Ela é a mascote da delegação brasileira nas cúpulas sobre o clima. Aos 24 anos, circula entre diplomatas preparados para negociar acordos estratégicos e assumiu como missão investigar e divulgar o que acontece nos encontros mundo afora
Quando pensamos em escrever o seu perfil, Juliana Aziz Miriani Russar estava em Bangcoc, na Tailândia, em mais uma das rodadas de negociações que antecedem a COP 15, em dezembro, na cidade de Copenhague. Não foi difícil seguir seus passos e receber dela uma resposta positiva ao nosso convite. Como uma das trackers (seguidoras) do projeto Adote um Negociador, ela está conectada diariamente, postando informações sobre as decisões que os brasileiros tomam nesses encontros internacionais. Seu papel no projeto é democratizar as informações para a sociedade civil e dar transparência ao processo que contribuirá para definir o futuro do planeta.
Ao se formar em Relações Internacionais pela USP, em 2007, ela começou a trabalhar como voluntária na Vitae Civilis, organização não governamental ligada a questões de desenvolvimento, meio ambiente e paz, e em pouquíssimo tempo estava embarcando para a COP 13, em Bali, na Indonésia. De repente, Juliana se viu segurando uma programação diária de 30 páginas e aí precisou afinar o foco de sua atuação em megaeventos como esse. Naquele momento, Rubens Born, coordenador-executivo da Vitae Civilis, dava o primeiro passo na preparação de Juliana, que tem no currículo os idiomas inglês, francês e espanhol fluentes.
No ano seguinte, lá estava ela na COP 14, em Poznan, na Polônia. Na volta, cursou Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e viveu o que chama de crise existencial. “Não sabia se queria mudar de área, ir para o setor privado, prestar concurso para diplomata, permanecer no terceiro setor, ou fazer outra faculdade. Fiquei craque em dinâmicas de trabalho”, relata. No início deste ano, foi chamada pela Vitae Civilis para ser uma negociator tracker, e lá foi ela de novo para o outro lado do mundo: Bangcoc.
Após duas semanas de trabalho intenso e dormindo não mais que 6 horas por dia, Juliana viajou por quase 24 horas para chegar em casa, enfrentou um jet leg de 10 horas e em dois dias estava numa sala de cirurgia, liquidando uma sinusite pesada que adquiriu na Polônia. “Era muita diferença de temperatura. Lá fora fazia menos de zero grau, e dentro das salas de reunião era quente, com muito trabalho”, conta.
Mesmo com os super (mas esgotáveis) poderes da juventude, sua mãe declarou prisão domiciliar, como ela diz, com duas exceções: a ida ao médico e o encontro para esta entrevista, a três quadras de sua casa, no bairro do Itaim-Bibi, em São Paulo.
É fácil identificá-la no local combinado. Juliana veste uma camiseta preta com a frase “Negotiator Tracker. Tck tck tck”. A frase informa que o tempo não para e o mundo precisa consertar o estrago ambiental agora. Ela está de olho em tudo isso. Quem melhor do que a juventude, com sua garra e urgência, para pressionar posições e resultados políticos, incentivar mais adesões ao movimento e compartilhar abertamente informações com mais uma porção de gente?
Juliana é um dos 12 jovens que seguem os negociadores e as delegações de países-chave. Cabe a ela ficar no pé da equipe verde-amarela e trazer, em primeira mão, notícias e novidades de suas posições ao longo do processo. “É uma forma de dar voz a quem não pode participar das reuniões. Como cidadã do mundo, eu não defendo nenhuma posição, tenho muita liberdade”, avalia Juliana.
Além de estar no lugar certo, na hora certa, a moça é a única da turma dos 12 que tem crachá “Party”, que concede entrada livre em reuniões exclusivas a negociadores dos países-parte (signatários da Convenção do Clima). Isso porque o Brasil concede esse direito a todo cidadão brasileiro que participar da delegação, enquanto os demais seguidores circulam como “Non-governmental”.
Ela explica que tem acesso, por exemplo, às reuniões do G77+China, nas quais esse grupo define suas posições para a negociação, e aos demais encontros em que a delegação brasileira pode entrar. Mas não às reuniões fechadas do Grupo Africano, de países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), ou de pequenos países insulares e demais grupos dos quais o Brasil não faz parte”, explica.
Estar ali, segundo Juliana, significa um equilíbrio entre dar transparência aos fatos e não atrapalhar as negociações. “Há plenárias que permitem que só governos participem e isso presume que as informações não saiam de lá”, conta.
Havia 15 pessoas da delegação brasileira nessa rodada de negociações sobre mudanças climáticas em Bangcoc: seis diplomatas, cinco especialistas do Ministério da Ciência e Tecnologia, três especialistas do Ministério do Meio Ambiente e um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário. “Representar o governo não significa ser um negociador. No Brasil, por enquanto, quem negocia são pessoas do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Ciência e Tecnologia, mas há uma disputa entre ministérios para influenciar a posição que o Brasil vai defender nas negociações. Cada um busca defender o seu interesse”, diz ela.
Mas seu alvo era o chefe da delegação brasileira, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, pessoa-chave nas negociações e, por isso, ocupadíssimo. O resultado do encontro é uma entrevista em vídeo, muito didática, disponível no site do projeto Adote um Negociador. Atualmente, Figueiredo Machado preside o grupo que discute como os países desenvolvidos vão financiar e transferir recursos para que os demais países possam implementar ações de adaptação e mitigação, tema de extremo interesse de Juliana. “Você tem de construir uma relação com a pessoa que vai seguir, mas a posição deles é sempre a oficial. Seu eu souber de alguma coisa que pode atrapalhar a negociação, não posso falar… estou imaginando que o meu nível de influência seja grande (risos).”
Ela é jovem e está começando a entender as dicotomias do mundo. “É estranho estar em uma sala de negociação, a discussão é muito técnica, mas lá fora os protestos são acalorados, e os desastres climáticos estão acontecendo. Daí eu penso: vai fazer alguma diferença eu estar aqui? Bate uma tristeza, mas estou lá. Três COPs, uma sinusite e eu sobrevivi.”
Juliana ainda não sabe bem por que, mas notou que a participação da juventude latina é muito pequena: ela, um argentino e um mexicano. “A gente ficou meio deslocado, não tinha muito que falar. Tem mais gente da África, da Índia e do Sudeste Asiático, e as delegações americanas e inglesas são bem grandes. Desde a escola, eles são incentivados a participar de projetos, têm mais dinheiro e a língua não é uma barreira.”
Os trackers também se questionam, discutem seu papel: somos jornalistas, relatores? Concluem que não são imparciais, falam das próprias experiências, de como é estar lá. “A gente quer mostrar que a nossa geração terá de executar e arcar com as consequências do que foi decidido, queremos incentivar mais gente a se envolver. Então, nossa participação é legítima”, diz Juliana.