Haverá forte resistência a uma nova régua para a contabilidade das nações. Mas, com o tempo, essas ideias influenciarão instâncias da ONU, FMI, Bird, OCDE e União Europeia
Finalmente surgiu uma trinca de diretrizes para a busca de um esquema consensual de mensuração do desenvolvimento sustentável. Ela está no Report by the Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress[Acesse em www.stiglitz-sen-fitoussi.fr], disponível desde o final de setembro: um indicador físico da contribuição nacional para a insustentabilidade global; um índice de qualidade de vida muito mais sofisticado que o IDH; e uma medição do desempenho econômico que revele o real progresso material da população, e não apenas a capacidade produtiva do país em que vive.
No limite, o primeiro indicador poderia ser a intensidade-carbono de cada economia, desde que bem calculada. Mas certamente seria mais significativo se combinado a avaliações análogas da degradação dos recursos hídricos e da erosão da biodiversidade. Há mais uma dezena de outros graves problemas ambientais, mas também existem mais inconvenientes do que vantagens nas tentativas de montar painéis bastante abrangentes, ou índices compostos de muitas dimensões e variáveis.
Para a qualidade de vida, ocorreu o contrário. Oito dimensões foram consideradas imprescindíveis para que avaliações de bemestar passem a permitir boas comparações entre os países: saúde, educação, atividades pessoais, voz política, conexões sociais, condições ambientais, assim como insegurança pessoal e econômica. Para cada uma delas é preciso considerar as desigualdades, e também prestar atenção a certas interligações.
Já as cinco recomendações relativas aos sérios problemas do PIB foram as mais diretas e incisivas: 1) olhar para renda e consumo em vez de olhar para a produção; 2) considerar renda e consumo em conjunção com a riqueza; 3) enfatizar a perspectiva domiciliar; 4) dar mais proeminência à distribuição de renda, consumo e riqueza; 5) ampliar as medidas de renda para atividades não mercantis.
Trata-se de um claro reconhecimento de que está inteiramente obsoleto o viés produtivista que orientou a montagem do atual sistema de contabilidades nacionais. No contexto de meados do século passado, a maior preocupação dos técnicos que se envolveram só poderia ser mesmo o aumento da produção. No entanto, passados uns sessenta anos, chega a ser assustador que o desempenho econômico das nações continue a ser medido quase que exclusivamente por aumentos da produção mercantil interna e bruta.
A produção pode aumentar e a renda diminuir, e vice-versa, desde que se leve em consideração depreciações, fluxos de renda para dentro e para fora do país, e diferenças entre os preços de produção e de consumo. Além disso, mesmo a renda e o consumo não serão bons indicadores de desempenho se não estiverem cotejados com a riqueza. Para que se tenha um verdadeiro balanço da economia nacional, é preciso imitar a contabilidade das empresas, pois nestas são cruciais as contas de patrimônio e de endividamento. Não é possível continuar fechando os olhos para o que acontece com os ativos de uma nação: físicos/construídos; humanos/sociais e naturais/ecológicos.
Segundo a Comissão (a Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress), a melhor maneira de superar as limitações da vetusta contabilidade expressa no PIB é adotar o que chama de “perspectiva domiciliar”.
Em países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que já fazem esses cálculos, ficou claro que a renda domiciliar real aumenta menos que o PIB. É preciso levar em conta os pagamentos de tributos que vão para o governo, os benefícios sociais alocados por ele, e os pagamentos de juros que os domicílios fazem às corporações financeiras. Também é crucial levar em conta serviços não monetários prestados pelo governo às famílias, principalmente pelos sistemas de saúde e de educação. Além disso, é preciso dar mais atenção à estrutura distributiva da renda, do consumo e da riqueza.
A Comissão também preconiza mais audácia no sentido de que a mensuração do desempenho econômico venha a incluir atividades não mercantis, principalmente as de serviços pessoais decorrentes de relações de parentesco. Segundo o relatório, isso não teria ocorrido até agora em razão de incertezas sobre os dados, e não por séria divergência conceitual.
Certamente haverá forte resistência às recomendações da Comissão. Mas com o tempo esse relatório influenciará instâncias da ONU, FMI, Banco Mundial, OCDE e União Europeia. Então, se antes disso a biosfera não for vitimada por inverno nuclear ou alguma das crescentes bioameaças, no futuro o ecodesenvolvimento poderá ser monitorado pelo uso dessa trindade que, por enquanto, não passa de um lindo sonho.
*Professor titular da FEA e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP – www.zeeli.pro.breli