No imaginário internacional, eles nunca encarnam o papel de vilões. O Canadá acumula admiração pela qualidade de vida em suas vastas terras, pela tolerância à diversidade, pelas belezas naturais oscilantes entre o verde das florestas e o branco dos cenários de inverno. Mas a imagem que você tem deste país pode mudar quando o assunto são as questões climáticas.
Uma terra de maravilhas?
Com nível de alfabetização de 99%, os cerca de 33,5 milhões de canadenses gozam do 4º melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, sendo que a imigração é bem-vinda no país. Entre 2001 e 2006, ela foi responsável por cerca de dois terços do crescimento populacional canadense, e hoje os cidadãos que nasceram em outras terras (e que compõem um grupo de 200 nacionalidades diferentes) representam quase 20% do total da população do gigante do norte.
Vancouver é considerada a melhor cidade do mundo para se morar, Toronto é a quarta colocada no mesmo ranking, desenvolvido pela revista The Economist, e desde 2005 pessoas do mesmo sexo podem se casar legalmente em qualquer parte do país.
Quando o assunto é Kyoto, “shame on you!”
Mas este mesmo país extremamente evoluído em aspectos civis é um grande fardo global nas questões climáticas. O Canadá ratificou oficialmente o Protocolo de Kyoto em 2002 e, até então, seu comprometimento com as questões climáticas não tinha se descolado da imagem de “bom moço”. Foi quando apareceu em 2006 no cenário da capital canadense – a quase desconhecida Ottawa — Stephen Harper, líder do partido conservador eleito primeiro-ministro. O primeiro orçamento nacional emitido por ele tinha zero dólares canadenses destinados à implementação do Protocolo. Na época, ele anunciou um plano nacional desenvolvido por seu governo para lutar contra as mudanças do clima, sem entrar em muitos detalhes.
O comprometimento do governo anterior, dos liberais, era de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa em 6% ante os níveis de 1990 até o fim do primeiro período de comprometimento. Abandonada pelo governo Harper, a tendência é que o país passe bem, bem longe da sua própria meta: hoje, as emissões estão cerca de 24% acima do que era planejado.
Em ranking das maiores emissões per capita, o Canadá assume o segundo lugar em uma lista de 17 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o que rende ao país uma vergonhosa nota “D” no ranking das emissões. Segundo o mesmo estudo, 46,1% delas tem origem na combustão de recursos, sendo que o setor de energia, de modo geral, contribuiu com 82% das emissões do país em 2005.
O óleo das areias
No meio do país, concentradas principalmente no estado de Alberta, estão a principal razão para tanta poluição canadense: as areias oleosas (ou “oil sands”), conhecidas também como “tar sands”, cuja composição é basicamente de areia, argila, água e um tipo de petróleo pesado, ou betume. Retirar esse petróleo do solo é uma tarefa complicadíssima, que requer tremendas quantidades de energia e ocasiona um processo três vezes mais poluente que a extração comum, sendo que o petróleo resultante ainda não é de grande qualidade.
E por ali tem muito, muito petróleo, o que torna os canadenses os segundos maiores produtores do mundo após a Arábia Saudita — desde 2001, o país já é o maior fornecedor de petróleo para os Estados Unidos.
A repórter Daniela Chiaretti, do jornal Valor Econômico, esteve nas terras das tar sands e relata a experiência que ela qualifica como “horripilante” e um cenário de “Mad Max”. Conta que a a famosa ativista canadense na questão da água, Maude Barlow, chama a região de “Mordor” (o centro sombrio do mal no mundo imaginário de Senhor dos Anéis).
Veja ao lado uma galeria com imagens das oil sands. O jornal norte-americano The Washington Post também fez uma apresentação com fotos.
Explorar um tipo de energia tão poluente mancha de negro o branco e o vermelho da bandeira canadense. Em 2008, após a COP-14, o país levou pelo segundo ano consecutivo o prêmio de Fóssil Colossal, dado por organizações não-governamentais àqueles países que mais emperram as negociações internacionais. Veja na coluna ao lado um vídeo em que Harper é “premiado” por deixar negociações climáticas em Nova York para visitar uma fábrica de rosquinhas.
E agora?
Na última semana, membros do Commonwealth — que reúne basicamente países de língua inglesa que foram ex-colônias britânicas, juntamente com a própria Grã-Bretanha — chegaram a pedir a suspensão do Canadá do grupo, já que o país estaria pouco se importando com mudanças climáticas que têm impacto direto em outros membros, como a ocasião de enchentes em Bangladesh e nas Ilhas Maldivas.
As apostas são de que na COP-15 o país continue a investir todas as suas fichas em um fracasso generalizado. Harper já disse que irá comparecer à reunião, “uma massa crítica de líderes mundiais irá”, como disse seu porta-voz. Mas não se deve esperar muito.
Em declaração recente, como noticia a agência Reuters, o primeiro-ministro disse que as metas canadenses devem acompanhar a tendência das estabelecidas pelos Estados Unidos. O plano do governo canadense é de cortar a emissão de gases geradores do efeito estufa em 20 por cento até 2020 ante níveis de 2006. O mundo agradeceria se esse corte fosse respeitado.
Curiosamente, no mesmo dia em que aprontamos este post, o repórter George Monbiot, do The Guardian, assinava o seu. Ele faz uma comparação interessante ao dizer que “a postura do Canadá em relação às mudanças climáticas faz pela sua reputação o mesmo que a caça às baleias fez pela do Japão”.
E termina com um lamento indignado: “Me sinto estranho escrevendo isso. A ameaça imediata ao esforço global de sustentar um mundo pacífico e estável não vem da Arábia Saudita, ou do Irã, ou da China. Vem do Canadá. Como isso poder ser verdade?”.