Saiba quais serão os mais importantes pontos em discussão na Conferência
Esta é a última reportagem da série especial sobre mudanças climáticas publicada desde julho, em preparação à COP 15
Por José Alberto Gonçalves Pereira
1– METAS DO ANEXO 1
Na primeira fase do Protocolo de Kyoto (2008 a 2012), os países do Anexo 1 da Convenção do Clima que ratificaram o tratado precisam diminuir suas emissões em 5,2%, em média, em relação aos níveis de 1990. Para o segundo período de compromissos, entre 2013 e 2020, o desafio é bem maior: de acordo com relatório de 2007 do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), a redução deveria variar entre 25% e 40%, na comparação com 1990.
Como a temperatura do planeta está subindo mais aceleradamente que o previsto pelo IPCC, é cada vez maior o grupo de cientistas que já recomenda 40% como piso da redução, para evitar que o planeta esquente além de 2 graus neste século ante o patamar anterior à Revolução Industrial. Até o momento, contudo, as propostas apresentadas pelos países apontam para um declínio de 10% a 24%, como indica levantamento do Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês). A União Europeia anunciou que vai reduzir suas emissões em 20%, mas pode chegar a 30%, se os outros países do Anexo 1 fizerem o mesmo.
A Noruega comprometeu-se a cortar em 40% suas emissões e o Reino Unido, em 34%. O novo governo do Japão elevou a meta do país de 8% para 25%. Japão, Itália e Canadá ainda estão distantes de cumprir suas metas na primeira etapa de Kyoto.
2 — ESTADOS UNIDOS
Responsável por quase um quarto das emissões globais, os Estados Unidos são parte imprescindível do sucesso de um novo acordo climático. O país não ratificou o Protocolo de Kyoto, o que o isentou da obrigação de cortar suas emissões em 7% até 2012 em relação a 1990.
Disposto a reintegrar os EUA no regime climático internacional, o presidente Barack Obama tenta aprovar no Congresso o projeto da lei de clima e energia, que instaura o sistema de cap-and-trade. Em tramitação no Senado, o projeto prevê diminuição de 20% nas emissões até 2020 em relação a 2005, o que significa 7% menos que as de 1990 (meta que deveria ser atingida em 2012 segundo Kyoto). Não será fácil para Obama obter o sinal verde dos congressistas, que estão sob fortes pressões dos lobbies agrícola, do carvão e do petróleo para rejeitarem o projeto.
3 — METAS PARA OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
Não restam dúvidas sobre a responsabilidade histórica dos países industrializados no aumento extraordinário da concentração de gases-estufa na atmosfera. Mas também é verdade que, nos últimos 20 anos, as emissões dos países em desenvolvimento cresceram rapidamente e já representam mais da metade das emissões globais anuais.
Sob o argumento da responsabilidade histórica, o G-77 não aceita metas compulsórias de redução nas suas emissões. Entretanto, a pressão dos ambientalistas e da União Europeia para que os emergentes sejam mais ativos na mitigação dos gases-estufa os levou a considerar propostas para ao menos diminuir a curva de crescimento de suas emissões.
Para a UE, o corte deveria ser de 15% a 30% em relação ao cenário de emissões projetado para 2020. Cada país apresentará uma proposta de redução das emissões em sua Ação Nacional de Mitigação (Nama), que poderá ser bancada com recursos próprios ou financiada por países ricos. As reduções teriam de ser mensuráveis, reportáveis e verificáveis (MRV) por auditorias independentes.
4 – FINANCIAMENTO
Até o momento, pouco se avançou no assunto – crucial para o sucesso do novo acordo, mas cercado de incertezas, especialmente quanto ao tamanho da conta e como será paga. Para adaptação e mitigação dos gases-estufa nos países em desenvolvimento, a União Europeia estima serem necessários anualmente 100 bilhões de euros. Mas a cifra inclui dinheiro dos próprios países em desenvolvimento e do mercado de carbono. Apenas uns 2 bilhões a 15 bilhões de euros seriam recursos novos do bloco europeu.
WWF e Greenpeace falam em US$ 140 bilhões a US$ 160 bilhões anuais de dinheiro novo dos países ricos para mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento. Outra questão tem a ver com a gestão dos recursos. Para os EUA, o dinheiro deve ser canalizado por meio de agências experientes em financiar projetos ambientais, tais como o Fundo do Meio Ambiente Global (GEF). Ambientalistas e países em desenvolvimento preferem um fundo multilateral do clima gerido por uma nova estrutura, com janelas para adaptação, mitigação, transferência de tecnologia e capacitação, e participação equitativa dos representantes dos países no conselho do novo organismo.
5 – ADAPTAÇÃO
O financiamento é o ponto nevrálgico também nas negociações sobre adaptação. Como parte dos efeitos negativos das mudanças climáticas é inevitável, a solução será remediar os problemas nas regiões vulneráveis ao fenômeno. Em virtude das precárias condições de habitação, saneamento, saúde, educação e transporte, as regiões mais suscetíveis localizam-se em países em desenvolvimento.
Por meio do G-77, da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis), do Grupo Africano e da coalizão dos países menos desenvolvidos (LDC), os países em desenvolvimento cobram compromissos financeiros das nações ricas, previstos na Convenção do Clima, para investirem em tecnologias e ações que atenuem os impactos climáticos sobre suas populações e ambientes.
Os países do Anexo 1 querem dividir a conta com as economias emergentes, que por sua vez não aceitam compromissos mandatórios no financiamento à adaptação. Estas alegam que enfrentam desafios sociais, ambientais e econômicos e não podem ser tratadas sob o mesmo patamar de desenvolvimento das nações ricas. O Banco Mundial estima custo anual de US$ 75 bilhões a US$ 100 bilhões somente em ações de adaptação nos países em desenvolvimento.
