Tuvalu lava a alma dos ambientalistas, mas enfrenta oposição de China, Índia e Arábia Saudita e silêncio de Brasil e EUA
Tuvalu é um minúsculo país de 27 km², com 12 mil habitantes, formado por cinco atóis de coral e quatro ilhas no sudoeste do oceano Pacífico.
Ficou conhecido mundialmente na época da COP-13, a conferência do clima de Bali, na Indonésia, realizada em dezembro de 2007, ao mostrar o flagelo de sua estonteante costa, que está sendo devorada pela elevação do nível do mar.
Foi um representante desse país-ilha que provocou nesta quarta-feira, 9 de dezembro, um grande alvoroço no Bella Center, local que sedia a COP-15 na capital dinamarquesa. O quarto menor país do globo terrestre foi até ovacionado por ativistas de ONGs ambientalistas, que em geral defendem a extensão do Protocolo de Kyoto além de 2012, e a aprovação na COP-15 do Protocolo de Copenhague.
Ian Fry, negociador-chefe de Tuvalu, levou a presidente da plenária da COP, Connie Hedegaard, ministra de Clima e Energia da Dinamarca, a suspender a sessão, frente à divergência aberta com China, Índia e Arábia Saudita, que rechaçaram sua proposta de criar um grupo de contato para discutir proposições voltadas à aprovação de um Protocolo de Copenhague.
O instrumento teria poder vinculante. Ou seja, estabeleceria obrigações legais para países desenvolvidos e em desenvolvimento nas áreas de mitigação dos gases estufa, adaptação, financiamento aos países em desenvolvimento, sobretudo os mais vulneráveis às mudanças no clima, e de transferência de tecnologia.
Entre os signatários da Convenção do Clima, os países-ilhas são os que defendem as metas mais ambiciosas de redução nas emissões de gases-estufa para os países ricos: no mínimo 45% até 2020 em comparação com o patamar de 1990.
Entendem que apenas assim será possível impedir que o planeta esquente mais de 1,5ºC até 2100 ante os níveis pré-industriais. Um acréscimo superior a 1,5ºC poderá apagar esses países do mapa, talvez ainda neste século.
É esse contexto que explica a comportamento incisivo de Tuvalu na conferência de Copenhague. O país teme que medidas mais ambiciosas nos temas da mitigação, da adaptação e do financiamento sejam deixadas de lado ou retardadas, caso a COP-15 resulte no máximo em um acordo político com desdobramento legal somente no final de 2010.
Normalmente, as delegações dos países em desenvolvimento, especialmente as das nações mais vulneráveis ao aquecimento global, são alijadas do centro das negociações em virtude do diminuto tamanho de suas delegações, falta de assessores e limitados recursos financeiros. Na contracorrente da hegemonia do hemisfério norte, o movimento de Tuvalu reforça a tendência de entrada em cena dos mais vulneráveis no jogo de poder da Convenção.
Na COP-13, a de Bali, os países-ilhas e os menos desenvolvidos (conhecidos pela sigla LCD) foram bem-sucedidos na sua batalha para incluir um representante no conselho do Fundo de Adaptação do Protocolo de Kyoto. A vitória ocorreu graças à organização dos países na conferência.
Como muitas de suas delegações possuem poucos representantes, às vezes um ou dois, eles se dividiram entre diferentes grupos de discussão. Diariamente encontravam-se para troca de informações e planejar suas intervenções. Foi uma verdadeira luta de Davi contra Golias.
Em Barcelona, na última reunião preparatória à COP-15, realizada no início de novembro passado, foi a vez de o grupo africano produzir a principal manchete do encontro. No segundo dia da reunião, os representantes africanos boicotaram as negociações em protesto contra as metas tímidas de corte nas emissões dos países ricos. Retornaram no dia seguinte, após serem assegurados de que a maior parte do tempo restante da reunião seria dedicada a discutir as metas dos países desenvolvidos para 2020.
A dissensão entre Tuvalu, apoiado por dezenas de países pobres e vulneráveis às mudanças climáticas, e China e Índia expôs racha há muito tempo latente no G-77 e China, o grupo que tenta representar os interesses dos países em desenvolvimento na Convenção do Clima. A delegação dos Estados Unidos silenciou-se, visto que o pais também apresentou proposição para um novo protocolo, vinculado à Convenção do Clima.
É mais negócio para os EUA que um país do G-77 puxe a discussão do novo protocolo, que é divisora de opiniões no grupo, do que mais uma vez ser pintado como mentor do fim de Kyoto. Um novo protocolo seria via mais suave para reintroduzir o país na dinâmica internacional das negociações climáticas, mantendo-o longe de Kyoto.
O Brasil não se manifestou na plenária da COP-15 sobre a situação criada por Tuvalu. Não quis se queimar com os países mais vulneráveis da Oceania, Ásia e África que apoiaram a iniciativa do país-ilha. O Itamaraty defendia publicamente até pouco tempo atrás que preferia que os resultados da COP-15 fossem consolidados como decisões da conferência, por acreditar que um novo protocolo enfraqueceria Kyoto. Seria então natural que cerrasse fileira com China e Índia. Contudo, o país vem sinalizando gradualmente uma diferença com algumas de posições de seus tradicionais parceiros.
Já a China tem jogado em diferentes planos nas negociações. Ora lidera o G-77 na defesa dos interesses dos países pobres contra a falta de compromissos ambiciosos dos ricos em mitigação e financiamento. Ora aparece com propostas que conflitam com posições do próprio G-77, como a de apoiar a vinculação do futuro mecanismo financeiro da Convenção do Clima ao Fundo do Meio Ambiente Global (GEF na sigla em inglês), que mantém conexão umbilical com o Banco Mundial.
O Brasil segue a posição do G-77 de que o fundo climático funcione sob os auspícios da Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP).
Para China e Índia, a discussão neste momento de um novo protocolo desviaria a atenção das negociações em torno do segundo período de compromissos do Protocolo de Kyoto. É nessas negociações que se discutem as metas para os países ricos e economias em transição (países ex-comunistas) para o período de 2013 a 2017 ou 2020. Uma fonte de uma ONG que há vários anos acompanha as negociações da Convenção do Clima acrescenta outro motivo para a colisão no interior do G-77.
Tanto China como Índia veem em um possível Protocolo de Copenhague a janela para no futuro atrelar os países em desenvolvimento, particularmente as economias emergentes, a metas compulsórias de diminuição nas emissões similares às dos países desenvolvidos. Isso é tudo o que os dois gigantes da Ásia não querem, justamente quando desfrutam taxas anuais de crescimento econômico próximas de 10%.
Espera-se que nesta quinta-feira, o quarto dia da COP-15, a presidente dos trabalhos encaminhe solução que permita retomar a sessão que discutia o artigo 17 da Convenção do Clima, que dispões sobre a aprovação de protocolos.
Após o episódio do texto secreto do governo dinamarquês, agora é o fantasma do boicote dos vulneráveis que assombra os negociadores dos países ricos.