Países pobres rejeitam acordo proposto por EUA e emergentes. Considerada fraca até por seus defensores, proposta racha G-77 e COP15 tem final melancólico
Naufragou a tentativa de os países emergentes salvarem a 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima (COP-15) do fracasso ao costurar um acordo com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Nem Protocolo de Copenhague, nem decisão da COP, nem declaração política. A COP-15 terminou no final da tarde deste sábado (dia 19) sem ter adotado um acordo legalmente vinculante.
Alguns países, como os Estados Unidos, e o secretário executivo da Convenção do Clima, Yvo de Boer, tentam agora convencer a opinião pública de que o Acordo de Copenhague, apoiado pela maioria dos países, segundo eles, representa avanço significativo nas negociações climáticas.
Negociado entre o grupo Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) e os Estados Unidos, em consulta com mais outros 20 países, o Acordo de Copenhague obteve avanços mais conceituais do que práticos. Pela primeira vez, por exemplo, um texto de acordo em uma COP inclui países em desenvolvimento na responsabilidade pela redução nas emissões.
Rejeitado por vários países pobres, o que impediu que se tornasse uma decisão da COP-15, o Acordo de Copenhague sobreviveu nos documentos oficiais da conferência. Isso foi possível graças à iniciativa de Ed Miliband, ministro das mudanças climáticas do Reino Unido, de propor que a conferência oficialmente tomasse nota do documento.
Para isso, a proposta precisava de apoio de todos os países, de acordo com as regras da ONU, o que foi obtido com uma concessão aos países que se opuseram à adoção do acordo como decisão da COP-15, denunciando a falta de transparência na negociação entre Obama e os quatro principais países emergentes.
A contrapartida dos países ricos foi reinserir no item 12 do acordo a menção ao limite de 1,5 grau Celsius para o aumento na temperatura do planeta. Isso significa que o teto de 1,5 grau, bandeira dos países-ilhas, terá de ser levado em conta na avaliação da implementação do acordo prevista para 2015.
Segundo o Secretariado da Convenção do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), a maioria dos países presentes na sessão final da COP-15 apoiou o acordo. O órgão, entretanto, não informa quantos e quais foram os países que respaldaram o documento, que está aberto para receber assinaturas dos signatários da Convenção.
A inserção do Acordo de Copenhague nos anais da COP-15 como uma espécie de nota de rodapé gigante foi um artifício dos países desenvolvidos para assegurar que ele de alguma maneira sirva como base para as negociações do acordo legalmente vinculante em 2010. Ao abrir o documento para assinaturas, os países desenvolvidos também esperam isolar os países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) de Evo Morales e Hugo Chávez, que lideraram com o Sudão e Tuvalu a rejeição do documento como decisão da COP.
Não será uma tarefa tranquila, uma vez que os próprios países emergentes que negociaram o acordo com Obama também estão insatisfeitos com seus termos, sobretudo a falta de metas ambiciosas de corte nas emissões dos países ricos e compromisso formal de ajuda financeira pública a ações de mitigação e adaptação. Mesmo a China, que era vista como a principal patrocinadora do acordo no lado dos emergentes, é agora acusada por Miliband de ter ajudado a minar o consenso em torno do documento.
Lula, o cara
A cúpula de Copenhague teve na sexta-feira passada seu dia mais tenso. Perto da hora do almoço, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fez um elogiado e incisivo discurso, parcialmente de improviso. Foi aplaudido meia dúzia de vezes pela plateia de chefes de Estado e de governo no Bella Center, onde a COP-15 foi realizada.
Para provocar constrangimento nos seus colegas dos países ricos, que resistem a assumir compromissos financeiros mais enfáticos, Lula disse que o Brasil estava disposto a fazer sacrifício contribuindo financeiramente com a ajuda aos países mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas.
Depois de Lula, foi a vez de o presidente Barack Obama dirigir-se à audiência da COP-15. Obama cobrou transparência dos países emergentes na prestação de contas sobre seus programas nacionais de mitigação dos gases estufa.
Deixou evidente que a transparência condicionaria a participação dos Estados Unidos no futuro fundo climático da Convenção do Clima, que deverá ser criado para apoiar ações em mitigação dos gases-estufa e adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento.
Concessão na transparência
Durante a tarde, Obama conversou com vários líderes mundiais, incluindo reunião exclusiva com o Basic, grupo que reúne Brasil, África do Sul, Índia e China. Além de Obama e Lula, participaram do encontro o presidente sul-africano, Jacob Zuma, o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, e o premiê chinês, Wen Jiabao.
Na reunião, os quatro líderes bateram o martelo nos principais pontos do rascunho do Acordo de Copenhague que seria apresentado aos representantes dos outros países presentes na COP-15. Japão e União Europeia teriam sido consultados e concordado com os fundamentos do acordo.
