Em Guarulhos, um programa promete combater as ilhas de calor com ilhas de verde. E, de quebra, filtrar a poluição e embelezar a cidade
Eram tantos abacates despencando e quebrando as telhas da edícula que a dona de uma casa em Guarulhos decidiu colocar a árvore abaixo. O abacateiro foi salvo quando um arquiteto sugeriu à proprietária que fizesse um telhado verde sobre o cômodo. A laje coberta de grama deixou o espaço mais fresco e amorteceu o impacto dos frutos, que passaram a cair sem causar danos. Sorte da árvore e da dona da casa, que agora pode subir no telhado e colher abacates direto do pé.
Há poucos exemplares de telhados verdes em Guarulhos além deste, construído em 2005, no distrito chamado Ponte Grande. Mas a alternativa bem-sucedida deve ganhar novos adeptos com a implantação de um projeto para reduzir o impacto das ilhas de calor na cidade. Aprovada em agosto, a lei municipal coloca em ação o Programa Ilhas Verdes (PIV), um conjunto de regras mais rígidas – e criativas – de compensação ambiental voltado a novos empreendimentos realizados na região.
Com dados de um estudo realizado pela Universidade de Guarulhos (UnG), a Secretaria identificou os principais focos de calor da cidade – como a região do Aeroporto Internacional de Guarulhos e a Cidade-Satélite de Cumbica – e fez deles prioridades dessa nova política ambiental. A compensação já era prevista pela legislação, mas antes não havia um planejamento do plantio de mudas no sentido de arejar as ilhas de calor.
Pesquisado nos últimos três anos pela UnG, o mapa da temperatura na região mostrou que a implantação dessas medidas para combater o aquecimento é tão importante quanto a preservação das áreas verdes já existentes. Apesar de contar com 30% de mata em seu território, o município, que tem a 12ª maior população do País, registrou um aumento de 2,1 graus nos últimos 70 anos. No resto do planeta, a média de aquecimento foi de 0,7 grau em 100 anos, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês).
Floresta como exemplo
“Estamos em um momento histórico muito favorável para esse tipo de ação”, avalia o professor Antônio Manoel Oliveira. Coordenador do Laboratório de Geoprocessamento da Pósgraduação da UnG e responsável pela pesquisa sobre as ilhas de calor, ele explica que a temperatura tem aumentado à medida que a cidade cresce. “O processo de expansão urbana vem eliminando os chamados ‘serviços ambientais’ fornecidos pelas matas próximas”, afirma.
Segundo o pesquisador, Guarulhos recebe da Serra da Cantareira e da Serra do Mar “serviços” como água e ar mais limpo, regulação da temperatura e escoamento. O Programa Ilhas Verdes pretende reproduzir tais benefícios no meio urbano. Apontado como política pública pioneira, o PIV foi recentemente apresentado pela Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo como modelo para o programa Man And Biosphere (O Homem e a Biosfera), da Unesco.
Nos dias mais quentes, os moradores de Guarulhos chegam a ter a sensação térmica de 10 graus acima do que marca o termômetro. O aumento de áreas verdes não só refresca a cidade, como tem reflexo positivo na saúde e no bem-estar da população. “As árvores funcionam como ar condicionado natural e filtro de poeira. O ar muito seco é uma das principais causas de problemas respiratórios”, lembra o biólogo Fábio Vieira, diretor de Parques e Áreas de Lazer da Secretaria de Meio Ambiente de Guarulhos. Ex-secretário de Meio Ambiente e idealizador do PIV, Vieira conta que as primeiras ações do programa já estão em andamento.
Desde fevereiro, foram plantadas 3.500 árvores nativas na cidade, entre paineiras, magnólias e manacás, seguindo a proposta de compensação ambiental. Desta primeira leva, 2 mil exemplares foram cedidos por uma construtora, como contrapartida a um condomínio erguido na região do aeroporto.
A Cidade-Satélite de Cumbica deve ganhar outras 9 mil árvores em 2010, com a desocupação de uma área e a transferência de moradores para conjuntos habitacionais em outros bairros. Há muito trabalho pela frente e os resultados são esperados a longo prazo. “A expectativa é de que ações como estas gerem uma diminuição térmica em cerca de dez anos”, diz Vieira.
Horta de teto
A prefeitura de Guarulhos pretende criar, ainda este ano, o primeiro telhado verde em prédio público. Caso ele seja instalado no Restaurante Popular, como planejado, deve abrigar um espaço que fornecerá hortaliças para a cozinha. O projeto terá consultoria do arquiteto Carlos Guerra – o mesmo que salvou o tal abacateiro ao construir o teto verde mais antigo da cidade.
Guerra garante que o modelo pode sair até 60% mais barato do que um telhado convencional. “Além de escolher madeiras de gosto amargo, para evitar bichos, usamos uma lona-gel de PVC que dura a vida toda e soluciona o problema de infiltrações”, conta. Integrante da ONG Intactu, que estuda a implantação de tecnologias sustentáveis no meio urbano, Guerra aponta que a ideia ainda não se espalhou porque ainda é pouco conhecida: “Espero que, com o PIV, o telhado vire moda”.
A Secretaria de Meio Ambiente também torce pela disseminação do teto verde – tanto nas empresas quanto nas residências. Uma das metas do PIV é incentivar os moradores a encararem suas casas como ilhas verdes em potencial. Vale trocar o telhado, plantar uma árvore em frente à porta ou, em apartamentos, encher a varanda de plantas e transformá-la em jardim suspenso. Todas as alternativas significam refresco para a cidade, para as pessoas e para os olhos.[:en]Em Guarulhos, um programa promete combater as ilhas de calor com ilhas de verde. E, de quebra, filtrar a poluição e embelezar a cidade
Eram tantos abacates despencando e quebrando as telhas da edícula que a dona de uma casa em Guarulhos decidiu colocar a árvore abaixo. O abacateiro foi salvo quando um arquiteto sugeriu à proprietária que fizesse um telhado verde sobre o cômodo. A laje coberta de grama deixou o espaço mais fresco e amorteceu o impacto dos frutos, que passaram a cair sem causar danos. Sorte da árvore e da dona da casa, que agora pode subir no telhado e colher abacates direto do pé.
Há poucos exemplares de telhados verdes em Guarulhos além deste, construído em 2005, no distrito chamado Ponte Grande. Mas a alternativa bem-sucedida deve ganhar novos adeptos com a implantação de um projeto para reduzir o impacto das ilhas de calor na cidade. Aprovada em agosto, a lei municipal coloca em ação o Programa Ilhas Verdes (PIV), um conjunto de regras mais rígidas – e criativas – de compensação ambiental voltado a novos empreendimentos realizados na região.
Com dados de um estudo realizado pela Universidade de Guarulhos (UnG), a Secretaria identificou os principais focos de calor da cidade – como a região do Aeroporto Internacional de Guarulhos e a Cidade-Satélite de Cumbica – e fez deles prioridades dessa nova política ambiental. A compensação já era prevista pela legislação, mas antes não havia um planejamento do plantio de mudas no sentido de arejar as ilhas de calor.
Pesquisado nos últimos três anos pela UnG, o mapa da temperatura na região mostrou que a implantação dessas medidas para combater o aquecimento é tão importante quanto a preservação das áreas verdes já existentes. Apesar de contar com 30% de mata em seu território, o município, que tem a 12ª maior população do País, registrou um aumento de 2,1 graus nos últimos 70 anos. No resto do planeta, a média de aquecimento foi de 0,7 grau em 100 anos, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês).
Floresta como exemplo
“Estamos em um momento histórico muito favorável para esse tipo de ação”, avalia o professor Antônio Manoel Oliveira. Coordenador do Laboratório de Geoprocessamento da Pósgraduação da UnG e responsável pela pesquisa sobre as ilhas de calor, ele explica que a temperatura tem aumentado à medida que a cidade cresce. “O processo de expansão urbana vem eliminando os chamados ‘serviços ambientais’ fornecidos pelas matas próximas”, afirma.
Segundo o pesquisador, Guarulhos recebe da Serra da Cantareira e da Serra do Mar “serviços” como água e ar mais limpo, regulação da temperatura e escoamento. O Programa Ilhas Verdes pretende reproduzir tais benefícios no meio urbano. Apontado como política pública pioneira, o PIV foi recentemente apresentado pela Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo como modelo para o programa Man And Biosphere (O Homem e a Biosfera), da Unesco.
Nos dias mais quentes, os moradores de Guarulhos chegam a ter a sensação térmica de 10 graus acima do que marca o termômetro. O aumento de áreas verdes não só refresca a cidade, como tem reflexo positivo na saúde e no bem-estar da população. “As árvores funcionam como ar condicionado natural e filtro de poeira. O ar muito seco é uma das principais causas de problemas respiratórios”, lembra o biólogo Fábio Vieira, diretor de Parques e Áreas de Lazer da Secretaria de Meio Ambiente de Guarulhos. Ex-secretário de Meio Ambiente e idealizador do PIV, Vieira conta que as primeiras ações do programa já estão em andamento.
Desde fevereiro, foram plantadas 3.500 árvores nativas na cidade, entre paineiras, magnólias e manacás, seguindo a proposta de compensação ambiental. Desta primeira leva, 2 mil exemplares foram cedidos por uma construtora, como contrapartida a um condomínio erguido na região do aeroporto.
A Cidade-Satélite de Cumbica deve ganhar outras 9 mil árvores em 2010, com a desocupação de uma área e a transferência de moradores para conjuntos habitacionais em outros bairros. Há muito trabalho pela frente e os resultados são esperados a longo prazo. “A expectativa é de que ações como estas gerem uma diminuição térmica em cerca de dez anos”, diz Vieira.
Horta de teto
A prefeitura de Guarulhos pretende criar, ainda este ano, o primeiro telhado verde em prédio público. Caso ele seja instalado no Restaurante Popular, como planejado, deve abrigar um espaço que fornecerá hortaliças para a cozinha. O projeto terá consultoria do arquiteto Carlos Guerra – o mesmo que salvou o tal abacateiro ao construir o teto verde mais antigo da cidade.
Guerra garante que o modelo pode sair até 60% mais barato do que um telhado convencional. “Além de escolher madeiras de gosto amargo, para evitar bichos, usamos uma lona-gel de PVC que dura a vida toda e soluciona o problema de infiltrações”, conta. Integrante da ONG Intactu, que estuda a implantação de tecnologias sustentáveis no meio urbano, Guerra aponta que a ideia ainda não se espalhou porque ainda é pouco conhecida: “Espero que, com o PIV, o telhado vire moda”.
A Secretaria de Meio Ambiente também torce pela disseminação do teto verde – tanto nas empresas quanto nas residências. Uma das metas do PIV é incentivar os moradores a encararem suas casas como ilhas verdes em potencial. Vale trocar o telhado, plantar uma árvore em frente à porta ou, em apartamentos, encher a varanda de plantas e transformá-la em jardim suspenso. Todas as alternativas significam refresco para a cidade, para as pessoas e para os olhos.