A ameaça nuclear é maior do que julga a nossa temerária despreocupação
Vários leitores estranharam a importância que foi dada ao problema da proliferação de armas nucleares no livro Mundo em Transe, lançado em dezembro (Ed. Autores Associados). Em comentários que revelam o quanto é comum, no Brasil, a temerária despreocupação com essa questão. Por isso, parece oportuno que sejam feitas aqui três recomendações de leitura.
Em 2005 foi publicado pela Companhia das Letras o livro Hora Final – Alerta de um Cientista: o desastre ambiental ameaça o futuro da humanidade, de Sir Martin Rees, professor de Cosmologia na Universidade de Cambridge, membro do King’s College e astrônomo real do Reino Unido. Ele afirma que a chance de a humanidade sobreviver até o fim deste século não passa de 50%.
Por isso, o intuito do livro é alertar sobre a responsabilidade de todos no sentido de evitar que avanços tecnológicos causem o fim da espécie humana: “O tema desse livro é: a humanidade está em maior perigo do que esteve em qualquer outra fase de sua história. O cosmos mais amplo tem um futuro potencial que poderia ser infinito. Mas serão essas vastas extensões de tempo preenchidas com vida ou ficarão vazias, como os primeiros mares estéreis da Terra? A escolha pode depender de nós, neste século” .
Se depois de conhecer os argumentos de Rees sobre o perigo nuclear alguém Fundador da Stratfor, a maior empresa mundial do setor de inteligência. Mora em Austin, Texas achá-lo catastrofista e continuar a dar pouca importância para esse risco, então gostará muito de outro, bem otimista, ao menos sobre o próximo decênio. O Mundo em 2020 – Poder, cultura e prosperidade: uma visão do futuro, do também britânico Hamish McRae, especialista em economia e editor do jornal The Independent, já havia sido publicado em 1998 pela Editora Record.
Depois de garantir que até 2020 não haverá conflito nuclear geral, admite que é muito grande a possibilidade de que seja detonada alguma “modesta” bomba nuclear. “Vários países instáveis têm ou estão tendo capacidade de construir armas atômicas. Seria reconfortante acreditar que, diante de tais ameaças, o mundo industrial fosse revelá-las e unir-se para evitar a catástrofe. Mas talvez isso esteja fora da realidade numa era em que a tecnologia está com cinquenta anos de idade e é relativamente fácil de ser adquirida.”
A terceira sugestão é sobre uma previsão ainda mais otimista, além de mais ousada. Em 2009, a editora Best Business publicou o livro Os Próximos 100 Anos – Uma previsão para o século XXI, de George Friedman*. Apesar de prever uma terrível guerra mundial para meados do século, o autor garante que mesmo nela não haverá uso dos arsenais nucleares.
*Fundador da Stratfor, a maior empresa mundial do setor de inteligência. Mora em Austin, Texas
Ele acha que essas armas perderão importância. Usá-las seria necessariamente um suicídio nacional, pois isso certamente provocaria um contra-ataque ainda pior. Em vez disso, poderá ser muito mais decisivo o domínio do espaço. Segundo Friedman, os Estados Unidos criarão (muito secretamente, porque acordos do século XX ainda estarão em vigor) mísseis que poderão ser disparados do espaço a altíssimas velocidades, com efeitos dos mais devastadores.
O fato é que usinas nucleares já existem em 44 países. E que a energia nuclear é 1 milhão de vezes mais eficiente, por quilo, do que explosões químicas. A bomba usada em Oklahoma, que matou 168 pessoas, era equivalente a três toneladas de TNT. Apenas os arsenais nucleares dos Estados Unidos e da antiga União Soviética chegam a essa quantidade de poder explosivo para cada pessoa no mundo.
É verdade que as bombas nucleares movidas a plutônio têm de ser acionadas por uma implosão configurada com muita precisão. E essa é uma questão tecnológica que talvez seja desafiante demais para grupos terroristas. Mas a superfície de uma bomba convencional pode ser revestida de plutônio para se obter uma “bomba suja”. Uma arma como essa não provocaria mais mortes imediatas que uma grande bomba convencional, mas seriam severos os estragos causados a longo prazo por poluir uma grande área com níveis inaceitáveis de radiação.
De qualquer forma, o maior risco está no urânio enriquecido, pois com esse combustível pode-se provocar uma genuína explosão nuclear. Daí o perigo de que se extravie mesmo uma minúscula fração do arsenal atômico, como uma única das dezenas de milhares de ogivas existentes. Um risco que só realça a absoluta e urgente necessidade de se tomar o máximo cuidado com ele. Infelizmente não é essa prudência que está conduzindo as relações do governo brasileiro com a aventura iraniana. O que parece indicar que tanto o Itamaraty quanto o presidente Lula estão sendo influenciados pelos setores que há muito fazem lobby discreto em favor da criação, também por aqui, de capacidade para uso bélico da energia nuclear.
