O cozinheiro do café onde costumo encontrar meus amigos foi, num dia não muito distante, uma mulher. A inglesa elegante que trabalha no caixa da loja de artigos para cozinha perto de casa tem um pomo-de-adão saliente. Vê-los ativos em profissões que fogem do triângulo cabelereiro-prostituta-telemarketing me deixa particularmente satisfeita. É uma espécie de bônus que estes estabelecimentos comerciais oferecem e que me atrai para lá.
Claro, Santa Fe, onde moro, não é uma cidade típica dos Estados Unidos. Embora tenha apenas 70 mil habitantes e esteja muito longe dos centros mais cosmopolitas, não tem nada a ver com as cidadezinhas que vemos em filmes: obtusas, obesas e obsoletas. A capital do estado de New Mexico, um dos mais pobres dos EUA, é conhecida pela naturalidade com que trata a diversidade humana. Índios, brancos, hispânicos e imigrantes de todas as partes, embora não se misturem muito, convivem de forma bastante pacífica. É óbvio que estou falando do New Mexico atual, não daquela que registrou massacres famosos, como o dos índios Acoma, que guerreavam contra o colonizador espanhol Juan de Oñate em 1599. Calcula-se que 800 Acoma foram mortos na batalha e os sobreviventes tiveram seus pés direitos amputados. Tempos atrás inauguraram uma estátua de Oñate. Alguém foi lá e arrancou o seu pé).
A cidade também é notória por atrair lésbicas, transexuais e, em menor escala, gays. Há quem diga que eles são 25% da população. No entanto, não há bairro ou casas noturnas gays – parece não haver necessidade. Mas há uma grande parada gay e o circo/teatro Wise Fool, verdadeira instituição local, praticamente todo formado por garotas que gostam de garotas. Santa Fe também abriga um grande condomínio para gays, lésbicas etc. de mais de cinquenta anos – o único lugar da cidade onde se pode ouvir boa música dos anos 70 e 80.
Uma das explicações para o fenômento é que Santa Fe tornou-se uma espécie de meca dos aposentados alternativos. Gente com dinheiro mas que é socialista demais, esotérica demais ou tão distoante do resto da população que não se encaixa nos destinos mais comuns dos idosos norte-americanos, como a Florida. Com eles vieram os artistas e um dos mercados de Arte mais animados do país (embora encolhido depois da crise financeira). Daí uma certa atmosfera liberal que não existe no resto do estado, nem na maior parte do país ou do mundo.