A principal concessão aos norte-americanos foi a inclusão no texto do Acordo de Copenhague de um sistema internacional de consulta e informação sobre seus programas de redução nas emissões de gases-estufa. Idealmente, a preferência dos EUA era pela verificação internacional dos programas de mitigação por meio de auditorias externas independentes. A opção foi recusada por Brasil e China, que ofereceram a alternativa do sistema de consulta, aceita por Obama.
Entretanto, não houve a esperada contrapartida norte-americana em compromisso de assistência financeira pública entre 2013 e 2020. O país não se moveu além da proposta genérica de participar com recursos em um futuro fundo climático global, que deveria somar US$ 100 bilhões em 2020 oriundos de fontes públicas e privadas.
Metas do Anexo 1 estacionaram
Amarrado pela forte oposição no Congresso à aprovação da lei de clima e energia, Obama também não atendeu ao pedido de Lula para ampliar a meta de corte nas emissões dos EUA, hoje definida em 4% ante 1990.
Esperava-se que o presidente norte-americano pudesse melhorar sua oferta de redução nas emissões lançando mão do plano de regulação das emissões de gases-estufa que a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) pretende introduzir no país. Dessa forma, os EUA diminuiriam as emissões com a lei de clima, caso aprovada pelo Congresso, e a regulação da EPA.
Sem alteração na meta dos EUA, os outros países do Anexo 1 da Convenção do Clima (desenvolvidos e economias em transição, como Rússia) também se viram confortáveis para não mexer nas suas metas anunciadas para 2020. A UE, por exemplo, manteve sua redução em 20%, já prevista em lei, não a elevando a 30% como prometera fazer, caso os outros países ricos fizessem o mesmo.
Isso tornou impossível elevar a meta agregada do grupo para o intervalo de redução nas emissões recomendado em 2007 pelo Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 25% a 40% até 2020 em relação a 1990. Com base nas metas anunciadas pelos países do Anexo 1 até o início de novembro último, o corte até 2020 variaria entre 12% e 19% na melhor das hipóteses, segundo a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis).
Recuo dos emergentes
Sem concessões por parte dos EUA, ruiu o significativo progresso que havia sido conquistado neste semestre e durante a COP-15. Como resultado, os países do Basic removeram do jogo peças estruturais para o que pretendia ser um acordo climático global legalmente vinculante com ambição no mínimo moderada.
Entenderam que haviam ido longe com o anúncio de suas próprias metas de diminuição nas emissões e precisavam fechar janelas que aparentemente pudessem levá-los a cortes mais profundos em suas emissões, com implicações diretas nas taxas de crescimento de suas economias.
As primeiras vítimas foram as metas de corte de 50% nas emissões globais e 80% nas emissões dos países do Anexo 1 até 2050 ante 1990. Elas sumiram do texto do acordo. Também desapareceu do texto a meta de diminuir as emissões das nações em desenvolvimento entre 15% e 30% em relação ao cenário tendencial de 2020 (se nada fosse feito para mitigar as emissões).
Outra vítima foi a definição de um período dentro do qual ocorreria o pico das emissões, que iniciariam curva declinante em seguida. Nos rascunhos discutidos pelo grupo que discutiu o documento sobre compromissos de longo prazo, apareceu a proposta de estabelecer o período para o pico das emissões entre 2015 e 2020 no caso do Anexo 1. Para os países em desenvolvimento, o pico seria situado adiante, provavelmente ao longo da década de 2020.
Após permanecer suspensa por várias horas, a sessão foi retomada ao redor de 3 horas da madrugada deste sábado (dia 19). O presidente da conferência, Lars Løkke Rasmussen, primeiro-ministro da Dinamarca, apresentou o acordo como proposta supostamente formulada em consulta com os diferentes grupos de países que articulam intervenções comuns nas COPs. Quase 30 países teriam sido consultados por Rasmussen.
Exclusão causa revolta dos pobres
Considerado muito fraco por ambientalistas e negociadores do governo brasileiro, o Acordo de Copenhague foi rechaçado por Tuvalu, Costa Rica e os países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), que é formada por Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba e Nicarágua, entre outros. Nas conferências da ONU, as decisões somente são tomadas por consenso. Portanto, a recusa de apenas um país é suficiente para impedir uma decisão na COP.
Em discursos inflamados, esses e outros países pobres da África e países-ilhas manifestaram descontentamento com as reuniões paralelas à COP-15 em que o Acordo de Copenhague foi discutido e redigido.
Ainda não está claro o que teria levado os quatro países emergentes do grupo Basic a negociar com os EUA fora do curso normal da COP-15. Afinal de contas, são justamente os países que lideram o G-77 (bloco de 130 países em desenvolvimento) e costumam criticar tentativas de países ricos de negociar por fora da Convenção do Clima.
No plano das especulações, levanta-se a hipótese de que os quatro países acertaram o acordo contra sua vontade, pressionados pelos EUA, que não poderiam ver Obama deixando Copenhague de mãos vazias.