*Professor titular da FEA e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP.[:en]
A ameaça nuclear é maior do que julga a nossa temerária despreocupação
Vários leitores estranharam a importância que foi dada ao problema da proliferação de armas nucleares no livro Mundo em Transe, lançado em dezembro (Ed. Autores Associados). Em comentários que revelam o quanto é comum, no Brasil, a temerária despreocupação com essa questão. Por isso, parece oportuno que sejam feitas aqui três recomendações de leitura.
Em 2005 foi publicado pela Companhia das Letras o livro Hora Final – Alerta de um Cientista: o desastre ambiental ameaça o futuro da humanidade, de Sir Martin Rees, professor de Cosmologia na Universidade de Cambridge, membro do King’s College e astrônomo real do Reino Unido. Ele afirma que a chance de a humanidade sobreviver até o fim deste século não passa de 50%.
Por isso, o intuito do livro é alertar sobre a responsabilidade de todos no sentido de evitar que avanços tecnológicos causem o fim da espécie humana: “O tema desse livro é: a humanidade está em maior perigo do que esteve em qualquer outra fase de sua história. O cosmos mais amplo tem um futuro potencial que poderia ser infinito. Mas serão essas vastas extensões de tempo preenchidas com vida ou ficarão vazias, como os primeiros mares estéreis da Terra? A escolha pode depender de nós, neste século” .
Se depois de conhecer os argumentos de Rees sobre o perigo nuclear alguém Fundador da Stratfor, a maior empresa mundial do setor de inteligência. Mora em Austin, Texas achá-lo catastrofista e continuar a dar pouca importância para esse risco, então gostará muito de outro, bem otimista, ao menos sobre o próximo decênio. O Mundo em 2020 – Poder, cultura e prosperidade: uma visão do futuro, do também britânico Hamish McRae, especialista em economia e editor do jornal The Independent, já havia sido publicado em 1998 pela Editora Record.
Depois de garantir que até 2020 não haverá conflito nuclear geral, admite que é muito grande a possibilidade de que seja detonada alguma “modesta” bomba nuclear. “Vários países instáveis têm ou estão tendo capacidade de construir armas atômicas. Seria reconfortante acreditar que, diante de tais ameaças, o mundo industrial fosse revelá-las e unir-se para evitar a catástrofe. Mas talvez isso esteja fora da realidade numa era em que a tecnologia está com cinquenta anos de idade e é relativamente fácil de ser adquirida.”
A terceira sugestão é sobre uma previsão ainda mais otimista, além de mais ousada. Em 2009, a editora Best Business publicou o livro Os Próximos 100 Anos – Uma previsão para o século XXI, de George Friedman*. Apesar de prever uma terrível guerra mundial para meados do século, o autor garante que mesmo nela não haverá uso dos arsenais nucleares.
*Fundador da Stratfor, a maior empresa mundial do setor de inteligência. Mora em Austin, Texas
Ele acha que essas armas perderão importância. Usá-las seria necessariamente um suicídio nacional, pois isso certamente provocaria um contra-ataque ainda pior. Em vez disso, poderá ser muito mais decisivo o domínio do espaço. Segundo Friedman, os Estados Unidos criarão (muito secretamente, porque acordos do século XX ainda estarão em vigor) mísseis que poderão ser disparados do espaço a altíssimas velocidades, com efeitos dos mais devastadores.
O fato é que usinas nucleares já existem em 44 países. E que a energia nuclear é 1 milhão de vezes mais eficiente, por quilo, do que explosões químicas. A bomba usada em Oklahoma, que matou 168 pessoas, era equivalente a três toneladas de TNT. Apenas os arsenais nucleares dos Estados Unidos e da antiga União Soviética chegam a essa quantidade de poder explosivo para cada pessoa no mundo.
É verdade que as bombas nucleares movidas a plutônio têm de ser acionadas por uma implosão configurada com muita precisão. E essa é uma questão tecnológica que talvez seja desafiante demais para grupos terroristas. Mas a superfície de uma bomba convencional pode ser revestida de plutônio para se obter uma “bomba suja”. Uma arma como essa não provocaria mais mortes imediatas que uma grande bomba convencional, mas seriam severos os estragos causados a longo prazo por poluir uma grande área com níveis inaceitáveis de radiação.
De qualquer forma, o maior risco está no urânio enriquecido, pois com esse combustível pode-se provocar uma genuína explosão nuclear. Daí o perigo de que se extravie mesmo uma minúscula fração do arsenal atômico, como uma única das dezenas de milhares de ogivas existentes. Um risco que só realça a absoluta e urgente necessidade de se tomar o máximo cuidado com ele. Infelizmente não é essa prudência que está conduzindo as relações do governo brasileiro com a aventura iraniana. O que parece indicar que tanto o Itamaraty quanto o presidente Lula estão sendo influenciados pelos setores que há muito fazem lobby discreto em favor da criação, também por aqui, de capacidade para uso bélico da energia nuclear.
*Professor titular da FEA e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP.