falado na necessidade de engajá-las, porque o “ambientalismo” não vem num tamanho único. Precisamos da ajuda de todos, não só dos que se autointitulam ambientalistas”.
Na verdade, já existe até mesmo a African-American Environmentalist Association, que há mais de 20 anos busca envolver a comunidade negra dos EUA no debate ambiental. Mas a sua atuação é razoavelmente discreta.
O verdadeiro expoente dessa mobilização é o grupo Green for All, organização de Oakland, na Califórnia, que busca gerar “empregos verdes”, como a instalação de painéis solares ou a construção de sistemas de transportes coletivos, de modo a minimizar dois problemas: o aquecimento global e a pobreza urbana. O cérebro por trás da Green for All é Van Jones, advogado negro formado em Yale e, até o começo de setembro, conselheiro do presidente Barack Obama – posição à qual teve de renunciar devido à pressão republicana e a algumas declarações polêmicas. Segundo Jones, os empregos verdes são a grande oportunidade de reintegrar ao mercado de trabalho populações marginalizadas, sem treinamento ou recémsaídas das prisões.
“Trata-se de um modelo de resgate de comunidades descartadas”, comenta Jones, num perfil seu publicado pela revista The New Yorker. “Existe uma ideia de que há pessoas descartáveis, num planeta descartável. Tínhamos que discutir isso por aí.”