Às vésperas da COP 15, a premiação a Elinor Ostrom reforça as mensagens de humanizar a Economia e de evitar soluções simplistas para problemas complexos
O Prêmio Nobel de Economia a Elinor Ostrom, concedido em conjunto a Oliver E. Williamson, é o reconhecimento de uma carreira dedicada ao estudo sistemático e cumulativo, colaborativo e interdisciplinar do uso de recursos comuns através da organização coletiva, e ao estudo da evolução da complexidade e interdependência entre sociedade e ambiente, do nível local ao global.
Ela fez essa trajetória ao lado do marido, o cientista político Vincent Ostrom, com quem fundou o Workshop em Teoria Política nos anos 60, na Universidade de Indiana. Sua dedicação incansável à pesquisa de sistemas locais de manejo, seja de irrigação, fl orestas, pastagens, seja de recursos aquáticos, e à formulação de modelos teóricos e metodológicos para o estudo de instituições tem servido de inspiração para uma rede mundial de colaboradores e estudantes, incluindo toda uma geração de brasileiros.
Para economistas como Paul Krugman, da Universidade de Princeton, nos EUA, e Anantha Duraiappah, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, no Quênia, o prêmio representa uma ampliação dos preceitos da economia convencional para além da “guerra macroeconômica”, do simplismo conveniente da doutrina do “mercado infalível” ou da subcultura disciplinar que valoriza jargões e linguagem matemática impenetráveis.
O Nobel a Elinor signifi ca uma humanização das ciências econômicas e
o reconhecimento do papel das pessoas e das ações coletivas em criar instituições e soluções para os problemas de base comum e concretos. É uma forma de valorizar aqueles que não separam a formulação teórica do trabalho empírico e, portanto, de contestar soluções simplistas e distantes da realidade.
Elinor é conhecida por insistir que problemas sociais e ambientais requerem interdisciplinaridade, mas que nenhum avanço é possível sem o respeito à contribuição disciplinar. É sua maneira de dizer ‘não’ ao isolamento teórico e a soluções baseadas em panaceias, inclusive aquelas que sobrevalorizam a escala local.
Ao longo de sua carreira, Elinor vem examinando os processos que fazem a mediação das negociações entre interesses individuais e coletivos, em particular os de tomada de decisão relativos ao uso de recursos naturais. Em suas contestações da clássica proposição de Garrett Hardin sobre a “Tragédia dos Comuns” e dos efeitos políticos que a mesma levou, como a ênfase na privatização e no controle governamental de recursos, em detrimento aos sistemas locais de organização e manejo. Ela chama atenção para o “drama” e a “luta” dos comuns. Com isso, mostra que a organização coletiva para o manejo de recursos naturais é marcada por sucessos e insucessos, não necessariamente um destino trágico, mas aberto a possibilidades que podem surgir da colaboração alicerçada nas ações individuais.
Seu livro Governing the Commons (1990) infl uenciou toda uma rede de pesquisadores dedicados a estudar as causas das falhas e as soluções para o manejo sustentável de recursos comuns – não só naturais, mas que incluem infraestrutura coletiva como a internet, a produção de conhecimento e diversos tipos de bens públicos. Um dos seus esforços de maior repercussão é o conjunto de princípios construídos com base na análise de milhares de estudos de casos e em trabalho empírico ao redor do mundo, usados para planejar e avaliar instituições voltadas para o manejo de recursos naturais.
Juntamente com Vincent, Elinor desenvolveu uma abordagem baseada no conceito de governança policêntrica para o manejo de recursos naturais. Seus trabalhos mostram que comunidades locais ou usuários dos recursos são capazes de buscar soluções duradouras de manejo de recursos, uma vez superados o interesse individual e a preponderância do mercado. Entretanto, chama atenção para os limites do nível local em lidar com choques externos ou pressões do mercado aliadas a prioridades macroeconômicas governamentais, e com problemas que extrapolam jurisdições – todos estes comuns à realidade brasileira.
Dessa maneira, seus trabalhos contribuem para nosso entendimento de problemas globais, como o colapso de vários recursos pesqueiros, o desmatamento, a poluição da atmosfera e as mudanças climáticas. Às vésperas da COP 15, suas mensagens são mais que nunca pertinentes: soluções para o manejo sustentável de recursos e os impactos das mudanças climáticas exigem colaboração em múltipla escala – envolvendo os vários níveis de tomada de decisão e os diversos setores da sociedade – e devem evitar soluções simplistas para problemas complexos.
*Professor e chefe do Departamento de Antropologia da Universidade de Indiana, em Bloomington, EUA