6 – TECNOLOGIA
Tema espinhoso nas relações entre países ricos e pobres, a transferência de tecnologia é considerada estratégica na transição para uma economia de baixo carbono e na adaptação das regiões vulneráveis às mudanças climáticas. Tecnologias ambientais pouco difundidas, como turbinas eólicas oceânicas, energia solar fotovoltaica e biocombustíveis de segunda e terceira geração, poderão integrar o pacote da economia de baixo carbono. Como são muito caras, alguém terá de bancá-las para tornar factível sua utilização por países pobres.
Enquanto os países do Anexo 1 da Convenção do Clima insistem nas parcerias tecnológicas, como a da China com o Reino Unido, e na defesa dos direitos de propriedade intelectual para disseminar tecnologias ambientais, o G-77 marca posição nas negociações climáticas com um leque de propostas arrojadas. As principais são a criação de um fundo (com dinheiro das nações ricas) para financiar o pagamento de royalties pelo uso de tecnologias patenteadas, a cooperação tecnológica Sul-Sul apoiada com recursos dos países desenvolvidos e o expediente do licenciamento compulsório (conhecido como quebra de patentes). Instituído no acordo Trips da Organização Mundial do Comércio (OMC), o licenciamento compulsório de tecnologias ambientais possivelmente precisaria ser regulamentado por uma declaração conjunta entre a Convenção do Clima e a OMC.
7 – FLORESTAS
Há basicamente duas grandes negociações em torno do tema. Uma delas trata das regras para incluir projetos florestais nas metas do Anexo 1 para o segundo período de compromissos de Kyoto (2013-2020). É uma negociação que se conecta diretamente com a discussão no âmbito da Convenção do Clima sobre o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd) nos países em desenvolvimento.
Quanto mais generosa for a regra para os países do Anexo 1 contabilizarem cortes de gás carbônico de projetos florestais, menos demanda haverá para eventuais créditos do Redd. Por isso, o Brasil, um dos principais interessados no Redd, cobra rigor científico dos países desenvolvidos na definição de regras para as emissões florestais. No caso do Redd, entidades ligadas ao setor de produção florestal tentam incluir seus projetos no mecanismo, inclusive de exploração madeireira de monoculturas plantadas. O Brasil reagiu à movimentação e só aceita a inclusão de mata nativa. Também é provável que atividades de conservação florestal sejam beneficiadas pelo instrumento no que é chamado de Redd +. As emissões das florestas respondem por quase um quinto das emissões globais, o que explica por que o tema galgou o topo da agenda climática.
8 — AVIAÇÃO E TRANSPORTE MARÍTIMO
As emissões dos aviões e dos navios ficaram de fora das metas da primeira fase do Protocolo de Kyoto, mas deverão integrar o acordo pós-2012. As emissões anuais da aviação comercial e do transporte marítimo somam quase 5% das emissões globais. Parece pouco, mas o incremento no comércio internacional deverá elevá-las substancialmente nas próximas quatro décadas. O problema é a dificuldade de definir o responsável pelas emissões para efeitos de contabilização no comércio de CO2 ou cobrança de imposto sobre o gás: o país onde a viagem inicia ou termina ou a nacionalidade do avião ou do navio? Para o Brasil, taxações e comércio de emissões só deveriam valer nas rotas entre países do Anexo 1, para não afetar a competitividade das economias emergentes.
9 — MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL)
Negocia-se uma reforma do MDL para dar mais volume a esse mercado e aumentar a confiança no instrumento. Uma ideia é promover o MDL setorial nas economias emergentes para grandes indústrias (alumínio, siderurgia, energia e cimento, entre outros setores). Nesse caso, somente poderiam ser comprados créditos de carbono se a redução nas emissões do setor ultrapassasse um determinado patamar.
Hoje, os projetos de MDL são individuais, isto é, realizados por uma empresa que precisa comprovar que a atividade não poderia ser desenvolvida sem os recursos da venda dos créditos. Além do mais, a redução tem de ser adicional ao que já é normalmente feito na empresa para diminuir as emissões de carbono. O Greenpeace apoia a proposta do MDL setorial por entender que ela obrigará um setor como um todo a cortar suas emissões.
Não é o que pensa o governo brasileiro, que vê na proposição riscos para a qualidade dos projetos e mais uma maneira de os países ricos aumentarem a disponibilidade de créditos baratos para atingirem suas metas. Também se discute como alterar as regras de modo a coibir créditos de qualidade discutível, como os obtidos pela China ao queimar a custo baixo o gás HFC-23, subproduto do gás refrigerante HCFC-22, que substituiu o CFC por ser menos danoso à camada de ozônio.
10 — CAPTURA E ARMAZENAGEM DE CARBONO
A expressão, conhecida por CCS, na sigla em inglês, engloba diversas tecnologias que capturam CO2 liberado na queima de combustíveis fósseis em usinas de energia e indústrias e o enterram no subsolo. Segundo a Associação Nacional de Mineração dos Estados Unidos, a CCS reduz em 80% a 90% o volume de CO2 emitido por usinas termoelétricas a carvão. Um forte lobby das indústrias do carvão e do petróleo, com a ajuda de governos de países desenvolvidos, defende a inclusão da CCS no MDL. Em reunião mantida no mês passado, o Conselho Executivo do MDL recomendou à conferência das partes da Convenção do Clima que não aprove a medida até que novas análises comprovem a segurança da tecnologia. Ambientalistas e cientistas temem que o gás carbônico vaze dos depósitos no subsolo.