Falta de avanço nas metas de redução de gases-estufa nos países ricos e no tema do financiamento geram cenário incerto para o acordo climático
A três dias do encerramento da Conferência do Clima de Copenhague, as negociações em curso desde o último dia 7 ainda não desfizeram nós cruciais para que os cerca de 190 países presentes concluam o novo acordo climático global.
A última versão do documento sobre os compromissos de longo prazo dos países signatários da Convenção do Clima, concluída na manhã desta terça-feira (dia 15), não resolve nenhum dos mais sérios impasses nos temas da visão compartilhada de longo prazo, mitigação das emissões de gases-estufa e financiamento de ações de redução nas emissões e adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento.
Em relação aos objetivos de longo prazo, há propostas para cortes de 50%, 85% ou 95% na emissões até 2050 na comparação com 1990. É provável alcançar consenso na meta de 50%, que foi assumida pelo Fórum das Maiores Economias (MEF, na sigla em inglês), convocado no início do ano pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para discutir propostas consensuais no tema climático. O MEF reúne as 20 principais economias do mundo, incluindo países ricos e emergentes.
Contudo, a redução de 50% não seria suficiente para segurar o aumento da temperatura do planeta em no máximo 2 graus Celsius até 2100 em relação aos níveis pré-industriais, segundo Tasso Azevedo, consultor do Ministério do Meio Ambiente que assessora os negociadores brasileiros na COP-15. O limite de 2 graus Celsius é considerado pelos cientistas como o tolerável para evitar um descontrole no sistema climático que levaria a cenários catastróficos na Terra ainda neste século.
Para que a temperatura não suba além de 2 graus Celsius, as emissões acumuladas ao longo deste século não poderiam ultrapassar o teto de 1,8 trilhão de toneladas de CO2 equivalente. Isso somente ocorreria, explica Azevedo, se o corte nas emissões globais fosse de pelo menos 70% até 2050 ante os níveis de 1990.
Há amplo consenso na COP-15 sobre o acréscimo máximo de 2 graus, à exceção dos países-ilhas e nações do grupo dos menos desenvolvidos (conhecidos pela sigla em inglês LDC), que são justamente os mais vulneráveis às alterações no clima. Para eles, que correm o risco de sumir do mapa por conta da elevação no nível do mar, a temperatura não pode subir além de 1,5 grau Celsius até 2100. Terão de ser convencidos a abrir mão de seu pleito para facilitar o consenso nesse ponto.
Países ricos, metas modestas
Muito mais penosa é a negociação relacionada à redução de médio prazo nas emissões dos países ricos. Para não colidir com a recomendação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o melhor dos mundos seria definir o intervalo de redução nas emissões dos países do Anexo 1 da Convenção (desenvolvidos e economias em transição) em 25% a 40% até 2020 ante o patamar de 1990.
No entanto, até o momento, apenas o Japão apresentou proposta que sintoniza ao menos com o piso indicado pelo IPCC. Acredita-se que a União Europeia poderia ampliar sua oferta de 20% para 25% em nome do acordo. Oficialmente, a UE diz que elevaria sua meta a 30% apenas se os outros países do Anexo 1 (desenvolvidos e economias em transição) fizessem o mesmo.
Restaria conseguir propostas mais ousadas da Austrália, do reticente Canadá, que dificilmente cumprirá sua meta no Protocolo de Kyoto, e principalmente dos Estados Unidos.
Poucos dias antes do início da COP-15, o presidente Obama anunciou que o país diminuiria em 17% suas emissões até 2020 na comparação com 2005. Os 17% estariam assegurados com a aprovação, ainda incerta, da lei de clima e energia pelo Senado, mas representariam queda de apenas 3% sobre as emissões de 1990, bastante aquém do piso recomendado pelo IPCC.
Não será surpresa, porém, se o presidente Obama anunciar nesta próxima sexta-feira no Bella Center, onde ocorre a COP-15, compromisso um pouco mais ambicioso que os 17%, visto que carrega carta valiosa na manga: a proposta da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) de regular as emissões de seis gases-estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, entre outros).
Outra concessão poderia ser feita a Obama por parte da UE e do Japão, estendendo o prazo para o país cumprir suas metas de médio prazo até 2030, por exemplo. Em contrapartida, os EUA abririam o cofre sendo mais generosos na alocação de recursos para o fundo climático que será criado para apoiar ações nos países em desenvolvimento.
O pico global
Uma novidade nas negociações dos dois últimos dias foi a inclusão de proposta para o pico das emissões globais, que ocorreria entre 2015 e 2020. O ano em que as emissões atingem seu nível mais alto (pico) e passam a declinar no ano seguinte é tema fundamental para o sucesso do acordo climático. Sem estabelecer o ano para o pico, pode ficar mais caro e mais difícil cumprir as metas de médio e longo prazo.
O IPCC recomendou o pico em não mais além que 2015 no seu relatório de 2007, no cenário em que o aumento da temperatura não passa dos 2 graus Celsius até 2100 e a concentração de gases-estufa na atmosfera estabiliza-se em 450 partes por milhão (ppm) em CO2 equivalente.
Provavelmente, o pico das emissões nos países em desenvolvimento será definido em período posterior a 2020, o que obrigará esforço maior de corte nas emissões nos países ricos para que o pico global ocorra antes.
Os países em desenvolvimento mais avançados, como Brasil, África do Sul, China e Índia, têm resistido à definição de um ano para o pico das suas emissões por avaliar que isso sufocaria o crescimento de suas economias. Na COP15, entretanto, parece haver maior aceitação à ideia desde que o pico nesses países seja situado bem depois de 2020.
Show me the money
A concordância com a proposta também está amarrada à oferta financeira dos países ricos. Até o momento, existem três propostas principais de financiamento para ações climáticas no mundo em desenvolvimento, mas não houve avanço sobre quem e como a conta será paga e o tamanho da ajuda.
Uma que tende a ser consensual é a da ajuda emergencial para os próximos três anos, estimada em US$ 30 bilhões (US$ 10 bilhões por ano). A UE anunciou que entrará com quase um terço dos recursos previstos para a ajuda emergencial. As outras duas referem-se à assistência financeira de longo prazo.
O Fundo Verde, proposta apresentada conjuntamente por México e Noruega, recolheria contribuições de todos os países de acordo com sua capacidade financeira e taxa de emissões de gases-estufa. O fundo proveria recursos aos países em desenvolvimento, preferencialmente para os mais pobres.
A terceira proposta é a da União Europeia, que prevê três fontes de recursos: países ricos e emergentes, mercado de carbono e países pobres. Segundo a proposta europeia, o custo das medidas de adaptação e mitigação de gases-estufa nos países em desenvolvimento é projetado em cerca de US$ 150 bilhões em 2020.
No imbróglio financeiro, também faltam definições sobre a governança do fundo climático e ofertas concretas para a assistência pública de longo prazo. Os países em desenvolvimento defendem que o fundo tenha como cabeça decisória a Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP). Já os países ricos tendem a apoiar um esquema mais associado a agências financeiras multilaterais, como o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).
Por fim, nenhum país abriu o bolso com sua oferta para o financiamento de longo prazo. Os africanos já deixaram claro que não assinarão acordo em que não haja compromisso legalmente vinculante para a ajuda financeira. Alegam que sofrerão os efeitos mais devastadores do aquecimento global, embora sua contribuição nas emissões globais seja inferior a 5%.