A hipótese faz sentido para quem assistiu à entrevista coletiva que o presidente norte-americano concedeu à imprensa de seu país na sexta-feira no Bella Center. Obama falou do Acordo de Copenhague como se estivesse certa sua aceitação pelos países presentes na sessão plenária da COP-15.
Aliás, exceto os jornalistas dos EUA, ninguém mais sabia que o presidente norte-americano estava secretamente em uma sala do Bella Center realizando a coletiva. Enquanto isso, uma horda de jornalistas havia corrido para a principal sala das conferências de imprensa movidos por falso boato divulgado no Twitter de que Obama concederia coletiva no local.
Mais um indício foi o indisfarçável desconforto do Itamaraty com o acordo, demonstrado pelo embaixador para a mudança do clima, Sérgio Serra, na entrevista que concedeu à imprensa na noite de sexta-feira. “Não posso deixar de externar certa decepção com os resultados”, disse ele. Se o Brasil participou da frustrada operação para tentar salvar a COP-15 do fracasso, por que autoridades do Itamaraty, usualmente bastante discretas, estariam comentando tão abertamente seu desapontamento com o acordo?
Um terceiro indício que reforça a hipótese foi a debandada do primeiro escalão do governo brasileiro. Mesmo sabendo da frustração que o Acordo de Copenhague causaria entre os delegados dos países, voltaram ao Brasil na noite desta última sexta-feira o presidente Lula, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, chefe da delegação brasileira na COP-15, o chanceler Celso Amorim e o negociador-chefe do Brasil na Convenção do Clima, embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado. Provavelmente retornaram no avião da Presidência.
De costas para a ciência
Resumido a menos de três páginas, o Acordo de Copenhague ignora os principais temas em discussão na COP-15 e apresenta problemas de precisão. Menciona, por exemplo, a necessidade de reduzir as emissões de gases-estufa de modo a impedir que a temperatura do planeta suba além de 2 graus Celsius. Mas não diz que o aumento ocorreria ao longo deste século em comparação com os níveis pré-industriais.
O pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Carlos Nobre, coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede-Clima) –que só conseguiu entrar no Bella Center na quarta-feira passada, após tentativas frustradas nos dois dias anteriores- considerou o resultado das negociações “um fracasso retumbante”. Nobre achou grave a falta de menção ao objetivo de redução nas emissões de longo prazo.
Segundo ele, as evidências científicas mais recentes indicam que as emissões globais deveriam ser cortadas em 70% a 80% até 2050 ante os níveis de 1990. “Seria a redução que asseguraria mais de 50% de chance de impedir que a temperatura do planeta aumentasse mais de 2 graus Celsius”, disse Nobre.
No relatório do IPCC de 2007, o corte de 50% assegurava 50% de chance para segurar o acréscimo em no máximo 2 graus Celsius. Contudo, segundo Nobre, hoje a chance declinou para 15% com o cenário de redução de 50% nas emissões globais até 2050.
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No tema do financiamento, a proposta de acordo é enfática apenas quanto à ajuda emergencial de US$ 30 bilhões de 2010 a 2012 aos países mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas. Ainda assim, faltam US$ 5 bilhões para fechar a conta, visto que a União Europeia anunciou que entrará com US$ 10,6 bilhões, o Japão, com US$ 11 bilhões do setor público, e os EUA, com US$ 3,6 bilhões.
Para a assistência financeira de longo prazo, o texto diz que “os países desenvolvidos definem o objetivo de mobilizar conjuntamente US$ 100 bilhões anuais em 2020 para atender às necessidades dos países em desenvolvimento”. Não há indicação, porém, para o apoio financeiro entre 2013 e 2020, nem a partir de 2021.
Há, ainda, o reconhecimento do papel das florestas no sistema climático, por meio do estabelecimento do mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação na versão do Redd+. Incentivos financeiros seriam concedidos pelos países ricos a ações para diminuir o desmatamento e conservar áreas florestais.
Nova contagem regressiva
Programada para terminar na sexta-feira, dia 18, a COP-15 foi encerrada perto das 16h30 de sábado (horário local), após maratona de mais de 24 horas ininterruptas de reuniões e sessões plenárias no Bella Center.
Como o primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto expira em 2012, um acordo legalmente vinculante é necessário para estipular cortes nas emissões de gases-estufa a partir de 2013.
Para que isso aconteça, o acordo precisa ser aprovado na próxima rodada de negociações da Convenção do Clima, que ocorrerá em Bonn, na Alemanha, de 30 de maio a 11 de junho, ou na COP-16, na Cidade do México, em dezembro.
Só, assim, haverá tempo hábil para os parlamentos nacionais ratificarem o acordo. A se levar em conta o resultado pífio da caótica conferência do clima de Copenhague, a missão é das mais difíceis, mas possível.
Fica postergada para 2010, portanto, a esperança de que os países olhem menos para o umbigo e mais para o planeta na hora de negociar as regras do regime climático.